Por Vivian Jorge, jornalista – RS 

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Chefe de Reportagem: Juliana Monaco, Jornalista 

Editora Chefe: Letícia Fagundes, Jornalista 

O conceito vem ganhado força entre intolerantes, alérgicos e adeptos

Você já ouviu falar em cozinha inclusiva ou gastronomia inclusiva?  O conceito vem ganhando espaço nos últimos anos e é relevante para as muitas pessoas com restrições alimentares. Nesse contexto, a chef Carla Maia, especialista em Gastronomia Inclusiva e Natural, vai nos ajudar a esclarecer porque é importante pensar nessa forma de alimentação que beneficia a todos. Também temos dica da Chef de um Brigadeiro Vegano de Castanha de Caju, além de um local que é exemplo e vivencia a cozinha inclusiva, em Porto Alegre.

Foto: Divulgação/Chef Carla Maia

Comer é universal, nosso organismo precisa para sobreviver. Assim como beber água é essencial. Mas e quando as pessoas não podem inserir todos os tipos de alimentos? Diabéticos, intolerantes à lactose, celíacos, alérgicos ao ovo, etc., convivem diariamente com inúmeras privações na comida. Conforme a Chef, podemos pensar a gastronomia inclusiva como um movimento segundo o qual a prática de elaboração e compartilhamentos de alimentos deve reconhecer a individualidade de cada pessoa, seja em razão de uma condição ou por uma questão de estilo de vida. “O objetivo da gastronomia inclusiva é a exclusão de ingredientes para incluir pessoas que submetem às dietas restritivas, mas de forma a possibilitar que o alimento seja compartilhado e apreciado por todos. Eu gosto de pensar que a gastronomia inclusiva é, de certa forma, uma reação ao que era denominado como gastronomia ou culinária restritiva”, diz.

Carla explica que há alguns anos as pessoas que tinham algum tipo de restrição se alimentavam com poucas opções no mercado, onde a maioria destes alimentos não eram saborosos e atrativos. “Costumávamos chamar essa culinária ou gastronomia de restritiva, pois estava focada apenas na retirada de algum ingrediente para proporcionar o consumo daquele alimento”. Já a gastronomia inclusiva chega com uma proposta diferente, criando preparações culinárias sem determinados ingredientes (seja o glúten, o leite, os ovos).

Christiane Santos, 39 anos, conta que em 2014 descobriu que era celíaca. Até a idade a adulta passou por várias situações e intervenções médicas que a desgastavam muito. “Depois de passar por muitos médicos devido a enxaquecas fortes, descobri na nutricionista o que realmente eu tinha. De certa forma, foi um alívio, pois comecei a buscar alimentos e receitas específicas de acordo com a questão do glúten. Acho que de uns 2 ou 3 anos para cá, o mercado vem trazendo novidades e opções que cabem no bolso de muitas pessoas, diferente de outros anos que tudo era muito caro”, enfatiza.

Para a Chef Carla, a questão que se coloca nos dias de hoje é como a sociedade e, em especial, o setor de alimento será capaz de responder, de forma satisfatória, a essa nova realidade. “Atualmente os estudos científicos mostram um aumento da prevalência de pessoas com necessidades alimentares especiais. Ao mesmo tempo, um grupo cada vez maior de pessoas faz a opção de excluir determinados ingredientes em razão de um estilo de vida. Apesar desse aumento de demanda, podemos falar que ainda existe uma grande indiferença em relação às pessoas que possuem uma necessidade alimentar especial. E a indiferença está presente em todos os níveis da vida da pessoa. Existe o desinteresse muitas vezes da família, da escola, das empresas e do próprio governo. Eu acredito muito que a cozinha inclusiva tem sim o poder de alterar esse quadro. Estamos falando de uma demanda real de milhões de pessoas”, explica.

Em uma publicação recente da Termo Fisher Scientific, a alergia a ovos, por exemplo, é muito comum em crianças, mesmo sendo uma fonte de proteínas saudáveis, desde a infância é possível identificar se o sistema imunológico rejeita essas proteínas. Estima-se que cerca de 2,5% das crianças pequenas são alérgicas a ovos.

 

Tipos de alergias alimentares

Muitos estudos comprovam que a predisposição para doenças alérgicas de alimentos pode ser genética ou proveniente de uma mudança de estilo de vida ou alimentação. Neste caso, a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) que trabalha a difusão de conhecimentos para a sociedade sobre a importância da prevenção e tratamento das doenças alérgicas e imunodeficiências traz que a alergia alimentar se dá quando o sistema imunológico é afetado por uma proteína de determinado alimento.

Segundo a ASBAI existem oito tipos de alimentos propensos a afetar e causar danos ao organismo: leite, ovo, soja, trigo, amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar. Já seus sintomas podem se manifestar de diferentes formas desde problemas respiratórios, erupções cutâneas, gastrointestinais e cardiovasculares.

Para a nutricionista e professora do Dep. De Nutrição da Universidade Federal dos Pampa (UNIPAMPA), Fabiana Copês, a alergia alimentar faz com que as pessoas se privem de determinados alimentos, pois aquele alimento pode não ser uma fonte de um nutriente ou proteína, mas pode ser elementos traços o que pode fazer com que a pessoa desenvolva uma irritabilidade.

De acordo com a nutricionista, nos últimos anos teve um aumento significativo das opções alimentares para as pessoas intolerantes. “O mercado hoje já tem uma alimentação bem inclusiva de produtos isentos de determinadas proteínas, para que esses alérgicos possam fazer uso de forma adequada e equilibrada, sem deficiências nutricionais, o que é o mais importante”, considera.

Na medicina, quando se trata de uma alergia ou intolerância sempre é preciso diagnosticar esses traços de alimentos, até mesmo para os cuidados medicamentosos. “A intolerância à lactose, por exemplo, é mais fácil de administrar, pois com o uso da lactose é possível tomar um leite ou comer um queijo normalmente. Diferente da alergia ao glúten, que é preciso suspender esses alimentos”.

Outro ponto importante que Fabiana enfatiza é a necessidade de um equilíbrio nutricional para as pessoas que sabem que tem algum tipo de intolerância ou alergia, principalmente, aos alimentos que são nutritivos como leite e derivados. “Nestes casos, é preciso pensar em fontes alternativas. Buscar alimentos que tenham cálcio para que se consiga suprir essa necessidade nutricional, ainda mais se são crianças”, avalia.

 

Estilo de Vida

Para a especialista em gastronomia inclusiva, na época da gastronomia restritiva (tipo de prática focada apenas no aspecto de exclusão de um ingrediente) a gastronomia era voltada especificamente para a pessoa com restrição alimentar. Hoje, esse conceito abraça a todos. “Quando se fala em inclusão alimentar não estamos pensando apenas na pessoa com restrição alimentar, mas em promover a integração entre as pessoas”. Aí entra a questão do estilo de vida saudável, onde muitos preferem cortar ingredientes ou por filosofia de vida, aderir ao veganismo, por exemplo, onde os consumidores não consomem nenhum tipo de ingrediente de origem animal.

Ah, também, a quem tenha suas restrições e consiga consumir alguns produtos de origem animal, os vegetarianos, por exemplo, que cortam de sua dieta toda e qualquer tipo de carne, mas consomem queijo, leite ou ovos.

Focada na criação de receitas autorais de confeitaria e panificação sem glúten, sem leite, sem ovos, sem soja e sem ingredientes de origem animal, a Chef Carla Maia atuo na Confeitaria, com ênfase na produção de bolos em Buttercram Vegano e panificação. Ela conta que o meu interesse pela gastronomia surge com um acontecimento muito especial, o nascimento de sua filha em 2014, a qual foi diagnosticada com alergias alimentares múltiplas. “Foi um grande impacto em nossas vidas, pois de uma hora para outra, toda a dieta da família precisou passar por uma mudança radical. Foi necessário reaprender a cozinhar do zero. Ao longo do tempo fui me profissionalizando e me tornei professora na área da confeitaria e panificação inclusiva e natural”, fala.

De lá para cá, Maia criou em 2017, a Escola de Cozinha Inclusiva e Natural, localizada em Belo Horizonte. A partir de estudos, experiências e vivências na área, a escola busca integrar a dimensão da alimentação inclusiva e alimentação saudável. “Em meus cursos ensino a Confeitaria com base na fermentação natural e fermentação química. Isso quer dizer que é uma opção pela escolha de ingredientes naturais e funcionais no processo de criação das receitas. A ideia é ser um espaço de aprendizado de um novo olhar sobre a confeitaria e panificação que seja capaz de incluir pessoas que não podem ou não desejam consumir o glúten, o leite, ovos e soja. Atualmente, o curso A Nova Confeitaria Inclusiva e Natural é o nosso programa de treinamento. O nosso principal público são, empreendedoras ou pessoas que sonham desenvolver negócios nessa área.  O nosso propósito é formar uma nova geração de cozinheiros que tenham como missão promover uma alimentação mais inclusiva e natural no mundo”, conclui a professora.

 

Dica da Chef Carla Maia

Foto: Divulgação/Chef Carla Maia

Ingredientes:

150 gramas de castanhas de caju

100 gramas de água

70 gramas de açúcar mascavo (pode ser substituído por açúcar de coco, açúcar de maçã, açúcar demerara, eritol ou 50 gramas de xilitol)

20 gramas de manteiga de cacau (pode ser substituído pelo óleo de coco)

10 gramas de cacau em pó peneirado

70 gramas de chocolate 54% picado

 

Modo de preparo:

Deixar 150 gramas castanha de caju de remolho na água filtrada por 5 dias, trocar a água a cada 24 horas e deixar na geladeira;

Levar a água e o açúcar mascavo ao fogo médio por 10 minutos;

Colocar a mistura e a castanha do liquidificador e bater em velocidade máxima por 2 minutos ou até obter uma mistura homogênea;

Adicionar o cacau e bater por 30 segundos;

Levar ao fogo médio por aproximadamente 10 minutos ou até desgrudar da panela, mexer sempre;

Acrescentar o chocolate picado e misturar até o chocolate derreter;

Transferir a massa para um recipiente e cobrir com plástico filme até o plástico tocar a superfície do brigadeiro;

Deixar na geladeira por 4 horas ou 2 horas no freezer;

Bater o brigadeiro na batedeira em velocidade mínima por 1 minuto, enrolar, passar no granulado e colocar nas forminhas para brigadeiro;

Servir


Foto: Divulgação/Cristiano Rangel

MØØD Cafeteria: gastronomia inclusiva em Porto Alegre

Neste processo de alimentação saudável, sejam por questões clínicas ou preferências de um estilo de vida, é importante ter um mercado que ofereça e trabalhe com produtos naturais que contemplam a todos os públicos e, principalmente, com uma comida muito saborosa. Localizado no Bairro Partenon, em Porto Alegre, a MØØD Cafeteria traz uma proposta empreendedora de gastronomia inclusiva desde 2016. Com um cardápio diferenciado, as atuais proprietárias Letícia Gusso e Laura Landeira oferecem um local seguro para comer doces e salgados gostosos e sem contaminação cruzada de alimentos.

Laura adotou o veganismo em 2018, pois vivenciava em casa as sensibilidades ao glúten com seus pais. Letícia por ser farmacêutica e entender sobre os problemas que as intolerâncias e alergias alimentares podem causar nas pessoas, começou a inserir a questão vegana aos poucos no seu dia a dia. Hoje, ela conta que vem mudando sua forma de pensar com os aprendizados na cafeteria e com a amiga.

Ambas explicam que o público da MØØD é composto por pessoas com intolerâncias ou alergias alimentares que tenham algum tipo de restrição, ou mesmo, porque buscam conhecer mais sobre a alimentação inclusiva. “Desde que adotei esta filosofia de vida venho desenvolvendo opções e produtos que sejam acessíveis e saborosos. Produtos que não deixam a desejar em nenhum aspecto como textura, aparência, sabor e até mesmo memórias afetivas. Para que pessoas que não adotam o mesmo estilo de vida que o meu e, para as que também adotam, possam consumir”, conta Laura.

Por um tempo, a MØØD ofereceu somente produtos sem glúten e sem lactose, mas com a demanda em alta e a procura de diferentes clientes, a cafeteria diversificou e apresentou novos pratos. Atualmente, o local oferece uma alimentação livre de contaminação ao glúten, lácteos e soja. “Com o crescimento do estilo de vida vegano e da alergia aos ovos, nossa proposta é tornar todo o cardápio livre de produtos de origem animal”, contam as sócias.

Durante a pandemia, elas também precisaram se reinventar. “No ano de 2020, a cafeteria ficou fechada por muito tempo, operando apenas com entregas e retiradas em horários reduzidos. Em 2021 nos mudamos para um novo endereço: Avenida Ipiranga 3415. Hoje, nosso objetivo é, exclusivamente, a Gastronomia Inclusiva. Porque a vida, assim como as pessoas, é diversa! Acreditamos que nada mais justo e acolhedor que possibilitar a inclusão de todos por meio da nossa Gastronomia e trabalho”, citam Letícia e Laura.

Se você tem algum tipo de restrição alimentar ou busca uma alimentação saudável, a dica é conhecer a MØØD.  De segunda a sábado, das 11h às 18h, você pode provar os pratos mais pedidos no restaurante: a Torta Clássica e o Cookie Double Chocolate. Ou ainda, experimentar a produção das pizzas de fermentação lenta e os almoços com opções de Arroz Thai, Feijoadinha e Nhoque.

Os pedidos podem ser realizados pelo WhatsApp (51) 99301-2100 ou aplicativos Delivery.