Por Letícia Cunha, jornalista
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O desafio que é o trabalho remoto para as mulheres que têm filhos: a jornada de trabalho-casa-filhos 

Em março de 2020, a vida dos brasileiros precisou mudar drasticamente quando a covid-19 ingressou no país. Álcool em gel, máscara, isolamento social. Mas, se a adaptação à nova realidade já parecia difícil, a sobrecarga foi mais crítica para trabalhadoras que têm filhos.

A rotina da servidora pública Sarah Galindo, de 39 anos, mudou completamente com a pandemia. Ela se viu obrigada a trabalhar dentro de casa e dispensar as ajudantes por tempo indeterminado, tudo enquanto cuidava dos dois filhos, que começaram a ter aula em formato online. Durante alguns meses, ela e o marido dividiram as atividades domésticas e o cuidado com as crianças.

“Durante o período de quarentena, eu adquiri um hábito que foi dormir muito tarde, bem de madrugada, e acordar tarde também. Isso aconteceu porque nós nos revezávamos para cuidar das crianças e trabalhar, mas sempre sobrava algo para fazer, então vários dias ficávamos acordados a noite para terminar algo do trabalho”, conta Sarah. Com o passar dos meses, os filhos voltaram à escola, a doméstica voltou a exercer os serviços em casa, e o marido retornou ao serviço presencial, porém Sarah ainda não conseguiu perder o costume de adormecer tarde da noite.

Segundo a servidora, atualmente a rotina está menos cansativa do que no ano passado, já que os filhos vão para a escola durante a tarde. “Antes, devido à falta de preparo, já que fomos jogados nesse novo estilo de vida, foi tudo muito difícil, mas vamos nos acostumando aos poucos”. Mesmo assim, Sarah relata que ainda se sente esgotada, sente dificuldade em trabalhar no período matutino, já que às vezes ainda dorme tarde para trabalhar, e é quando o filho mais novo está em casa.

A dura realidade da mãe

Como o marido de Sarah sai pela manhã para ir ao trabalho e volta somente à noite, cabe a ela de cuidar dos filhos e das atividades domésticas nesse período. De acordo com a pesquisa do Atlas Político encomendada pelo EL PAÍS, 74% do trabalho doméstico aumentou para as mães por conta da suspensão das aulas presenciais dos filhos; já 69% dos pais tiveram a mesma sensação.

E quem não tem ajuda? O resultado é basicamente o mesmo: exaustão, em maior ou menor escala. O estudo levanta que 80% das mães afirmam que sentem cansaço ocasionado pela pandemia, contra 48% dos pais.

Um terço das mulheres cuidam dos seus filhos sozinhas. É o caso de Lidiane Machado, 37, professora de inglês e de canto; e mãe de Maria, de cinco anos. “O ano passado foi muito bom na questão profissional, eu estava muito empolgada com isso, comecei a malhar e voltar à terapia, cuidar de mim, mas chegou uma hora que eu não estava mais aguentando de cansaço, não dava mais”, descreve.

A professora precisou fazer certos sacrifícios, como trancar o curso que fazia de canto lírico na Escola de Música de Brasília, e diminuir a duração das aulas particulares – por causa do tempo e da fadiga. Ela estava cuidando da filha sozinha, arrumando a casa, fazendo comida e trabalhando. Com a melhora do coronavírus, conseguiu pedir reforço de diaristas para ajudá-la com afazeres, mas continua com pouco tempo livre, e bastante exaustão.

“Nesse momento que estamos, não existe isso de conciliar trabalho com cuidar dos filhos ou casa, a gente só quer sobreviver. Então fazemos o que é prioridade primeiro, e depois as coisas menores. A gente dá um jeito”, declara Lidiane.

Saúde mental

A empresa especializada em recrutamento e seleção Robert Half realizou uma pesquisa que mostra que conciliar home office com criação dos filhos é o maior desafio que trabalhadores encontram atualmente, principalmente mães. A maioria dos entrevistados apontou o cuidado com a saúde mental como maior dificuldade, seguido de falta de tempo para cuidar de si e, também, a falta de empatia dos gestores.

“A decisão de ter filhos não deveria ser motivo de preocupação profissional. Por outro lado, não podemos negar que conciliar o trabalho e as demandas dos filhos, especialmente no período de isolamento social e quarentena, é ainda mais desafiador”, afirma a gerente sênior da Robert Half, Carolina Cabral.

Com o dobro da pressão e dos afazeres – sejam eles no ambiente doméstico ou de trabalho -, muitas mães estão com dificuldade de aguentar todo o estresse. O resultado disso é um grande aumento no abandono de empregos dessas mulheres, além de depressão e outros transtornos.

63% das mães tiveram algum sintoma depressivo durante a pandemia e 34% tiveram sentimentos negativos (como medo, angústia, ansiedade ou insegurança). Em uma análise segmentada, constatou-se que 89% das mães que já apresentavam indícios depressivos antes do coronavírus continuaram com os sintomas e 47% que não tinham sinais passaram a apresentá-los. Os dados são da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP – USP), realizado com o apoio da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal.

Lidiane é uma das mães que adquiriram ansiedade durante a quarentena. “Não sei bem o motivo, mas comecei a ter dificuldade para dormir, e quando dormia, acordava algumas horas depois, com uma sensação horrível”, descreve. A professora, mesmo com uma rotina agitada, diz que não abre mão da atividade física e da terapia, pois precisa cuidar da sua saúde mental, e cuidando de si mesma, estará cuidando da filha.

Um dos transtornos que se intensificaram na pandemia foi a Síndrome do Esgotamento Profissional, mais conhecido como Síndrome de Burnout. Como o nome já diz, é um distúrbio psíquico causado pelo estresse e exaustão em níveis extremos. Um levantamento da empresa de consultoria Great Pleace to Work e da startup de saúde Maven confirmou que funcionárias mães têm 23% mais chances de sofrer de burnout do que pais.

O estudo estimou que cerca de 2,35 milhões de mães que trabalham fora de casa nos Estados Unidos sofreram de esgotamento profissional durante a pandemia, especialmente “devido às demandas desiguais da casa e do trabalho”, mostra a análise.

Além do cansaço e estresse, a mãe que está trabalhando em várias funções, normalmente, lida com outra questão: a culpa. “Culpa é a palavra que define ser mãe! Culpa de estar cansada, de não conseguir dar conta, de ficar nervosa”, desabafa Sarah. Por isso, por sempre achar que não está suficiente, 7 milhões de mulheres abandonaram a vida profissional do começo da pandemia até maio deste ano, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua).

Mesmo com inúmeros obstáculos, Lidiane pensa diferente. “Eu não sinto culpa caso eu não consiga fazer algo no dia, pelo contrário, me sinto vitoriosa por cuidar de mim, da minha filha, e por estar conseguindo fazer tudo. Cada dia eu estou sobrevivendo, isso que importa”, garante a professora.

Solução

Os entrevistados da pesquisa da Robert Half responderam que a melhor forma da empresa mostrar apoio às trabalhadoras mães, além de trabalho flexível, seria demonstrando empatia e flexibilizando expectativas.

“Um caminho interessante é oferecer benefícios que ajudam a mulher a se adaptar melhor ao novo momento da vida, como as jornadas de trabalho flexíveis. O foco aqui é garantir que as demandas continuem sendo entregues com excelência, mas de uma forma que seja mais empática e confortável para a mulher que também é mãe”, conclui a pesquisa.

Saiba mais sobre em:

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