Por Giulia Ghigonetto-São Paulo
giulia.ghigonetto@mulheresjornalistas.com

Ultimamente se tem usado a televisão mais do que nunca. Com a pandemia se alastrando, a quarentena ainda em vigor e a tendência crescente das lives, a tela da TV (e dos dispositivos móveis) tem se tornado a janela para um momento de descarrego. 

Mesmo com tantos meios culturais disponíveis para serem explorados, de acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2019, a grande maioria dos municípios do Brasil não tem cinemas, museus ou teatros. O grande bem cultural do país continua sendo a televisão, presente em praticamente todos os lares, sem distinção de raça, gênero e classe social, sendo ele, o aparelho mais “democrático” do país.

Em tempos de incertezas e adaptações, a TV brasileira completou 70 anos em 18 de setembro. Nessa data, em 1950, aconteceu a primeira transmissão de televisão na história do país, com a emissora TV Tupi, inaugurada pelo jornalista e advogado paraibano Assis Chateaubriand, o Chatô. No dia de seu lançamento, o canal exibiu o programa TV na Taba, em que a abertura contou com a ilustração de um indígena e com a fala “Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil.”

Em um trecho do livro “Chatô: O Rei do Brasil”, de Fernando Morais, o autor conta que um mês antes da inauguração da Tupi, um engenheiro norte-americano, diretor da NBC-TV, veio para supervisionar as primeiras semanas de funcionamento do canal. Ele quis saber quantos aparelhos de TV já haviam sido vendidos aos paulistas, e a resposta era: nenhum! Na época, o televisor era uma novidade e uma luxúria que poucos poderiam arcar, então Chateaubriand acabou contrabandeando 200 aparelhos e o resto é história.

E as novelas? 

A teledramaturgia, hoje um marco na cultura brasileira, teve seu início com a novela “Sua Vida me Pertence”, em 1951. Ela era exibida duas vezes por semana, às 20h, e era exibida ao vivo. Décadas depois, a faixa de horário é considerada nobre, disputadíssima entre anunciantes e é até mesmo usada como referência de tempo. Quem nunca ouviu “Tem que ser antes da novela” ou “Só depois que a novela acabar”?

Segundo Julio Cesar Fernandes, a telenovela, o principal gênero da TV brasileira, não é apenas capaz alcançar um dos maiores índices de audiência, como também “reflete momentos da história, dita moda e presta serviços sociais, além de entreter.”

As narrativas geralmente seguem um padrão comum, com conflitos amorosos e familiares em seu núcleo principal, e um secundário dedicado a comédia. Tornou-se clichê as traições, reviravoltas previsíveis e a história de um herói contra um vilão. 

Com o tempo, elas abriram espaço para problematizar questões essenciais do nosso cotidiano como dependência química, relacionamentos abusivos, saúde mental, homossexualidade, questões políticas, entre outras. “Isso pode ser considerado merchandising social ou simplesmente ações socioeducativas”, expõe o jornalista Luís Viviani em uma matéria. 

No mesmo artigo, a antropóloga Heloisa Buarque de Almeida diz que esses problemas devem estar presentes frequentemente, pois senão há o esquecimento deles por parte das pessoas. “A questão da presença (modesta e discreta ainda) dos casais gays, ou de personagens homossexuais tratados de modo não caricato, por exemplo, coloca o tema em pauta, dá alguma visibilidade e até certa respeitabilidade. Mas isso só funciona se continuar a ter sempre casais homossexuais. Se aparece numa novela e não voltar, não muda nada na sociedade”.

Produto de consumo

Com o crescimento da televisão como maior meio de comunicação ao longo do século XX, as teleproduções brasileiras ganharam status de forte produto econômico. Assim, o país passou a ser conhecido pela produção de novelas para o exterior, sendo um dos maiores exportadores desse produto audiovisual no mundo, disputando em números apenas com a produção mexicana.   

“Avenida Brasil” (2012), de João Emanuel Carneiro, é a telenovela de maior sucesso no exterior, passando em 132 países, com dublagem em mais de 14 línguas. Em segundo lugar está “Caminho das Índias” (2009), da autora Gloria Perez, que esteve em 118 países.

Com isso, os investimentos na área foram aumentando de acordo com a crescente audiência. O impacto que as novelas causam é tão grande que, segundo Almeida, “há uma vasta bibliografia mostrando a correlação entre TV e formação de uma sociedade de consumo no país.”

Desse modo, com o brand placement dentro da novela (forma de inserir mensagens publicitárias de forma sútil no conteúdo de programas), ela promove modas e produtos, uma vez que o público vê as novelas como referência de padrões de consumo, beleza e comportamento.