Anúncio da iniciativa por parte de empresas foi acompanhado de muita polêmica, acusações de racismo e críticas de que seria uma ação inconstitucional

Comentarista Melissa Rocha- RJ
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A notícia de que a Magazine Luiza vai incluir apenas pessoas negras em seu programa de trainee de 2021 abriu um fervoroso debate nesta semana sobre ações afirmativas, racismo e medidas de inclusão em empresas.

Para abordar o tema cabe desmistificar alguns pontos. Primeiro, é preciso esclarecer que a iniciativa não foi uma ação pioneira da Magazine Luiza. Na verdade, muitas empresas já planejavam direcionar a pessoas negras e, também, a mulheres seus programas de treinamento de recém-formados – que tradicionalmente são abertos nesta época do ano.

Prova disso é que simultaneamente ao anúncio da Magazine Luiza foram abertos outros programas, também focados em inclusão e diversidade, por empresas como Gerdau, Bayer, Banco BV e P&G. Antes disso, em julho deste ano, a Ambev também abriu um programa de estágio com 80 vagas exclusivas para estudantes negros. Ou seja, a Magazine Luiza não liderou a iniciativa; foi apenas mais rápida no gatilho na campanha de marketing.

Outro mito a ser derrubado é o discurso que classifica essas empresas como ícones da inclusão. Não são. Na realidade, elas estão apenas respondendo à cobrança de consumidores cada vez mais conscientes e de movimentos negros que lutam pela igualdade de oportunidade. Cientes de que no mundo dos negócios, assim como na seleção natural, sobrevive quem melhor se adapta, as empresas respondem à sociedade para preservar seus lucros.

Isso não significa que a iniciativa não seja louvável e providencial. O ponto aqui é destacar que elas são uma conquista, não das empresas, mas dos consumidores e da sociedade em geral. Além disso, é preciso não se deixar deslumbrar pelo discurso e cobrar, futuramente, os resultados obtidos com as ações anunciadas, para saber se de fato elas fomentaram a diversidade nos cargos de liderança.

Por último, é necessário desmistificar o que talvez tenha sido o cerne do debate em torno do assunto. Criar um programa de trainee que contempla apenas negros é constitucional? Seria uma iniciativa racista? A resposta: sim e não. Sim, a criação do programa é constitucional. Muitos dos que apontaram a iniciativa como inconstitucional embasaram seus argumentos no artigo 5º da Constituição – que determina que todos são iguais perante a lei – e no inciso XXX do artigo 7º – que proíbe a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

Porém, a iniciativa está em consonância com o Estatuto da Igualdade Racial, que determina a criação de medidas, programas e ações afirmativas para corrigir as desigualdades raciais e promover a igualdade de oportunidades. Nesse contexto, os programas de trainees anunciados se enquadram como ações afirmativas. O Estatuto da Igualdade Racial é uma das ferramentas criadas justamente para se fazer cumprir o que determina a Constituição. Assim como mecanismos em defesa da mulher, como a Lei Maria da Penha, que visa assegurar, no âmbito da segurança, a igualdade entre homens e mulheres, prevista na Constituição.

Ninguém está negando que também há brancos fora de cargos de liderança. O que está em debate é o fato de que a maioria dos cargos de liderança é composta por brancos, algo reconhecido pelas próprias empresas. Já a acusação de racismo na iniciativa somente seria válida se o Brasil já tivesse alcançado a igualdade de oportunidades entre raças, o que obviamente ainda não ocorreu. Para críticos da iniciativa, talvez fosse mais razoável discutir a possibilidade de criar cotas em futuros programas de trainees. Assim, todos poderiam participar.

De qualquer forma, o fato de que grandes empresas estão reconhecendo a necessidade de diversificar seus cargos de liderança é uma prova de que estamos avançando.