Por Marta Dueñas, Jornalista 
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Além da volta às aulas, o Brasil precisa que a Educação volte a ser importante para o MEC e o Governo

Em pronunciamento em rede nacional, o ministro da Educação Milton Ribeiro disse que o retorno presencial às aulas é uma necessidade urgente e que o país não pode mais ficar com as escolas fechadas. Até aí ele acertou, mas apenas aí. O que o país não pode mais admitir é a falta de uma política nacional de educação, enquanto coleciona os piores índices de investimento da década na pasta, independentemente de pandemia.

No momento em que os estados discutem a volta às aulas considerando a continuidade do calendário de vacinação e a estabilização dos óbitos por covid-19 em mais da metade do país, o Governo Federal, que falhou imensamente numa política nacional de enfrentamento à pandemia no âmbito sanitário, econômico e social, e falhou, também, no suporte ao ensino público neste período, resolve tomar para si a bandeira da volta às aulas. Oportunismo ou sadismo?

Parece inegável que crianças e jovens precisam voltar às aulas nas escolas e universidades. O fechamento das entidades de ensino vem promovendo uma crise sem precedentes em nosso país. Os problemas vão muito além dos desafios econômicos que a rede de ensino precisará vencer. O país terá que criar soluções e medidas para enfrentar o aumento da desigualdade entre estudantes da rede pública e privada, o abandono escolar, a fragilização da escola perante a comunidade. O alerta para o tema da saúde mental de alunos e educadores, prejuízos sociais, culturais e de saúde é da UNICEF e do Banco Mundial. Uma série de fatores, porém, precisa ser analisada diante do gravíssimo quadro no setor da educação e no hasteamento, ainda que tardio, da bandeira da volta às aulas num país que não tem um plano de sucesso no contingenciamento da pandemia.

Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, INEP, no Brasil, as escolas públicas e privadas ficaram, em média, 279 dias fechadas em 2020, e 99,3% delas suspenderam aulas presenciais. Número de dias bastante superior se comparado ao dos vizinhos Argentina e Chile, que tiveram 199 dias de suspensão das aulas. Sem contexto, os dados são alarmantes, mas o pior ainda está por vir. Não só de escolas fechadas a crise está sendo construída, o desmonte do ensino, principalmente o público, é uma agenda presente ainda antes da pandemia.

Entre 9% e 12% das crianças apresentaram algum sintoma clínico de ansiedade ou depressão. Já entre os professores, 72% relatam estar afetados em sua saúde mental. Estima-se o fechamento de 36 mil vagas de educadores e um terço das matrículas escolares foram canceladas. Estes são dados da Federação Nacional das Escolas Particulares. Já na esfera pública, 50% das entidades de ensino precisaram mudar seu planejamento educacional. Poucos tiveram acesso ao ensino a distância devido à falta de recursos e qualificação de educadores e alunos. E há ainda a realidade de que muitos estudantes do ensino privado irão migrar para o público em função da crise, sem haver qualquer planejamento para preparar as escolas para tal.

Enquanto o plano de vacinação nacional patinava devido à falta de uma política centralizada e eficiente que deveria ter sido promovida pelo Ministério da Saúde, o Brasil continuava despontando, até o primeiro trimestre de 2021, como um dos piores países no enfrentamento à pandemia. Como voltar à sala de aula em meio a este cenário?

O contraponto poderia ter sido articulado pelo setor da educação, porém, em 2020, ano do início da pandemia, os investimentos do Ministério da Educação com educação básica, por exemplo, foram os menores da década. Nenhum programa de estratégia para ensino a distância foi criado. Nenhum recurso foi mobilizado para compra de equipamentos para incluir digitalmente educadores, alunos e comunidades. Não houve, sequer, algum incentivo a telecursos ou podcast que poderiam ter sido promovidos junto às emissoras públicas de rádio e tevê. A tal inovação ou gestão com foco em meritocracia, que faz parte da atmosfera que elegeu o atual governo federal, não deu as caras justamente quando mais foi necessário.

Somente em 2020, segundo o fundo da ONU para a infância, 5,5 milhões de crianças e adolescentes entre 7 e 16 anos não tiveram acesso à educação no Brasil e 4 milhões não tiveram acesso à EAD ou presencial. Muitas dessas crianças ainda faziam as únicas refeições na escola. O descaso com a educação pública de qualidade é a pior pandemia que o Brasil tem enfrentado nos últimos dois anos. E a cereja do bolo foi em março deste ano, quando o presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o Projeto de Lei nº 3.477/20, que prevê o acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e professores da rede pública de educação. A matéria do projeto definia que o governo federal destinasse recursos aos estados e municípios a serem aplicados em ações que visam garantir internet gratuita para poder desenvolver o ensino remoto durante a pandemia.

É preciso voltar ao ensino presencial. Mas antes é necessário que o Governo Federal priorize a educação pública de qualidade. É preciso abrir escolas e salas de aula, mas também é preciso investir em acesso digital, atualização de educadores e na estrutura de escolas. Porque o ensino não se fecha nos muros das escolas, ele deveria transbordar em direção às famílias, comunidades e demais membros que são pilares de formação de nossas crianças e adolescentes. É preciso voltar às aulas, mas antes os professores precisam ser valorizados novamente e não perseguidos por bastiões da moral que deturpam os conceitos de educação sexual e política tão pertinentes nos ambientes de ensino.

A volta às aulas presenciais é uma urgência, mas não dá conta de responder a outros temas como o apagão cultural, a evasão do ensino público e a desigualdade de aprendizagem entre estudantes mais ricos e mais pobres, que pode alcançar quase 3 anos letivos entre um e outro. É nestes espaços que entra o Governo. Um governo com políticas públicas inclusivas não permite a formação de abismos tão díspares. A inclusão de todos na escola é um direito independente da pandemia.