Criar uma falsa equivalência entre o caso Daniel Silveira e a crítica de Felipe Neto, que chamou Bolsonaro de genocida, configura uma rasa tentativa de calar as críticas ao mandatário

Por Melissa Rocha, Jornalista- RJ
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Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista- RS

O Brasil completou neste mês 36 anos do fim da ditadura militar. Em 15 de março de 1985, o regime autoritário que cerceou as liberdades civis e tolheu o direito ao pensamento livre chegou ao final, após o país entrar em decadência econômica, com reflexos que se estenderam até meados da década de 1990. Hoje, a data marca o restabelecimento da nossa democracia – ainda jovem, porém consolidada. 

Contudo, no mesmo período em que a data é celebrada, o país se vê às voltas com uma lei que é justamente um resquício desse regime autoritário.  

Trata-se da Lei de Segurança Nacional, promulgada em dezembro de 1983, que abrange crimes que causam danos à integridade territorial, à soberania nacional, ao Estado de Direito e aos chefes dos poderes da União – que são os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do STF. 

Desde que o deputado federal Daniel Silveira foi preso, com base na Lei de Segurança Nacional, por ataques ao STF, começaram a surgir pedidos de prisão contra outras figuras públicas. Todos os pedidos tentam traçar algum paralelo com o caso do deputado.  

O episódio mais recente envolve o influenciador digital Felipe Neto, intimado a depor após ter chamado Jair Bolsonaro de genocida, em um tuíte no qual criticava a gestão do mandatário frente à pandemia. A ação que pedia a intimação foi protocolada na Polícia Civil do Rio, pelo vereador Carlos Bolsonaro. O vereador usou como base a mesma Lei de Segurança Nacional acionada na prisão de Daniel Silveira. A empreitada, no entanto, sofreu uma derrota após a juíza Gisele Guida, da 38ª Vara Criminal do Rio, considerar a ação ilegal e determinar sua suspensão imediata. 

Difícil é entender a suposta equivalência que se tenta traçar entre a série de ataques às instituições e incentivos a atos antidemocráticos promovidos por Silveira e a crítica feita por Felipe Neto – legítima quando se observa o atual cenário da pandemia no país. 

Diga-se de passagem, Felipe Neto não é o único a criticar a atuação do governo federal na gestão da pandemia. Não se pode negar que a trágica visão negacionista de Bolsonaro, o alvo da crítica, fez do Brasil um celeiro de variantes do novo coronavírus, cada vez mais visto por outros países como uma ameaça sanitária global. Como consequência, a rejeição à atuação de Bolsonaro vem batendo recordes. Segundo aponta a mais recente pesquisa do Datafolha, o percentual dos que consideram a gestão do mandatário frente à pandemia ruim ou péssima subiu de 48%, em janeiro, para atuais 54%. 

Além disso, o Brasil é o único país que se tem notícia que já teve quatro ministros da Saúde desde a eclosão da pandemia – uma verdadeiro troca-troca. O novo nome para comandar a Pasta, anunciado nesta semana, é Marcelo Queiroga. Embora tenha experiência na área da saúde e seja tido como uma escolha técnica, Queiroga já avisou: “A política é do governo Bolsonaro, não do ministro da Saúde. O ministro executa a política do governo”. A afirmação sugere que o novo ministro está disposto a deixar de lado sua experiência médica para seguir a ideologia do presidente. Ou seja, substituir Eduardo Pazuello por Queiroga, aparentemente, foi uma troca de seis por meia dúzia. 

Voltando ao tema da Lei de Segurança Nacional, como dito no início deste artigo, Felipe Neto não foi o único alvo recente. Poucos dias atrás, o alvo foi o humorista Danilo Gentili, que publicou um tuíte sugerindo que a população deveria socar os deputados que discutem a PEC da Imunidade – que visa dificultar a prisão de membros do Legislativo. Com base na Lei de Segurança Nacional, o procurador parlamentar da Câmara, o deputado Luis Tibé, protocolou no STF uma ação pedindo a prisão de Gentili. A ação, que foi protocolada a pedido do autor da PEC, o deputado Celso Sabino, equiparava o tuíte do humorista com os ataques ao STF promovidos por Daniel Silveira. 

Novamente foi traçado um paralelo raso entre os casos. Diferentemente do deputado, o histórico do humorista mostra que ele nunca ameaçou as instituições. Ao contrário, ele se opõe aos pedidos de fechamento do STF e do Congresso. Ou seja, embora efusiva, a crítica de Gentili tinha como único objetivo alertar para uma proposta que pode ser um retrocesso no combate à corrupção. 

É fato que o debate sobre a banalização da Lei de Segurança Nacional ainda deve se estender. Cabe agora à Justiça delinear bem as diferenças entre o direito constitucional à liberdade de expressão, que, dentre outras coisas, abriga críticas como as feitas por Felipe Neto e Danilo Gentili, e o uso dessa mesma liberdade para atentar contra a Constituição, que era exatamente o que Daniel Silveira estava promovendo, visto que exortava ações inconstitucionais, como a defesa do AI-5 e o fechamento do STF e do Congresso.