Vinícius de Moraes: seu amor e outras belezas
Por Silvana Cardoso, Jornalista- RJ
Editora Chefe: Juliana Monaco, Jornalista
Quem amou mais que Vinícius de Morais? Poeta, compositor, dramaturgo, jornalista e diplomata, que nos deixou há 40 anos, em 1980, mas também nos deixou em sua diversa obra a certeza de que seus 66 anos foram para amar e viver intensamente. E sempre vale testemunhar o vasto amor em seu acervo, em verso e prosa, em músicas inesquecíveis, eternizadas em parcerias geniais. Um acervo para especialistas em literatura, amadores, apaixonados por música. Mas em tempos de amor enclausurado, a ideia deste texto é convidar para experimentar a possibilidade de amar sem medo, pois sofrer e sentir saudade e pedir para o ser amado voltar estão sempre presentes na obra amorosa de Vinícius. Que passa pelo amor efêmero, pela melancolia, pelo sensual, pela humildade, pelo perdão. E o compositor sabe pedir perdão para a amada, seu ser maior e como ninguém viveu a verdade da sua poesia, com nove casamentos, com mulheres inteligentes que lhe deram filhos, amor e nem sempre abaixaram a cabeça para os seus pedidos de desculpas.
Toda a cronologia, além de muitas histórias e muitos escritos e toda uma vida cantada pelo mundo, está em dois endereços digitais que abrigam o acervo de Vinicius de Moraes: o site oficial que leva seu nome e o recém-lançado acervo Vinícius de Moraes, idealizado e produzido por sua neta Julia Moraes. Com o intuito de proteger manuscritos do desgaste do tempo, o arquivo apresenta não só os poemas, mas ensaios, peças de teatro, discursos, cartas trocadas em seu período de exílio e como diplomata. São mais de 11 mil documentos originais, 34 mil imagens, que foram distribuídos como Correspondências, Produção Intelectual e Documentos Diversos. Um projeto feito em família, já que o design e a coordenação técnica são do sobrinho-neto Marcus Moraes e e a direção geral é da VM Cultural, pelas filhas Georgiana de Moraes e Maria Gurjão de Moraes. Vale, também, conferir a obra e biografia de Vinícius de Moraes em livros, documentários e em seus canais nas mídias digitais.
Mas na semana do Dia dos Namorados, fica a dica para conhecer também o jovem que, aos 20 anos, já havia publicado quatro livros de poemas e, só por isso, já vale contemplar a obra de um dos mais ilustres autores do nosso país. Mas para falar do que começou no modernismo de Mário de Andrade e invadiu Vinícius, a melhor tradução desse amor do amor, das formas do amor, do amor efêmero, humilde, da saudade e sensual, já que, em seus poemas e letras de música, o amor e a mulher amada sempre estavam em primeiro lugar, seja pela conquista, seja pela beleza do ser amado, mas a cada estrofe está lá aquele amor que não se mede para a hora do pedido de perdão. Ou mesmo o amor eterno amor, para sempre com Eu sei que vou te amar, de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, que diz: Eu sei que vou te amar / Por toda a minha vida eu vou te amar / Em cada despedida eu vou te amar / Desesperadamente, eu sei que vou te amar / …; o amor que chega sem pedir autorização, quase não correspondido no poema Ternura, de 1938, que diz: Eu te peço perdão por te amar de repente / Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos / Das horas que passei à sombra dos teus gestos / Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos / Das noites que vivi acalentado / Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo.
Em Orfeu Negro, texto que estreou no teatro em 1956, mas que desde 1942, Vinícius perseguia a ideia de transpor o mito grego de Orfeu para uma favela carioca. Assim nasceu a tragédia carioca em três atos, história ambientada no Carnaval que apresenta um herói negro Orfeu, e sua amada, Eurídice. Ganhou Oscar como filme estrangeiro em 1959, dirigido por Marcel Camus, numa coprodução Brasil-França-Itália, e nova versão de Cacá Diegues em 1999, com o nome de Orfeu do Carnaval. O amor proibido e repleto de conflitos de Orfeu e Euridice também marcou o início da parceria com Tom Jobim, que assinou as trilhas da montagem teatral e do filme de 1959. Mas o texto de Vinícius de Moraes apresenta o Carnaval, a favela, o negro no protagonismo, mas todo o contexto estava a serviço da sua poesia, do amor de dois jovens, como diz uma das falar do personagem principal: São demais os perigos desta vida / Para quem tem paixão, principalmente / Quando uma lua surge de repente / E se deixa no céu, como esquecida. / E se ao luar que atua desvairado / Vem se unir uma música qualquer / Aí então é preciso ter cuidado / Porque deve andar perto uma mulher. / Deve andar perto uma mulher que é feita / De música, luar e sentimento / E que a vida não quer, de tão perfeita. / Uma mulher que é como a própria Lua: / Tão linda que só espalha sofrimento / Tão cheia de pudor que vive nua.”
Como não amar Vinícius de Moraes, como deixar de falar de obra tão fenomenalmente representada pelo amor e amizade entre o poeta e seus pares, pelo amor pelas mulheres, que dedicou muito da sua obra. Como Gilda, sua última mulher, 40 anos mais jovem, sua única viúva, como ele mesmo dizia que ela seria, que após um pedido de autógrafo em Niterói, no Rio de Janeiro, a jovem fã estudante de Letras, encontrou o poeta novamente em Paris uma década depois e se tornou sua mulher pelos dois últimos anos de vida de Vinícius de Moraes. E assim, Gilda Queiroz Mattoso deu ao Poetinha a leveza de jovem a um homem apaixonado, pelas mulheres e pela vida.
Para embalar o desejo de estar apaixonado, ficamos com o célebre Soneto da Fidelidade, que foi musicada por Tom Jobim e ganhou e ainda ganha estudos literários. Quem não amaria ter coragem de amar assim?
Viva Vinícius!! Viva o amor!
Soneto da Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento antes
E com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure
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