Comentarista Melissa Rocha- RJ
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Que bom que existe um movimento feminista, ativo e vigilante, para impedir que criminosos como Robinho e o goleiro Bruno sejam alçados ao posto de ídolos do esporte

“Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada, não sabe nem o que aconteceu”. Foi dessa forma que Robinho, jogador de futebol condenado por estupro pela Justiça italiana, respondeu a um amigo que expressou preocupação com a sua situação. 

A frase choca tanto pelo desdém de Robinho em relação à vítima – uma jovem de origem albanesa -, quanto pela certeza de que sairia impune. Embora admita que colocou o pênis na boca da jovem, ele se ampara no fato de que não transou com ela. Com isso, se considera livre da acusação de estupro – crime que, pela lei, é configurado quando há conjunção carnal mediante violência ou ameaça. 

Um erro crasso de Robinho. Se as escutas da Justiça italiana apontam que não houve conjunção carnal, também deixam claro que houve ato libidinoso sem consentimento da vítima. E isso configura, sim, uma violação sexual. Ou seja, tecnicamente, ele não estuprou, mas com certeza violentou a jovem. E para vítimas desse tipo de crime, tais definições e conceitos são apenas um jogo de palavras que em nada altera o trauma sofrido. Felizmente, a Justiça italiana acompanhou esse raciocínio ao decidir pela condenação.  

À parte a arrogância de Robinho, o caso também espelha a cultura de se imputar às mulheres a culpa por qualquer tipo de violência que elas venham a sofrer. É como uma lógica invertida, na qual os autores do crime são transformados em vítimas, enquanto as mulheres são alçadas ao posto de instigadoras, e, por consequência, autoras – ou cúmplices – da agressão que sofreram. 

Tal mentalidade impõe às mulheres a tarefa de se policiar constantemente, ao mesmo tempo que concede aos homens o direito de romper com o contrato social e se portar como um primata inimputável a qualquer momento. Afinal, o que a aquela jovem pensava quando foi para a boate e se excedeu na bebida? Ou, então, o que aquela mulher fazia andando sozinha na rua? Ou o que será que aquela mulher aprontou que fez o marido bater nela daquela forma? Em pleno ano de 2020, perguntas grotescas e acusatórias como essas ainda permeiam debates sobre violência contra a mulher, seja física, sexual ou verbal. E não são apenas replicadas por homens, mas também por outras mulheres, por conta da naturalização do sistema patriarcal.  

Muito se falou sobre o fato de Robinho ser bolsonarista, associando sua conduta à posição política. É fato que o governo atual desdenha da importância das políticas de proteção à mulher e do movimento feminista. Mas também é verdade é que esse tipo de pensamento retrógrado é apartidário, enraizado em culturas que vão do Brasil ao Japão e que afeta todas as camadas sociais. A população mais pobre é a mais afetada. Uma mulher sem recursos financeiros, que queira se ver livre de um marido agressor, esbarra na falta de dinheiro para se manter longe dele. E há casos em que a violência é perpetuada, passando de geração para geração: a neta apanha do marido, mas considera isso parte do relacionamento, pois a mãe e avó passaram pelo mesmo. Sem acesso à educação nem recursos financeiros, elas não conseguem quebrar a corrente da violência doméstica e dominação. 

Daí a importância de leis de combate à violência contra a mulher e de ações de capacitação e empoderamento feminino. Foi com a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, que, pela primeira vez, o Brasil colocou em perspectiva um flagelo que há tempos assola o país. A promulgação da lei foi uma conquista do movimento feminista brasileiro, que há décadas luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres.  

Mas Robinho não gosta de feministas. Novamente assumindo o posto de primata inimputável, ele culpa o movimento por sua situação atual, que, na realidade, é fruto exclusivamente de sua própria decisão de se unir a outros quatro homens para violentar uma mulher indefesa – crime do qual ele não se arrepende. 

O papel do movimento feminista no caso Robinho foi pressionar o clube do Santos a recuar na contratação do jogador. O mesmo papel desempenhado em 2017, quando mobilizou protestos contra a contratação do goleiro Bruno Fernandes, mentor do assassinato de Eliza Samúdio, pelo time mineiro Boa Esporte. 

Criminosos como Robinho e Bruno não devem ser alçados ao posto de ídolos, especialmente do esporte mais popular do país. Permitir isso seria uma chancela à violência contra a mulher e um recado implícito a todas as mulheres de que seus corpos e vidas não têm tanta importância quanto a contratação de um jogador. Felizmente, existe esse movimento feminista, ativo e vigilante, para alertar e mobilizar a sociedade.