Conheça as histórias de Ana Belucio e Flávia Maoli, duas mulheres que enfrentaram o câncer e hoje usam sua experiência para ajudar pacientes a superar a doença 

Por Melissa Rocha- RJ
melissa.rocha@mulheresjornalistas.com

Há momentos na vida em que tudo parece se encaixar. Como se uma força acionada no universo colocasse todas as peças da vida em seu devido lugar. Para a jornalista Ana Belucio, esse grande clique ocorreu logo após completar 40 anos.  

Ana tinha três metas para sua vida: decolar em sua carreira de jornalista; encontrar e viver um grande amor; e ter um filho. O sucesso profissional foi primeira meta foi a ser alcançada. Por meio de muito trabalho, Ana construiu uma carreira sólida e vivia um ótimo momento profissional quando chegou à faixa etária dos 40 anos de idade. Foi então que, em uma viagem a Fortaleza para visitar a irmã, ela conheceu um nutricionista alemão que passava férias no Brasil. Divorciada há sete anos, ela se impressionou com o quanto tinha em comum com o novo pretendente. Assim como ela, ele gostava de atividades físicas e de manter uma dieta saudável. “Foi amor à primeira vista”, conta ela, em entrevista ao Mulheres Jornalistas. 

Eles decidiram se mudar para a Áustria, onde se casaram e iniciaram uma viagem pela Europa, passando por 22 países. O casal concordou esperar dois anos para fazer uma inseminação artificial, já que, por ter as trompas obstruídas, Ana não pode engravidar sem auxílio do procedimento. O caminho para a terceira e última meta – ter um filho – estava preparado. “Às vezes pensava estar sonhando por estar tão feliz aos meus 42 anos”, conta Ana. 

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Ana Belucio relata sua história em seu canal no YouTube

Porém, em uma dessas reviravoltas inesperadas da vida, Ana recebeu uma notícia que fez desabar seu mundo cor-de-rosa – como ela gosta de chamar. Após uma consulta médica para checar um nódulo que surgiu no seio esquerdo, ela recebeu o diagnóstico: câncer de mama de grau três. Após digerir a notícia – o que não foi um processo simples -, ela percebeu que tinha duas opções: enfrentar a doença ou se resignar. Optou pela primeira. Religiosa, Ana conta que acionou sua fé e se preparou para enfrentar a quimioterapia. Nesse momento, ela destaca que o apoio e a forma como a família lidou com a situação foi fundamental. 

“A família do meu marido foi de uma importância grandiosa. Ninguém vinha chorar em cima de mim, todos me faziam rir, brincavam com minhas perucas, faziam o pesadelo parecer algo simples. Sem perceber, eles fortaleceram a minha fé. Acredito que visitas de pessoas muito sentimentalistas, sem estrutura emocional para lidar com o choque físico que o tratamento faz na paciente, que choram e demonstram pena ou desespero, não ajudam. Pelo contrário, mexe com o emocional e deixa o paciente inseguro. Acho que a família deve se informar sobre como tudo funciona, para agir com naturalidade, fazendo o paciente entender que tudo isso é passageiro, e tirar o foco da doença, conversar sobre assuntos fora do tema ‘câncer’”, conta Ana.

Após meses de perseverança, ela superou a doença e conta que a experiência a fez ter uma nova visão sobre a vida. “Quando você se vê diante da morte e te falta o ar para respirar, forças para andar, tem dificuldade em realizar movimentos simples, feitos inconscientemente, que nunca se percebe quando está tudo bem, entendemos o quão importante é ter saúde, estar viva com seu corpo funcionando. Viver é maravilhoso. Aprendi a dar valor a pequenas coisas, gestos de carinho, o sol, o ar, o sorriso e a não perder tempo com coisas que não fazem bem. Em meu relacionamento, esse momento serviu para nos atentarmos que o amor e o respeito, em junção com a fé, têm grande impacto na vida.

Após ser declarada livre da doença, Ana decidiu compartilhar sua história para conscientizar sobre a importância da prevenção contra o câncer de mama e para oferecer uma mensagem de esperança para mulheres que enfrentam a doença. Para isso, ela criou um canal no YouTube, onde relata sua história. Ela conta que não se importa em ter poucos seguidores, pois o importante é conseguir ajudar alguém e “plantar uma sementinha de esperança”. “Criei o canal porque gostaria muito de alimentar a fé, a esperança no coração das pessoas que enfrentam esse problema e fazê-las entender que o câncer pode ser superado. Quando se entende o tratamento e os efeitos colaterais, se desconstrói o ‘bicho papão’. A coisa fica mais simples”, explica Ana.   

Projeto Camaleão

Ajudar pessoas foi também o que motivou Flávia Maoli a fundar o Projeto Camaleão, organização que presta apoio a pacientes de todos os tipos de câncer. Em 2011, quando tinha apenas 23 anos, Flávia foi diagnosticada com linfoma de Hodgkin. Em entrevista ao MJ, ela conta que se sentiu muito sozinha. “Não conhecia outras pessoas enfrentando a doença, ainda mais jovens”, explica Flávia.

Flávia passou por tratamento, mas, em 2013, recebeu a notícia da recidiva do câncer. Foi então que ela resolveu criar o blog Além do Cabelo, para compartilhar sua história e dicas de autoestima. “O sucesso foi tanto que acabei conhecendo muitas pessoas em tratamento e fazendo amigos pela internet. O Bruno Kautz e o Leon Golendziner leram o blog e resolveram se voluntariar para me ajudar. Eles não eram pacientes, mas queriam fazer algo bacana por quem enfrenta o câncer. Então, nós montamos o primeiro encontro de pacientes, que foi um sucesso, e nunca mais paramos. Aos poucos fomos recebendo o feedback das pessoas que participavam dos encontros (chamados ‘Feira de Autoestima’) e vimos que poderíamos fazer ainda mais. Decidimos nos tornar uma ONG em 2016, e de lá para cá a procura por parte dos pacientes só vem crescendo”, conta Flávia.

Foi assim que nasceu o Projeto Camaleão, uma ONG com sede em Porto Alegre que promove encontros e atividades para pacientes com câncer, como aulas de pintura e meditação. O Projeto tem como foco dois objetivos: fortalecer a autoestima de quem enfrenta a doença e estimular o convívio e compartilhamento de experiências para combater o isolamento emocional e social dos pacientes. 

Flávia conta que uma autoestima fortalecida tem um papel crucial no enfrentamento do câncer. “A autoestima vai muito além das questões da aparência física. Ela está ligada ao valor que damos a nós mesmos e às nossas vidas. Trabalhamos a autoestima dos pacientes quando eles chegam à instituição e percebem que não estão sozinhos, que podem contar conosco e que eles continuam sendo eles mesmos, apesar do tratamento e das dificuldades vindas com o diagnóstico. A autoestima é fundamental para que o ‘paciente’ consiga resgatar em si o ‘indivíduo’ que essa pessoa é e merece ser e, assim, poder seguir sua vida com ou sem câncer”, explica Flávia. 

As atividades em grupo têm como objetivo mostrar aos pacientes que eles não estão sozinhos. Flávia explica que a troca de experiências ajuda o paciente a entender e expressar suas emoções. “O convívio em grupo é muito benéfico para pacientes e cuidadores. Muitas vezes, ainda não sabemos como expressar algo que estamos sentindo, e no grupo há a oportunidade de se enxergar através do outro. Nós incentivamos nossos participantes a estarem nas atividades de grupo, inclusive com pessoas com outros tipos de câncer, para que eles se inspirem mutuamente através da diversidade”, conta Flávia.

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Flávia, Bruno e Leon uniram forças para ajudar pacientes com câncer

O Projeto se mantém por meio de doações de pessoas físicas e de empresas parceiras e da renda arrecadada pelo brechó beneficente. Flávia explica que, por causa da pandemia, o Projeto teve de se readaptar. “De março a setembro, a Casa Camaleão permaneceu fechada e migramos nossos atendimentos apenas para o formato online. O que no começo foi um desafio, hoje enxergamos como oportunidade. Online podemos atender pacientes de qualquer lugar do país, sem sair de casa. O brechó também virou virtual, agora as vendas são feitas através do Instagram do @brecho_dacasa e a retirada das peças é feita na sede do Camaleão, às terças-feiras. Em outubro, nós retomamos o atendimento presencial, com hora marcada, dois dias da semana. Assim, conseguimos reabrir nosso banco de perucas e acessórios, mas oferecendo segurança para os pacientes”, conta Flávia. 

Histórias como a de Ana Belucio e Flávia Maoli inspiram pacientes a manter a esperança e enfrentar a doença com otimismo. O enfrentamento do câncer é um processo que requer uma forte rede apoio e acolhimento. Todos podem contribuir de alguma forma. Para colaborar com o Projeto Camaleão, por exemplo, basta se cadastrar no site da ONG para se tornar um doador ou seguir o brechó do Projeto no Instagram para adquirir suas peças. 

Há também outras instituições que auxiliam pacientes com câncer, como o Hospital de Amor, uma instituição filantrópica que recolhe doações de voluntários. Com sede em Barretos, ele tem unidades em vários estados e se dedica a levar tratamento de qualidade a pessoas de baixa renda. O hospital conta com três unidades de tratamento, localizadas em Barretos, Jales e Porto Velho, além de unidades de prevenção em vários estados do país. 

No Rio de Janeiro, a Fundação Laço Rosa trabalha para orientar pacientes com câncer de mama sobre seus direitos, divulgar informações sobre a doença e conscientizar sobre a importância de exames de prevenção. A ONG também mantém um banco de perucas para a pacientes com câncer, confeccionadas com cabelos doados. Para doar cabelo, basta se cadastrar no site da fundação.