Eliza Dinah, Jornalista- MG
eliza.dinah@mulheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista

Já se passou 1 ano desde o início das principais restrições relacionadas à covid-19 no Brasil. A pandemia, que já deixou mais de 400 mil óbitos nesse período, vem acarretando uma série de consequências marcantes nas vidas da população, desde a perda de um parente ou amigo, à exaustão psicológica pelo frequente bombardeio de notícias ruins e permanente situação trágica que só se estende.

Quando a vacina poderia se tornar um afago, trazendo alívio para a rotina do brasileiro, não é bem a realidade que é de fato encontrada. Dados atualizados na última terça-feira (11) mostram que apenas cerca de 36 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose da vacina no país – estatística que equivale a cerca de 17,24% da população brasileira. Agora, aqueles que de fato estão completamente imunizados, recebendo, portanto, todas as doses necessárias, equivalem a 8,68% dos brasileiros.

O ritmo lento da vacinação no Brasil, ao ser comparado ao avanço acelerado em outros países, tem gerado um intenso aumento do chamado Turismo da Vacina. É o movimento que leva aqueles que têm dinheiro e possibilidade de viajar a desembarcarem em outras nações para receber imunizantes contra a covid-19.

Foto: Reprodução/Freepik

Estados Unidos

Os Estados Unidos estão entre os principais destinos de quem pretende se vacinar. Estima-se que o país já imunizou 56% de sua população adulta. Os Estados Unidos já compraram 1 bilhão de doses, o que daria para imunizar quase três vezes toda a população.

A fartura de imunizantes está atraindo turistas que não conseguem ser vacinados em seus países de origem, incluindo brasileiros, que contornam as atuais restrições rígidas impostas para viajantes que saem do País. Desde maio de 2020, o governo americano proíbe a entrada de passageiros que estiveram no Brasil nos 14 dias que antecedem a chegada aos EUA.

A solução, para muitos, tem sido realizar a quarentena no México, e de lá dar entrada nos Estados Unidos. E aí sim, viajar até estados, como a Flórida, que não exige mais prova de residência.

Israel

País líder na vacinação mundial, Israel também vê disparar a busca de brasileiros para viajar ao país. Até o dia 3 de abril deste ano, o país já havia vacinado cerca de 72% da população com 16 anos de idade ou mais e 90% dos maiores de 65 anos. O percentual equivale a mais de 5 milhões de habitantes.

Para conseguir se vacinar em Israel, é preciso ter seguro saúde ou estar há mais de 6 meses no país.

Rússia

Para aqueles que desejam tomar uma dose da Sputnik V, a Rússia não impõe restrições de idade sobre quem pode receber a vacina. Mas, para chegar em terras russas, o país faz restrições a alguns viajantes.

Hoje, os principais locais com fronteiras abertas para a Rússia são Reino Unido, Peru, Suíça, Egito, Cuba, Japão e Alemanha. Com isso, é preciso fazer a quarentena nesses locais antes de desembarcar de vez no país.

As histórias de quem conseguiu se vacinar

Rebecca Ramos, de 25 anos e em Direito, desembarcou nos Estados Unidos no dia 13 de março e, pouco depois, nos dias 29 de março e 19 de abril, tomou a 1ª e 2ª dose da vacina, respectivamente.

“Sou americana, nascida nos EUA. Tenho família aqui, meu pai mora aqui e tenho o hábito de vir visitá-lo anualmente. Eu vim pra cá por causa do meu irmão que estava passando por uns problemas de saúde e, como meu trabalho é remoto, resolvi vir”, relembra Rebecca. A cidade em que o pai mora, Livingston, em New Jersey, na época, já estava com a vacinação super avançada e oferecia uma variedade de vacinas. “Você poderia escolher a vacina que quisesse. Estava disponível a da Johnson e Johnson que é só uma dose, a vacina da Moderna e da Pfizer, que são duas doses”.

Rebecca Ramos tomou a vacina da Pfizer nos dias 29 de março e 19 de abril/Foto: Arquivo Pessoal Rebecca Ramos

Rebecca relata ainda que, inicialmente, tomar a vacina não era prioridade na viagem realizada, mas que, durante o tempo em que estava lá, a situação no Brasil estava muito crítica. Belo Horizonte seguia na Onda Roxa, fase máxima de restrição e altos níveis de contaminação. “Eu fiquei super preocupada e todo mundo dizia que não existia vagas nem no SUS, nem na rede particular. Como a situação estava assim, e já que sou cidadã americana e aqui está avançado, procurei saber se seria possível eu me vacinar”. Bastou apenas entrar no site de uma rede de farmácias americana e marcar. “Consegui marcar com maior facilidade, fui e vacinei. Simples assim. Tomei a vacina da Pfizer” finaliza.

Já Gleiza Lopes, comissária brasileira que está de licença não remunerada, conta que ela e o marido aproveitaram o período e voaram com o objetivo de desembarcar em Nova York e se vacinar. A primeira parada foi no México, onde fizeram a quarentena de 15 dias e, em seguida, foram para Nova York. “Uma semana antes da viagem, agendamos pela internet a vacina e nós escolhemos a Pfizer”, conta.

Gleiza Lopes e o marido relatam alívio e segurança ao se vacinarem nos EUA/Foto: Arquivo Pessoal Gleiza Lopes

A brasileira conta que tem muito medo da covid-19 e que isso acarretou diversas crises de pânico e medo de trabalhar. “Decidi tirar a licença mais para eu poder ficar trancada dentro de casa. Foi quando uma amiga foi para o EUA e sugeriu que eu fosse também”.

Sobre a vacinação, Gleiza conta que foi supertranquilo, não houve reação nem dor, e narra uma situação inusitada que vivenciou: “Na primeira vez que tomei, a enfermeira me agradeceu umas 10 vezes por ter ido e pediu para levar mais pessoas. O pessoal está implorando para a população tomar vacina, porque muita gente não quer tomar”.

Ainda segundo ela, em Nova York existem diversos postos de vacinas em todos os lugares: farmácias, estações de trem, praças, na Time Square etc. “Inclusive, a maioria dá uns presentinhos. Na farmácia, estavam dando plantinhas e flores”, lembra.

Vários locais públicos de Nova York disponibilizam vacinação/Foto: Arquivo Pessoal Rebecca Ramos

Oportunidade para o setor

As agências de turismo e os portais de viagens viram uma oportunidade nessa brecha e já oferecem o turismo vacinal como a estrela do seu catálogo de pacotes. “Hora marcada para vacinação, passagem aérea de ida e volta, alojamento, aluguel de carro, seguro viagem e assessoramento” por menos de 1.000 dólares (5.222 reais), saindo da Cidade da Guatemala. Por um valor equivalente, companhias mexicanas também oferecem o pacote “vacine-se no Texas”, incluindo um voo Aguascalientes-Dallas-Aguascalientes, três noites de hospedagem em um hotel Hampton (com café da manhã incluído) e traslados do aeroporto para o hotel.

Daniel Toledo, advogado que atua há 18 anos com direito internacional, imigração e internacionalização de pessoas e empresas, lembra que o Turismo de Vacina já vinha sendo falado há muito tempo por muitos países. “O principal interesse é a reativação econômica. Quando você permite que turistas, não só de outros países, mas também de outras cidades, cheguem a um determinado local, ele acaba deixando ali uma série de outros recursos”.

O advogado Daniel Toledo atua há 18 anos com direito internacional/Foto: Arquivo Pessoal Daniel Toledo

O profissional exemplifica a situação da Rússia, país que, segundo ele, foi a pioneira na ideia de reaquecer o setor de turismo por meio da vacina e já possuía uma grande quantidade de vacinas para ofertar. “Obviamente, eles sabiam que as pessoas iriam levar dinheiro para lá [Rússia]. Quando se fala em vacina de 2 doses, você fala de um lapso de tempo de 30 dias entre uma e outra. Isso acaba ativando significativamente a economia local”.

Mas o especialista deixa um alerta sobre a questão legal: “As pessoas que querem fazer isso devem tomar cuidado e entender se aquele país em específico está realmente permitindo a vacinação de estrangeiros”.