A recente polêmica envolvendo filme da Netflix abastece a discussão a respeito da falta e mulheres de idade protagonistas

Por Giulia Ghigonetto
giulia.ghigonetto@mulheresjornalistas.com

“Eu esperava que fosse ser difícil envelhecer em Hollywood, mas não que seria tão desesperador”, disse a atriz Geena Davis (“Thelma & Louise”). O preconceito contra idade em Hollywood não é de agora. Há muito tempo, quando as mulheres passam dos 45, elas perdem a chance de assumirem os papéis principais.

“A indústria cinematográfica, sobretudo americana, prioriza protagonistas jovens, principalmente no caso das mulheres”, aponta a crítica Luísa Pécora, responsável pelo site Mulher no Cinema. 

A discussão voltou à tona com o lançamento de “A Escavação”, da Netflix, em que Carey Mulligan (“Promising Young Woman”), de 35 anos, interpreta uma personagem com 56. O filme é baseado na história de Edith Pretty, que encontrou tesouros arqueológicos em sua casa na Inglaterra. A escolha da atriz tem sido duramente criticada, uma vez que escancara um padrão observado por profissionais da indústria. 

Diante da polêmica, a atriz britânica Beatie Edney (“Poldark”), de 58 anos, expressou seu descontentamento com a situação. “Eles simplesmente não permitem que mulheres com mais de 40 anos apareçam na tela, não é? Na minha experiência, ou você é escalado porque é atraente ou raramente trabalha até se tornar uma avó. Somos 51% da população e ainda somos invisíveis na cultura”, escreveu ela em seu Twitter. 

Respondendo ao comentário de Edney, o coletivo Behind the Woman, de Yorkshire, concordou e complementou: “É uma pena pensar nas atrizes maravilhosas com mais de 50 anos que poderiam ter interpretado a Sra. Pretty. Enquanto mulheres de 30 anos representarem mulheres na casa dos 50 anos, isso perpetuará nossa invisibilidade”.

O diretor Simon Stone chegou a defender a opção de escalar Carey anteriormente. “O romance se afasta da verdade em muitos aspectos e não pretende ser absolutamente preciso, então o espaço para se afastar da exatidão histórica já estava lá”, afirmou em entrevista. 

Vale lembrar que essa não é a primeira vez que uma produção da Netflix escala mulheres mais novas para viverem personagens mais velhas. O filme Mank, uma das grandes apostas para a temporada de prêmios, foi criticado pelo site Digital Spy por escolherem a atriz britânica Tuppence Middleton (“Sense8”), de 33 anos, para viver a esposa de Gary Oldman (“O Destino de uma Nação”), de 62. 

“Middleton tem 33 anos, quase metade da idade real de Oldman. Embora nunca tenhamos inveja de uma pessoa por amar alguém mais velho, a questão é esta: Sara Mankiewicz tinha a mesma idade de seu marido. Ambos nasceram em 1897”, apontou a crítica Gabriella Geisinger. 

Essa dificuldade, entre outras como a baixa representatividade feminina em Hollywood, fez como que Davis criasse o Instituto Geena Davis de Mulheres na Mídia. Em um estudo divulgado no ano passado, o Instituto analisou os 30 filmes de maior bilheteria de 2019 e avaliou quais tinham pelo menos uma personagem com 50 anos e se ela foi representada sem seguir os estereótipos de idade. O resultado foi de que nenhuma atriz nessa idade estava no papel principal, enquanto dois homens na mesma faixa etária foram protagonistas. O levantamento apontou também que elas eram representadas com aspectos negativos, como frágeis e com doenças mentais. 

“A maioria das personagens femininas está na faixa dos 20 e 30 anos, enquanto a maioria dos personagens masculinos está na faixa dos 30 e dos 40. Quando chegamos aos 50 e 60 anos, a quantidade de personagens cai para ambos, mas os homens sempre costumam ficar um pouco à frente”, explica Pécora. 

Para ela, isso mostra que a “sociedade tem certa obsessão pela juventude, julga menos um casal no qual o homem é mais velho do que o contrário, submete as mulheres a pressões e padrões estéticos muito mais rigorosos”. Esse fato, sem dúvida, destaca a visão ainda retrógrada de Hollywood referente às mulheres e o quanto isso é um erro.