No circo que se tornou o Planalto, as palhaçadas de Bolsonaro deixaram de ser o maior problema. O problema é o público que ainda ri e aplaude enquanto a lona pega fogo

Melissa Rocha                                                  melissa.rocha@mulheresjornalistas.com

Uma cena que ficará gravada (ou manchada) na história do país. Indignado com a exposição dos faraônicos gastos com alimentação do Planalto, o presidente da República, Jair Bolsonaro, rechaçou as críticas em um evento fechado com artistas e ministros, afirmando que o governo gastou quase R$ 15 milhões na compra de leite condensado para “enfiar no rabo da imprensa”.  

O evento ocorreu em uma churrascaria, local onde a carne de gado bovino é a estrela principal. Simbólica coincidência, se levado em conta que o animal é popularmente usado para se referir ao núcleo duro de apoiadores do presidente. E é exatamente esse núcleo que será o tema desta coluna. O foco não será o presidente, pois sua verborragia de baixo nível já conhecíamos antes mesmo de sua chegada ao Planalto. O foco será em torno daqueles que, de bom grado, se colocam para o abate. No vídeo, a fala do presidente é recebida com gritos de “mito” e aplausos e foi exaltada por apoiadores nas redes sociais. E é aí que está o xis da questão. O problema não é o presidente; o problema é quem aplaude. 

O problema é quem aplaude um mandatário que acha justo o governo federal torrar R$ 1,8 bilhão em compras, permeadas de itens supérfluos, em pleno momento que a maioria esmagadora da população aperta o orçamento e economiza onde pode. O problema são aqueles que ainda compram suas mentiras usadas para rebater críticas e questionamentos. No atual episódio, por exemplo, Bolsonaro alegou que, em 2014, a ex-presidente Dilma gastou bem mais em leite condensado. Mas a verdade é que, naquele ano, os gastos com alimentação do Planalto somavam R$ 16 milhões – um milhão a mais do que o valor gasto pelo governo atual apenas com leite condensado.  

O problema é quem aplaude o fato de Bolsonaro inundar seu governo de militares em cargos civis. Talvez não estejam atentos ao fato de que conceder poder e verba a militares é uma das formas que autocratas encontram de se aferroar ao poder. Uma forma de comprar o apoio e a lealdade para se blindar de protestos populares contra seu governo – a mesma usada por Nicolás Maduro. Pode ser que aqueles que andam por aí de máscara camuflada no queixo pensem que isso os torna militares o bastante para estarem protegidos. Mas não são, e não estão. A verdade é que, enquanto muitos desses economizam, as Forças Armadas figuram em primeiro lugar na planilha de gastos com compras do governo. A justificativa dada foi a necessidade de manter a dieta balanceada de seu efetivo. Mas mesmo que isso esteja correto, não explica o gasto de R$ 2 milhões em vinhos. 

O problema é quem aplaude quando Bolsonaro ataca a imprensa por cumprir seu papel de apurar e divulgar. Quando atiça seus apoiadores a agredir fisicamente jornalistas. Isso em uma época que levantamentos feitos por organizações, como a Repórteres sem Fronteiras, alertam que o Brasil vem despencando no ranking mundial de liberdade de imprensa.

O problema é quem aplaude a trágica forma de Bolsonaro de gerir a pandemia, deliberadamente atacando a ciência, desacreditando a vacina e incentivando o uso de medicamentos sem eficácia. 

No circo que se tornou o Planalto, por incrível que pareça, as palhaçadas que Bolsonaro faz no picadeiro já não são o maior problema. O problema é o público que ainda ri enquanto a lona pega fogo. O problema é quem aplaude.