Por Ana Joulie, Psicóloga especializada em patologias graves, fundadora e diretora clínica da Rede Internacional de Acompanhamento Terapêutico (RIAT)
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Uma das polêmicas mais antigas que existe na humanidade é o questionamento da influência da mente no corpo e vice-versa. O debate percorre séculos e centenas de profissionais discutiram e ainda discutem a relação entre corpo e mente, e a forma como ambas influenciam o funcionamento da saúde integral do ser humano. Que tal entendermos um pouco mais sobre essa relação?

Vamos primeiro percorrer as questões filosóficas. Segundo Descartes e Platão, a mente é uma substância que possui uma série de características próprias que a diferenciam do corpo. Pontuam que a mente não é física ou material, que não ocupa lugar no espaço, e por isso não está sujeita às leis da física. Validam a ideia de que ela pode ser capaz de “sobreviver” à morte do corpo, sendo para alguns, imortal. O interacionismo acrescenta à tese dualista a afirmação de que a mente e o corpo, embora diferentes, interagem entre si. 

A segunda tese, que é mais antiga e controversa ao questionamento de Descartes e Platão, é a do monismo, criada pelo filósofo grego Parmênides, no século V antes de Cristo, e defendida também por Espinoza. Eles validam a ideia de que a mente é idêntica ao produto das atividades do corpo, ou do cérebro, e que não há nenhum aspecto não físico em uma pessoa, portanto, ou o corpo e a mente são uma única entidade, ou a mente não existe em absoluto. Teorias contemporâneas do fisicalismo são: monismo anômalo, teoria da identidade de tipo, behaviorismo, funcionalismo etc. 

Além da teoria filosofia mente-corpo que citei, existem também as teorias, ciências e práxis que discutem a questão relacional entre corpo e mente, saúde física e emocional, tais como o idealismo, de George Berkeley, que afirma que ambos são mentais; no plano clínico e mais pragmático, a teoria dos humores, que foi desenvolvida por Hipócrates e aperfeiçoada por Galeno, ambos afirmavam se estabelece associações coerentes entre os males do corpo e da mente. No contexto da psicologia, Freud suspeitava que a principal razão de não compreensão entre mente e corpo derivava da incipiência no que tange aos conhecimentos técnicos e teórico-conceituais acerca da neurofisiologia. Ele optou em dedicar-se unicamente ao aspecto psíquico/simbólico. 

A discussão atualmente, desde o século passado e o atual, traz as neurociências como protagonistas do debate. Obviamente que há, ainda, controvérsias, das mais diversas orientações, que se mantêm fiéis aos procedimentos especulativos e teóricos, expressando dúvidas relevantes ao plano corpóreo, assim como a psiquiatria tradicional, que ignora as tensões afetivas e simbólicas do indivíduo, concebem a “saúde mental” em termos de eletroquímica cerebral. A física quântica é uma ciência que também se dedica bastante aos estudos que validam a relação da mente com o corpo. 

Como podem observar, a evolução da humanidade e da ciência nos traz muitos dados de estudos que já foram comprovados e validados e, cada vez mais, a medicina entende que muito do que antes definia-se somente de forma mecânica, hoje em dia já é vista de forma dinâmica, incluindo os aspectos psicológicos como autores de desenvolvimento terapêutico que atua e influi diretamente a saúde física. A saúde mental e a saúde física estão integradas. O corpo pode ser impactado de forma negativa através de nossas posturas, atitudes, pensamentos e emoções.

 Acredito que a maioria das pessoas já conhece os termos que surgiram para designar os efeitos sintomáticos da relação entre saúde física e saúde mental, tais como: somatização, psicossomática, crises de ansiedade, crises de estresse pós-traumático, pânico, doenças alérgicas etc, assim como as doenças que se tornaram mais difundidas, como depressão, ansiedade e outros transtornos mentais que aceleram algumas doenças físicas. O estresse também é bastante conhecido, pois, quando sentido por um período prolongado, passa a afetar o funcionamento do organismo e pode até nos debilitar momentaneamente. 

Alguns transtornos mentais (não são todos e essa questão é muito relativa de acordo com o contexto de cada pessoa) possuem a característica de somatização, ou seja, podem alterar o estado emocional e manifestar sintomas físicos. Por exemplo: uma crise de ansiedade pode gerar sintomas de falta de ar. O que ocorre nesses casos é que a demanda psíquica/psicológica tende a ser transferida, como defesa, e sentida pelo corpo; o aspecto psicológico atua de forma defensiva e o corpo passa a ser o objeto de manifestação de um sintoma. Assim também acontece de forma oposta, quando a demanda é física e a mente passa a sentir o impacto emocional e atua também, com sintomas psíquicos, para manifestar o trauma. 

Por isso, hoje já sabemos que transtornos mentais afetam, ou podem afetar, diretamente o funcionamento do corpo. O sistema imunológico, quando abalado, enfraquece as defesas do corpo; o sistema endócrino reduz ou aumenta a produção de hormônios, e o sistema nervoso altera a produção de neurotoxinas, podendo também mudar o funcionamento metabólico. A pessoa que tem depressão, por exemplo, passa por alterações dos níveis de serotonina, o hormônio que dá a sensação de felicidade, e não encontra razão para esse fato. Por falar em serotonina, a baixa dessa substância no cérebro, pode causar muitos efeitos, como: mau-humor, cansaço excessivo, redução ou aumento do desejo sexual, problemas digestivos, alterações na temperatura corporal, interferências na coagulação do sangue, mais tempo para se curar feridas e machucados e alteração do sono.

O sofrimento mental causado pela psicossomática é tão intenso e significativo que a pessoa começa a sentir incômodos, que são inexplicáveis pelo corpo. Geralmente essas pessoas passam por inúmeras consultas médicas e não encontram causa orgânica, o que gera mais estresse e medo, fazendo com que os efeitos físicos se tornem maiores. Algumas dessas doenças mais comuns são a enxaqueca, a síndrome do intestino irritado, gastrite, alergias respiratórias e dermatológicas, impotência sexual e infertilidade, entre outras. 

Por outro lado, muitas questões relacionadas à saúde física também afetam a saúde mental do indivíduo. Um acidente físico, a perda de um membro ou função do corpo, doenças genéticas hereditárias, doenças cardiovasculares, oncológicas, renais e neurológicas trazem um impacto e carga emocional bastante significativos, que podem alterar as estruturas emocionais e psicológicas. As pessoas que são acometidas por tais doenças podem desenvolver medos, vergonha, perda da autoestima, inseguranças, dificuldade de sociabilização, fobias, paranóias, e transtornos mentais específicos. 

Como já sabemos que o corpo e a mente funcionam em conjunto, é extremamente importante abrir-se para todas as questões que envolvem ambos os aspectos. Se existe um problema mental, trate-o para que ele não se torne físico. Caso a condição seja contrária, e ambas as partes sejam afetadas, busque se tratar de maneira integral. Faz mais sentido cuidar de ambos! Pois está tudo relacionado, e um depende do outro. 

Além da psicoterapia e dos tratamentos medicamentosos, as pessoas que possuem transtornos mentais podem cuidar da própria saúde, buscando modificar hábitos da vida cotidiana, cuidando melhor da alimentação, do sono, da rotina e dos estímulos que possuem, podem realizar atividades físicas, o que é importantíssimo para a liberação de neurotransmissores benéficos para o humor no cérebro, pois fortalecem o aspecto cardiovascular, promovendo melhor circulação sanguínea, melhorando a concentração, regulando os níveis hormonais, ajudando no controle do colesterol e glicose. Realizar atividades físicas é fundamental para manter uma saúde integral. 

É sumamente importante ter autocuidado para saber perceber melhor seus aspectos de adoecimento. Isso permite ao indivíduo ter maior conhecimento sobre si mesmo e, com isso, o processo de monitoramento da qualidade de saúde física e mental fica regulado. Ser auto perceptivo ajuda a cultivar emoções e pensamentos positivos, gerenciar reações inusitadas que a vida promove, evita conflitos em relacionamentos interpessoais e traz mais possibilidades de autonomia plena em aspectos emocionais, dando ampla estrutura de cultivo do amor próprio. 

Para obter uma melhor qualidade de vida, com a saúde integrada, ou seja, tendo saúde física e mental ajustadas, devemos fortalecer diariamente bons hábitos. Sugiro praticar alguns: evitar estresse (busque lidar com a situação de maneira assertiva); faça sempre o check-up anual, com médico clínico e especialistas;  cuide da alimentação, “você é o que come”, se nutra da melhor forma; faça atividade física de maneira regular; busque priorizar momentos de prazer e relaxamento; tenha uma rotina organizada; trabalhe seus pensamentos para que sejam mais positivos; seja humorado, mesmo diante de situações problemáticas, isso te ajudará a ter menos carga emocional e menos estresse. 

O que, primeiramente, constitui o ser atual da mente humana não é senão a ideia de uma coisa singular existente em ato – Espinoza