Melissa Rocha – Jornalista – RJ
Editora-chefe: Letícia Fagundes

Esquema de compra de apoio de congressistas é uma prática antiga, e já foi usada por FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, Jair Bolsonaro

A compra de apoio por parte de líderes existe desde os tempos da monarquia, quando reis distribuíam títulos de nobreza, cargos e ordens honoríficas para expandir e fidelizar suas bases. Dessa forma, os agraciados, ou seja, os “amigos do rei”, tinham acesso a posições e um poder econômico que era inacessível à base da sociedade. Tudo em troca de apoio incondicional ao monarca e às suas propostas.

No Brasil contemporâneo, essa prática se mantém, e volta e meia ressurge nos noticiários. O mais recente exemplo é o tratoraço de Jair Bolsonaro, denunciado pelo Estadão. Documentos obtidos mostram que, para galvanizar e consolidar apoio no Congresso, o Executivo liberou R$ 3 bilhões em emendas parlamentares. A verba liberada em forma de emendas é usada como moeda de troca do Executivo para comprar apoio de congressistas, que, por sua vez, utilizam o dinheiro para fidelizar o apoio em seus redutos eleitorais. Grande parte da verba liberada pela gestão Bolsonaro foi destinada à compra de equipamentos agrícolas e tratores superfaturados em até 259%. O objetivo era agradar o Centrão e a bancada ruralista – cujo apoio é crucial para o governo, especialmente num momento em que Bolsonaro se vê acuado diante da CPI da Covid.

Como dito no início, a compra de apoio não é uma novidade e já foi utilizada por vários governos. Há bons exemplos disso nas últimas três décadas. Em 1997, quando estava a um ano de encerrar seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso comprou apoio de deputados para aprovar a emenda constitucional nº16, que instituía a reeleição. Ele se reelegeu no ano seguinte, mas o escândalo veio à tona diante da confissão de alguns deputados e de uma subsequente investigação, que revelou que a gestão FHC pagou a cada deputado, pelo voto favorável à proposta, R$ 200 mil, que hoje seriam o equivalente a cerca de R$ 700 mil.

Em 2005, o escândalo do mensalão quase derrubou o governo do então presidente Lula. Naquele ano, foi revelado um esquema de pagamento de mesada a deputados de 10 legendas diferentes, para que votassem a favor das propostas do governo federal. O valor pago a cada deputado era de R$ 30 mil mensais, hoje o equivalente a R$ 35 mil.

Foto: Adalberto Marques/Ministério do Desenvolvimento Regional

Dez anos depois, em 2015, a então presidente Dilma Rousseff pagou caro por se opor à prática da compra de apoio. Naquele ano, parlamentares pressionaram Dilma pela liberação de emendas, que foram contingenciadas em 2014, por conta da crise econômica. A pressão contou com traições da base aliada em votações de propostas apresentadas pelo governo. A ideia era não dar paz a Dilma até que a verba fosse liberada. Isso porque partidos que buscavam reeleger seus respectivos prefeitos em 2016 precisavam da verba das emendas para bancar obras eleitoreiras no ano anterior ao pleito, ou seja, em 2015. Para acalmar a base aliada, Dilma cedeu, e liberou R$ 4,9 bilhões em emendas. Vale destacar que a recusa de Dilma a aderir à essa prática era uma queixa constante de congressistas, e um dos fatores que erodiu a base de apoio da presidente, culminando em sua derrocada.

Já em 2017, o então presidente Michel Temer não titubeou em comprar apoio para se livrar de duas denúncias: uma por corrupção passiva, por receber propina da JBS; outra por integrar o chamado “quadrilhão do PMDB”. Ambas precisavam do aval da Câmara para serem enviadas ao STF. Foram duas votações, uma em agosto, outra em outubro. Temer conseguiu apoio para barrar as duas denúncias. No total, ele liberou R$ 6,6 bilhões em emendas para garantir o voto de deputados contra o seguimento das denúncias. Isso num momento em que o país se via às voltas com o maior déficit orçamentário de sua história, com um rombo em torno de R$ 159 bilhões no orçamento.

Voltando ao caso da gestão Bolsonaro, dois fatores agravaram a atual denúncia de compra de apoio: primeiro, porque uma das promessas de campanha do mandatário era justamente romper com esquemas antigos da “velha política”. Mas, na prática, ele seguiu a mesma cartilha. Segundo, porque a verba foi liberada num momento em que a pandemia assola o país, e a alta no desemprego gera a necessidade de ampliar o auxílio emergencial – cujo valor mensal a ser pago neste ano foi reduzido de R$ 600 para, no máximo, R$ 375, a depender da formação da família.

Para ter uma ideia, com os R$ 3 bilhões liberados em emendas para garantir apoio no Congresso, seria possível pagar R$ 5 milhões em auxílio emergencial, no valor de R$ 600, ou comprar 68 milhões de doses da vacina da Pfizer. O valor também seria mais do que suficiente para garantir a realização do Censo, que foi cancelado neste ano por falta de verba. Mas, infelizmente, nenhuma dessas foi a prioridade do Planalto, porque, como dito no início, a base da sociedade não é composta por amigos do rei.