Os pequenos negócios na era da precificação do carbono
Por: Laura Cruz, jornalista
E-mail: laura.cruz@mulheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes
Especialistas debatem o impacto político nos pequenos e médios negócios e o potencial deles no mercado emergente de créditos de carbono
A precificação do carbono é uma das políticas estabelecidas no Acordo de Paris, em 2015. A medida, que segue o princípio do poluidor-pagador, prevê punições financeiras para empresas que excedem o limite de emissões de gás carbônico, incentivando a diminuição de tais emissões.
De acordo com um relatório realizado pela Empresa de Pesquisa Energética em 2020, havia 92 exemplos internacionais de implementação da precificação de carbono, que servem como parâmetros do que se esperar dos efeitos da política no Brasil, na qual ela ainda não foi regulamentada.
No congresso brasileiro, há atualmente ao menos três projetos de lei que prevêm a precificação das emissões de carbono. O projeto original, o PL 2148/2015, teve como autor Jaime Martins do PSD. Outros projetos de lei complementares, como o PL 528/21, que estabelece o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), também seguem em tramitação no congresso.
No entanto, pouco ainda se sabe como a precificação do carbono irá afetar os pequenos e médios negócios, e quais benefícios ela pode trazer para esse setor que movimenta mais de um quarto economia brasileira.
Os pequenos negócios e a economia sustentável
A importância dos pequenos negócios na economia brasileira é ilustrada por dados do Sebrae. De acordo com o orgão, as micro e pequena empresas representavam 30% dos PIB bruto brasileiro em 2020. A grande maioria – 23% dos 30% – atuava nos setores de Comércio e Serviço. Ainda segundo o Sebrae, em 2021, as micro e pequenas empresas geraram 71% dos novos posts de trabalho no país. Segundo os dados do Caged, essas empresas abriram 1,2 milhão de postos a mais que as médias e grande empresas até setembro de 2021.
Ercílio Santionini, presidente da CONAMPE, afirma que, além da importância econômica, os pequenos negócios são essenciais para o equilíbrio social do país. Segundo ele, as pequenas empresas prestam serviços e abastecimento de grande importância, estando presentes na vida diária da maioria dos brasileiros e brasileiras. “Elas participam, assim, do dia a dia do país e da população, de forma intensa e importante” relata Ercílio.
Além da economia como um todo, os pequenos e médios negócios têm um papel integral no desenvolvimento de uma economia que preza pelo meio ambiente sustentável. O próprio Sebrae já destacou que o comércio local gera menos poluição com transporte, sendo assim mais benéfico ao meio ambiente. Da mesma forma, a produção em menor escala, possibilitada por pequenos e médios negócios, tem menor impacto no meio ambiente.
O presidente da CONAMPE ainda destaca a agilidade dos pequenos e médios negócios. A flexibilidade e capacidade de adaptação às mudanças do mercado podem ser vantagens imensas em um período de transformação para uma economia sustentável.
O impacto da precificação do carbono nos pequenos negócios
Ercílio explica que não há ainda um consenso quanto aos impactos sobre os efeitos da precificação sobre as MPEs e grandes empresas. No entanto, segundo ele, as vantagens das MPEs permitem a elas se tornarem mais competitivas com a flexibilidade e velocidade implementada, tendo como diferencial a simplicidade tributária, a facilidade para participar de licitações, menos procedimentos burocráticos e facilidade de crédito.
“Como se trata de uma preocupação global, muitos tratados e leis ainda deverão ser discutidos a fim de contribuir com regras claras do impacto da precificação sobre cidadãos e empresas,” afirma Ercílio.
Ele ainda ressalta que não se deve temer os efeitos da política. “Não devemos tratar como malefícios a precificação do carbono, mas sim criar uma conscientização dos empreendedores das micro e pequenas empresas em prol de um planeta sustentável para as novas gerações, conforme apregoado pela teoria do Desenvolvimento Sustentável. A partir desta conscientização, já se observam os benefícios,” enfatiza Ercílio.
De forma similar, Fernanda Castilho explica que, independentemente do segmento ou tamanho da empresa, a demanda corporativa e da sociedade para compensação de emissões explodiu à medida que as consequências das mudanças climáticas afetam cada vez mais a vida real.
“Além disso, por pressão da sociedade – principalmente dos consumidores, mas também investidores –, em todo mundo, a lista de empresas com compromissos de se tornarem neutras em emissões líquidas de carbono nas próximas décadas cresce todos os dias,” explica ela. A empresária acrescenta que, com a regulação do mercado, até as empresas e setores que postergam suas agendas para redução de suas emissões serão obrigadas a fazê-lo.
“Desta forma, as empresas serão obrigadas a reavaliar suas estratégias de investimento, dando foco à atividades de baixo carbono, contribuindo para o alcance das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa,” conclui Fernanda.
Em relação à mitigação de impactos negativos que podem existir, Ercílio Santionini afirma que deve haver um tratamento diferenciado para a MPEs e favorecendo a compreensão das regras sobre o funcionamento de mecanismos de precificação de carbono, dos principais desafios envolvidos no desenho e implementação da política de precificação de carbono.
O relatório de 2020 realizado pela Empresa de Pesquisa Energética, que avaliou os impactos da política no setor energético em diversas exemplos internacionais, chegou a uma conclusão similar. Segundo o estudo, ao implementar a política, deve-se considerar aspectos como a distribuição justa dos custos e benefícios, o engajamento de stakeholders e a construção da aceitação pública. Além disso, a pesquisa aponta que a introdução gradual da precificação do carbono, assim como a definição de medidas para mitigar riscos distribucionais e vazamentos do gás, contribuem para o sucesso da implementação da política.
A pesquisa da EPE ainda alerta sobre a imprevisibilidade dos impactos sob a competitividade. Desse modo, é possível que os pequenos e médios negócios, que já possuem uma desvantagem competitiva, fiquem vulneráveis aos efeitos negativos da política.
Já Fernanda Castilho vê a questão como uma situação irreversível, à qual todas as empresas terão de se adaptar, devido à uma mudança drástica nos valores da sociedade. Por isso, para ela, os benefícios da implementação da política de precificação do carbono e o desenvolvimento desse mercado superam os potenciais riscos que eles podem trazer.
“A reputação da marca será beneficiada perante a sociedade, mostrando que a empresa está em rumo à nova economia preocupada com a redução de suas emissões, assim como também deve atrair novos investimentos, promovendo, no longo prazo, um maior crescimento da empresa,” explica Fernanda.
Em seu posicionamento empresarial ao Artigo 6 do Acordo de Paris – que diz respeito à precificação das emissões de carbono – o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) faz recomendações para a implementação da medida. Entre elas está o estabelecimento de regras claras e objetivas a fim de impedir a criação de custos de transação desnecessários à expansão da oferta de redução de emissões. Além disso, a instituição aconselha o desenvolvimento de uma estrutura contábil transparente e eficiente, que permita comprovar o alcance das metas de emissões.
A CEBDS ainda indica o incentivo ao mercado de créditos de carbono pela iniciativa privada, a fim de fomentar as vantagens competitivas possibilitadas pela medida e, desse modo, contribuir positivamente para a economia.
Da precificação do carbono, um mercado
O mercado do carbono, que comercializa créditos da emissão do gás, cresce em ritmo acelerado no país. Ainda sem regulação formal, o mercado movimentou mais de US$ 1 bilhão em transações em 2021. O novo setor econômico é baseado na medida de precificação do carbono, que tem como objetivo de reduzir as emissões do gás. Segundo projeções, o mercado tem o potencial de render em US$ 45 bilhões no Brasil, um dos maiores do mundo.
Sem o estabelecimento de um mercado regulado por determinações governamentais sobre emissões de carbono, a prática no Brasil se mantém de forma voluntária. Fernanda Castilho, COO da climatech MOSS.Earth, explica que, apesar da falta de obrigatoriedade no país, a preocupação crescente da sociedade em relação às mudanças climáticas tem influenciado a demanda corporativa para cumprir metas de descarbonização e gerado o crescimento deste mercado.
“Hoje, não basta produzir e vender por preços justos, é preciso que a empresa e sua produção exerçam o menor impacto possível sobre o meio ambiente ou, pelo menos, que seus efeitos sejam compensados,” descreve Fernanda.
Levando em conta essa perspectiva, ela fundou a climatech MOSS.Earth, que comercializa créditos de carbono. A empresa desenvolveu um token de crédito de carbono que está sendo comercializado em blockchain listado nas maiores exchanges do mundo, como Coinbase e Gemini.
Apesar de ter fundado a empresa no âmbito do mercado de carbono voluntário, Fernanda não vê a implementação da política governamental como algo que traga riscos para o negócio. “Acreditamos que ambos os mercados, voluntário e regulado, possam coexistir. A regulamentação do mercado é de extrema importância e necessária, de forma a criar uma obrigatoriedade para que as empresas reduzam suas emissões,” pontua a empresária. “Portanto, a regulamentação é vista com bons olhos para o mercado voluntário, já que ela tende a aumentar a demanda por créditos,” acrescenta.
Fernanda ainda destaca que, ao precificar o carbono, cria-se a necessidade das empresas direcionarem recursos para redução de suas emissões, o que, segundo ela, promove o investimento em novas tecnologias e inovação.