Por Ana Joulie, Psicóloga especializada em patologias graves, fundadora e diretora clínica da Rede Internacional de Acompanhamento Terapêutico (RIAT)
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Já perceberam o quão importante é a alimentação em nossas vidas? Nascemos, choramos e logo passamos a nos alimentar de maneira separada do corpo da mãe, e desde aí, o alimento passa a ser uma nutrição em amplo sentido, ou seja, além de fornecer os nutrientes necessários para o bom desenvolvimento do corpo, fornece também contenção, acolhimento, transferência de temperatura, afeto, cuidado, proteção etc. Sem interrupção, segue como condição básica, fundamental e natural para a preservação da vida. No entanto, existem muitas questões interligadas com o nosso processo de alimentação, que geram efeitos diversos em nossa emoção, seja por influências de nossos contextos sociais ou culturais, funcionando de forma específica para cada tipo de pessoa. Vamos entender um pouco melhor?!

A comida traz memórias afetivas que nos conectam de forma singular com pessoas, ambientes e momentos. Aos domingos, a maioria das pessoas espera comer aquela comida feita pela mãe ou saborear o famoso e tradicional churrasco feito pelo pai, onde todos se reúnem para comer e interagir, sem pressa. Quem deixa de lembrar das comidas feitas na casa dos avós? Nas frutas colhidas e comidas na época da infância, junto com primos, irmãos e amigos, em locais que trazem lindas memórias; quem deixa de criar expectativas com o cardápio de datas comemorativas, como Natal, Páscoa e aniversários? É inevitável não relacionar o alimento ao contexto ao qual estamos inseridos, isso traz maior importância e atenção ao que comemos.

Cada lugar/ambiente traz seus sabores, aromas, ingredientes e produtos alimentícios diferentes, além de receitas e métodos característicos de como comê-los. As culinárias diversas são dadas com base em origens nacionalistas e são cheias de rituais. Dependendo do continente, os ritos, condimentos, proteínas e carboidratos variam, adaptando-se à cultura estabelecida. Por isso, é normal que quando estamos viajando tenhamos a resistência em comer qualquer comida, ou, que ao comer, haja algum tipo de mal-estar e/ou indigestão, assim como também pode-se obter grande prazer ao degustar algo novo. Estamos sempre na condição de nos adaptarmos, no entanto, devemos considerar bem as circunstâncias.

Também é importante considerar que algumas pessoas possuem dietas específicas, devido à sua condição de saúde. Isso faz com que elas tenham questões emocionais relacionadas aos alimentos que ingerem, assim como intolerâncias variadas. Estas pessoas sentem o efeito social/cultural, e precisam adaptar-se de forma flexível em suas relações interpessoais, devido à condição de restrição. A sociedade, por outro lado, deve saber lidar de forma respeitosa e empática com a singularidade de cada um, unificando o direito e dever de todos.

Considerando que o alimento está fortemente conectado com nossas emoções, desde quando nos tornamos seres vivos, enfatizo sua relevância e atuação em nossas seleções, classificações, proibições, escolhas, prescrições, significados e interpretações, dadas por experiências e situações adquiridas no relacionamento indivíduo/alimento. Por isso, o alimento é utilizado para aliviar e compensar sentimentos negativos e positivos.

Nosso corpo é totalmente integrado e é um organismo inteligente. As influências que ocorrem de forma externa ao corpo geram diversos tipos de efeitos, sendo eles positivos e negativos, e independente do efeito que é gerado, o corpo buscará desenvolver reações para melhor adaptação.

Quando uma emoção se torna ameaça ao bem-estar do organismo, as reações de defesa entram em ação, ativando uma série de substâncias e sinapses. Elas geram efeitos que são expressos em sintomas: aumento da pressão arterial, queda de imunidade, aumento de peso, gordura no sangue, lesões no estômago etc., ou seja, todos esses efeitos são inevitáveis quando nossas emoções estão alteradas. E qual é a relação desses efeitos/reações com a alimentação? De acordo com profissionais de nutrição e psicologia, em muitos casos, o desequilíbrio de nutrientes está diretamente ligado às questões emocionais, por exemplo, transtornos de ansiedade e depressão.

Quando o indivíduo tem um transtorno como depressão ou ansiedade, ele, certamente, está com os níveis de serotonina e dopamina alterados, essas substâncias atuam como neurotransmissores e proporcionam a sensação de bem-estar e bom humor. Para que isso ocorra de forma adequada, é necessário a ingestão de vitaminas do complexo B, magnésio e triptofano, que são adquiridas através da alimentação saudável. Outra questão importante e até curiosa é que a serotonina é produzida no intestino, ou seja, o órgão que tem a responsabilidade em digerir e absorver os nutrientes dos alimentos. Com essa última informação, fica muito evidente o quão relacionada está a condição emocional com a alimentação.

Outro exemplo que tem relação direta é o estresse, pois gera a produção de cortisol e adrenalina, e esses hormônios nos dão a condição de alerta e escape, “luta ou fuga”. Há alimentos que ativam o estresse de maneira significativa, como a cafeína, o sal em excesso, álcool, doces e outros, assim como há os alimentos que geram o efeito contrário, aliviando, como o arroz integral, sementes, algas, chás, ervas específicas. Ter uma alimentação equilibrada é eficaz para repor os nutrientes que foram utilizados em momentos de tensão do organismo, quanto para reduzir a reação ao estresse.

Ficou evidente que nossa alimentação afeta nosso estado emocional, certo?! Toda essa dinâmica entre o corpo e a mente, que envolve as substâncias, neurotransmissores e emoções, nos gera pensamentos que podem ser distorcidos da necessidade real, ou seja, sentimos fome porque nosso corpo necessita para sobreviver e porque nossas emoções geram necessidades compensatórias.

A fome emocional surge de forma “inusitada” e traz uma demanda de “conforto” e “urgência”, por isso, na maioria das vezes, não se consegue esperar, ela é sentida de forma urgente e dificilmente se consegue parar de comer, mesmo que já se esteja saciado. Depois de atingir o prazer ao comer, surgem as consequências da falta de controle, como culpa e frustração, pelo ato de ter comido mais do necessário. Ao contrário da fome emocional, a fisiológica traz uma demanda mais racional, ela é gradual e surge com base ao apetite. Na maioria dos casos, se para de comer quando se sacia.

A fome emocional costuma desaparecer quando surgem outros estímulos, ou seja, uma distração elimina o desejo de comer, já a fome fisiológica não desaparece com nenhum tipo de distração. Sempre que se termina de comer, sentimos prazer e bem-estar, assim como necessidade de estar mais numa condição passiva. O cérebro armazena essas informações e se não estivermos em atenção, o organismo integrado fica condicionado a ciclos ruins, porque o alívio e o prazer que o alimento traz como resposta à uma emoção pode culminar em definições ao indivíduo.

Estar atentos à dinâmica da vida cotidiana e à forma como se faz a alimentação é necessário para estabelecer um equilíbrio no corpo, na mente e nas relações, pois se tudo está interligado, faz-se imprescindível ter uma boa percepção de cada função do ser. Conhecer a si mesmo é também alimentar-se melhor e controlar os impulsos emocionais para que o desejo de comer não seja disfuncional. Observe como você atua em seus horários de alimentação, veja o que você come, sinta o ambiente nesse momento e o regule, ative o autocuidado em ser saudável de maneira integral.