Uma mancha na história do Itamaraty
Ao declarar em CPI que não agradeceu à Venezuela por ter doado oxigênio a Manaus, o ex-chanceler Ernesto Araújo demonstrou ser o oposto do que deveria ser um diplomata
A passagem de Ernesto Araújo pelo Ministério das Relações Exteriores se converteu num dos piores e mais vergonhosos capítulos da história do órgão.
Araújo subverteu conceitos caros à política externa, por ser exatamente o oposto do que deveria ser um diplomata. Um representante da diplomacia deve ter o pragmatismo como bússola de suas ações. Isso significa deixar de lado ideologias, para se pautar pela defesa dos interesses nacionais, independentemente de quem está do outro lado da mesa de negociação. Na diplomacia não há amigos, mas sim parceiros em acordos. Não há afinidades, mas sim interesses em comum.
O que Araújo prega é exatamente o oposto. Adepto da doutrina tradicionalista – que é contra toda e qualquer ideia que aponte para o progresso -, e inclinado a teorias da conspiração, Araújo levou o Itamaraty a um atoleiro de constrangimentos. Alinhado à ideologia bolsonarista, o ex-ministro se engajou em uma luta contra o comunismo similar à de Quixote contra moinhos de vento. E o mais recente exemplo disso foi sua recente declaração na CPI da Covid de que não agradeceu à Venezuela por ter doado oxigênio a Manaus, durante a crise de desabastecimento na capital amazonense. Os caminhões enviados pelo país vizinho, com mais de 130 mil litros do insumo, foram cruciais para famílias manauaras que tinham algum ente querido morrendo por falta de ar. Mas para Araújo, isso estava em segundo plano. Mais importante para ele foi deixar claro que não conversa com bolivarianos. Talvez por isso, quando questionado sobre o agradecimento na CPI, respondeu negativamente, com um tom de orgulho, calcado no egocentrismo e na desumanidade.
Mas essa não foi a única ocasião em que Araújo colocou sua ideologia acima dos interesses nacionais. Em duas ocasiões, ele colocou de lado sua função de chanceler para assumir o papel de assessor do deputado Eduardo Bolsonaro, quando este usou suas redes sociais para gerar mal-estar diplomático com nossa principal parceira comercial, a China. Em outra ocasião, Araújo publicou um artigo vergonhoso para a política externa brasileira, no qual difundia a teoria fantasiosa que diz que a pandemia foi criada pela China para impor sua doutrina comunista no mundo. Segundo ele, o “comunavirus” serviria como ferramenta para viabilizar a vigilância do Estado, através da quarentena. Difícil imaginar uma vergonha maior para o Itamaraty do que ter sido chefiado, por dois anos, por alguém com essa mentalidade.
O que Araújo fez em seu tempo como ministro das Relações Exteriores foi reduzir o Brasil, de fato, à figura de um anão diplomático. Foi terminar de enterrar a política externa ativa e altiva, traçada pelo ex-chanceler Celso Amorim, que – entre 2003 e 2011 – colocou o Brasil como ator relevante no cenário internacional e líder entre países emergentes. É justo destacar que essa agenda já vinha definhando desde 2013, quando se iniciaram os abalos políticos e econômicos que levaram o país a voltar suas atenções para o cenário interno. Mas a passagem de Araújo pelo Itamaraty foi um prego no caixão dessa agenda, e será necessário tempo e muito esforço até que o país retome a credibilidade perdida frente ao cenário mundial.