Por Ana Luiza Timm Soares
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista

Vivemos tempos sombrios. Não bastasse uma pandemia que assola o mundo há 2 anos, dirigentes de várias partes do globo acreditam em soluções bélicas – seja declarando guerra de fato, como na atual situação da Ucrânia, seja através do incentivo ao armamento da população, aqui no Brasil; a violência (física ou simbólica) tem delineado as ações governamentais nas mais diversas searas.

Atribuída a inúmeros autores – de Ésquilo a Sun Tzu – a sentença de que “a primeira vítima da guerra é a verdade” não pode ser mais oportuna: a disseminação das fake news têm o poder de decidir desde eleições (através de mamadeiras de piroca) até aumentar o número de covas em virtude da covid-19 – já que o acesso e a distribuição de informações fidedignas parecem estar “fora de Moda” – tendo consequências dramáticas no cenário que vivemos.

Nesse contexto, o filme Madres Paralelas, do diretor espanhol Pedro Almodóvar, tem sua estreia na plataforma de streaming Netflix. Coincidência ou não, o lançamento nacional ocorre bem no dia 14 de fevereiro – conhecido mundialmente como o Dia Internacional do Amor.

Madres-Paralelas
Imagem: Divulgação

A película retrata a vida de duas recentes mães solteiras: Janis, uma fotógrafa em torno de 40 anos, e Ana, uma jovem que parece ser recém-formada no ensino médio. Interpretadas respectivamente por Penélope Cruz e Milena Smith, as vidas dessas mulheres se cruzam no hospital enquanto dividem um quarto às vésperas e nos primeiros dias após o parto de ambas.

Para além de uma discussão potente sobre maternidade, o filme aborda a força da verdade e da História nas trajetórias humanas, e a importância de conhecer o passado para não repetir os erros deste no presente e delinear um futuro mais esperançoso e promissor. É característica de Almodóvar narrar os mais diversos temas a partir de uma perspectiva feminina – para evitar confusões, isso não significa cis/hétero, ok? Ainda que, na maioria das vezes seja branca e privilegiada – mas confesso que essa história, neste momento, me tocou como nenhuma outra do diretor. A partir daqui, o texto traz vários spoilers, então recomendo dar uma pausa na leitura e assistir ao filme se tens problemas com eles. 😛

A premissa do filme traz a protagonista Janis em um dilema moral: ela descobre que suas filhas foram trocadas na maternidade e decide conviver com esse segredo, já que ambas as crianças parecem afeiçoadas às suas mães e demais coadjuvantes ao redor. Após um período sem, não por acaso, ter notícias de Ana, as mães se reencontram e Janis descobre que sua filha biológica faleceu, deixando Ana, a mãe adotiva, em luto.

Neste ponto da história, Janis resolve convidar Ana para trabalhar/morar em sua casa auxiliando nos cuidados de Cecília, e aqui é o momento que ficamos nervosos com o silêncio da primeira, e – para não dizer que não falei de roupas –Janis aparece em cena com uma camiseta trazendo a seguinte frase: we should all be feminists (sejamos todos feministas), referência ao livro de mesmo título da autora Chimamanda Ngozi Adichie e transformada em roupa pela estilista Maria Grazia Chiuri na coleção primavera-verão 2017 da maison Dior. Aliás, um parêntese: cabe destacar aqui que a estilista foi a primeira mulher a comandar a tradicional grife francesa, sendo esse desfile sua estreia na marca.

Madres-Paralelas
Imagem: Divulgação

Voltando ao filme, penso neste momento: mas cadê a sororidade???? Almodóvar não ia brincar com nossos sentimentos assim, não é mesmo??? Aquela camiseta não poderia trazer tanta hipocrisia! Pois não mesmo. Sem me estender demasiado sobre o desenlace da trama, apesar da dor de ter perdido sua filha biológica e estar em vias de também se afastar da adotiva, Janis decide contar a verdade para Ana.

Nesse ínterim, é importante destacar que a personagem de Penélope Cruz vive outro dilema pessoal ao buscar o corpo do bisavô morto em princípios da Guerra Civil Espanhola, e o desfecho desta história também é atrelado à potência da verdade, tanto que o encerramento do filme traz a seguinte frase do escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano: “Não existe história muda. Por mais que a queimem, por mais que a quebrem, por mais que mintam, a história humana se recusa a fechar a boca”.

Ao assistir o longa, me recordei de uma imagem circulada em princípios da guerra na Ucrânia neste mês, trazendo uma imagem do quadro “A origem do mundo”, de Gustave Coubert, ao lado da referência “a origem da guerra”, associando a vida às mulheres e o instinto bélico aos homens. Ainda que a imagem seja polêmica ao vincular apenas a vulva ao feminino e o pênis ao masculino, não levando em consideração corpos trans, ela nos traz à luz uma discussão importante, assim como Almodóvar e seu elenco: a vida e a verdade dependem da força do feminino – e aqui, obviamente, estou falando de identificação de gênero, não do sexo biológico.

Madres-paralelas

Fomos por diversas vezes apagadas da História junto com a verdade. É necessário que retomemos esses lugares e façamos ouvir a nossa voz, abraçando a diversidade, a interseccionalidade e a sororidade como bandeiras primeiras desta luta.

A revolução será feminista. Ou não será.