Por Marta Dueñas, Jornalista 
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O dia em que os pobres se vestiram de nação para gritar pelo direito dos ricos

Um golpe contra a democracia tem muitas dinâmicas. As estratégias se copiam, se repetem. Na América Latina, greves gerais, paralisação de caminhoneiros, escassez de produtos, foram  farsas históricas criadas meticulosamente para que a população fosse afetada e apoiasse, em alguns casos, a intervenção militar.

Falo dos anos 60 e 70. A criação de uma atmosfera de caos é obra dos golpistas e não da democracia. A democracia não é desordenada, ela é plural e é justamente por isso que os autoritários a odeiam. O ódio é dirigido exatamente a tudo e todos que são diferentes, tal a incapacidade de conviver com quem pensa, produz e se movimenta de maneira nova para o neandertal nacionalista. O ódio ao diferente é na verdade um ódio a si mesmo. E é por isso que parece tão real e “simples”, digamos assim.

Pois é uma raiva simplista, proferida por pessoas que pouco refletem sobre si e sua existência. Uma simplicidade que pode ser substituída por brutal. Uma raiva dos semelhantes, já que o homem simples não consegue entender as diferenças. Com esta capa foram às ruas no 7 de Setembro, tingindo o verde amarelo de algo obscuro. Flamejando a bandeira como uma metralhadora giratória protestando por agendas que não atenderão suas demandas. O homem simples comprou a pauta da elite do atraso e sem ela, saiu às ruas para pedir por algo que não vai ser servido na área de serviço.

Seja de moto ou helicóptero, o presidente Jair Bolsonaro ultrapassa todos os limites. Não aceito que o tratem como um meninote mimado. Ele é um adulto, um chefe de nação. Pode ser um homem disfuncional, mas não é mais aceitável que o tratem como um bobo da corte que não sabe o que diz. Ele pode não saber no sentido técnico, acredito no seu pouco estudo e erudição, mas ele tem consciência do efeito nefasto das suas falas e é aí que reside uma das facetas deste golpe. Ele entoa as bravatas que pouco importam ao coletivo e poderão servir apenas a elites tradicionais, sejam elas econômicas, políticas ou milicianas.

O chefe da nação é um exemplar mais claro do homem que se entende como uma extensão do estado, agarrando com suas mãos vantagens e diferenciais que nunca o serviram e, diga-se, não deveriam servir a ninguém em particular. Mas é uma forma de “revolução”. O patético tio do churrasco é agora um líder. Saiu da cobertura com seu abrigo de tactel e reclama pela sua parte da casa grande. Não só não vai levar como vai acabar sendo reconduzido ao tanque (de roupa suja), assim espero.

O golpe hipotético não saiu no dia 7 de setembro. A montanha pariu um rato. Mas o rato faz estrago. Deixa recados, esparrama lixo e contagia. Antes do ato, muito já vem se perdendo em termos de expressão, liberdade e direito num governo conduzido por Bolsonaro e sua gangue. E ele é o autor desse movimento, desse  golpe de ódio, covardia, semiótica e símbolos fálicos. Um presidente que fere a regra de impessoalidade da coisa pública, discursa em defesa de seus próprios interesses e de sua família, invoca o fanatismo para engrossar o coro de suas próprias cantilenas.

A república se transformou num playground privado onde a maioria se machuca para meia dúzia se divertir. Isso se chama crueldade. Somos governados por um time de cruéis que, por ódio à sua própria imagem, não suportam a vida e a escolha de quem é diferente.

Ainda que os protestos de 7 de setembro tenham contrariado as previsões de truculência e derramamento de sangue, a violência segue marchando no país e muitas mortes estão na conta da atual gestão federal. Não me refiro às mortes por covid-19, escandalosas e dolorosas 584 mil mortes. Me refiro à soma de todas as mortes, de todos os males: a morte por fome, a morte por machismo, a morte por racismo, a morte por fobias, ódios e incontinência que sustentam essas figuras mal acabadas em torno do presidente Jair Bolsonaro.

A marcha verde e amarela que captura as cores nacionais já matou demais. Já aniquilou demais. É preciso perceber além do óbvio. Os atos desta terça são articulados com a mais vil das tiranias e tiveram como única proposta legitimar um chefe de nação acovardado que está sendo desnudado em praça pública. E que vergonha! A vergonha é tão grande que foi preciso desfilar em São Paulo um pênis verde amarelo gigante! Outra agenda repetitiva dos marchadores: patriarcado, conservadorismo e falocentrismo.

Sem esparramar sangue nas ruas, com fantasias, plumas e taças, os nacionalistas bradam por termos que não se sustentam numa narrativa lógica. São protestos cheios de idiossincrasias mas com objetivos decifráveis. Pedem liberdade defendendo A5, que suprime direitos. Clamam pelo país condenando as ferramentas que nos fazem pátria. Mas tem algo aí que não é tema de piada: a elite do atraso conseguiu o estagiário a sua altura. Os filhos brancos da classe média foram educados achando que um salário de gerente é uma fortuna e se sentem ameaçados por agendas de reforma social que sequer miram sua fatia do bolo. Eles não se deram conta que não lhes foi servida a fatia, afinal, eles devem cortar, limpar e retirar o pratos do banquete para o qual não foram convidados. Boa parte dos verde-amarelos pró-Bolsonaro, neste 7 de Setembro, são soldados do mercado que o defendem como se fossem líderes de blocos econômicos. E o mestre de cerimônia da patuscada tem nome, sobrenome, família e cargo no planalto.

O que precisamos urgente agora é o corretivo que eles tanto gostam para os outros. Nenhum chefe de estado pode ameaçar, revoltar-se contra o estado democrático e violar a constituição sem receber um castigo em troca. Não podemos reduzir a brinquedoteca do protótipo de fascista. Tratemos como pedem para serem tratados. Tratemos com a justiça que pedem aos seus filhos. Tratemos com a dureza que eles desejam aos bandidos. A hora é agora, no dia seguinte.

O day after não pode ficar com gosto de festa de playboy que acorda o bairro todo. O condomínio tem que se reunir e multar. E é hoje, agora, é para já.