Falta de vacinas, vacinas de vento e descompasso entre Ministério da Saúde e municípios marcam as primeiras campanhas de imunização contra a covid-19

Por Melissa Rocha
melissa.rocha@mulheresjornalistas.com

O Brasil sempre foi uma referência mundial em vacinação. Embora a cobertura vacinal tenha caído nos últimos anos, o país ainda é um exemplo quando se trata de produção de vacinas e campanhas de imunização. Por conta disso, quando as primeiras vacinas contra a covid-19 foram aprovadas, a expectativa era de que a imunização em massa contra a doença fosse rápida e eficaz.    

Infelizmente, não é o que temos observado. A falta de vacinas tem comprometido as campanhas de imunização pelo país. E esse cenário é fruto do descaso do governo federal em relação à pandemia. Ao contrário de outros países, o Brasil não negociou antecipadamente com laboratórios fabricantes a compra e reserva de vacinas. As que hoje são aplicadas estão disponíveis graças à atuação da Fiocruz e do Instituto Butantan. Porém, as doses estão esgotando e o Ministério da Saúde, agora, corre contra o relógio para negociar a compra de excedentes ou de vacinas que despertam desconfiança por ainda não terem passado pela chamada fase três dos testes, quando a segurança e eficácia são comprovadas. É o caso da russa Sputnik V e da indiana Covaxin. 

Não bastasse isso, estados e municípios vivem um descompasso com Ministério da Saúde no que diz respeito ao envio de remessas de vacinas. Esse descompasso levou pelo menos cinco capitais do país a suspender a campanha de imunização para aguardar a chegada de novas remessas. A impressão que fica é que não houve discussão ou consenso sobre o cronograma – tornando a situação em um “salve-se quem puder”. 

Coroando o caos, denúncias trouxeram à tona casos de falsas aplicações de vacinas. E não estamos falando aqui de falsas aplicações feitas de forma proposital, quando a aplicação da vacina é simulada de forma ilustrativa, apenas para divulgar campanhas de imunização – como ocorreu recentemente em Israel. Estamos falando de idosos que compareceram aos locais de vacinação, mas apenas foram picados por agulhas vazias, sem imunizantes. 

As cenas de aplicação das vacinas de vento foram gravadas em três cidades do Rio de Janeiro: na capital, em Petrópolis e na vizinha Niterói. A Polícia Civil investiga as denúncias. No caso de Niterói, em depoimento, a técnica de enfermagem responsável por aplicar a vacina de vento disse não perceber que a seringa estava vazia. A explicação não convenceu e gerou a suspeita de que estão ocorrendo desvios do imunizante. 

A suspeita não é infundada. O Brasil é um país no qual tradicionalmente os interesses daqueles que têm influência e poder aquisitivo se sobrepõem às necessidades da população. Isso explica as várias tentativas de furar a fila da vacinação. Um exemplo foi quando promotores públicos paulistas tentaram incluir a categoria nas primeiras imunizações. A explicação dada era que suas atividades exigiam contato social, mas a justificativa não convenceu. Ficou claro de que se tratava de uma manobra para dar legitimidade ao ato de furar a fila. Houve, também, um caso em que a tentativa de furar a fila foi escrachada. Foi em janeiro, quando o pastor evangélico e secretário de saúde do município goiano de Pires do Rio, Assis Silva Filho, decidiu presentar, com uma dose da CoronaVac, a esposa, que não era do grupo prioritário da campanha de imunização. 

Casos como esses mostram que o Brasil, além de lutar contra a pandemia, terá de elevar seus esforços para se livrar do arraigado costume de priorizar os mais poderosos. Além disso, terá de encontrar uma forma de colocar nos eixos a estapafúrdia gestão do Ministério da Saúde e acertar os ponteiros da Pasta com o cronograma dos estados e municípios. 

À população, resta esperar que os entraves que hoje atrapalham as campanhas de imunização sejam corrigidos ainda neste semestre, para que a vacina chegue a todos e finalmente o país possa retornar à normalidade.