Melissa Rocha – Jornalista – RJ
Editora-chefe: Letícia Fagundes

Um dos pontos cruciais a serem investigados pela CPI é a obsessão – e o gasto – do governo Bolsonaro com medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19

Os próximos dias prometem ser de intensa atividade no Senado, com o início dos trabalhos da CPI da Covid, prevista para ser instalada no próximo dia 27. As expectativas são altas. A comissão tem como objetivo investigar erros e omissões do governo federal na gestão da pandemia, que resultaram no caos sanitário em que o país se encontra hoje, e que, dentre outras coisas, levou a rede de saúde de Manaus a entrar em colapso no início deste ano.

Porém, um dos pontos cruciais a serem investigados pela CPI é a obsessão – e o gasto – do governo Bolsonaro com medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19. Desde que a pandemia chegou ao Brasil, o Planalto já gastou rios de dinheiro com a compra e a produção de medicamentos, que não foram adotados como tratamento por nenhum país do mundo. E por um motivo muitos simples: testes científicos mostraram que eles simplesmente não funcionam contra a doença. Se funcionassem, não estaríamos mais numa pandemia.

Para ter uma ideia do desperdício: até janeiro deste ano, já chegava a quase R$ 90 milhões o gasto do governo com medicamentos como a cloroquina, ivermectina e azitromicina – que compõem o chamado “kit covid” para tratamento precoce. E em dezembro do ano passado, a previsão do Ministério da Saúde, então sob o comando de Eduardo Pazuello, era gastar R$ 250 milhões com a distribuição do kit covid no programa Farmácia Popular.

Fato é que a verba que foi desperdiçada com remédios ineficazes poderia ter sido usada para salvar vidas. No ano passado, um levantamento da Controladoria-Geral da União apontou que o preço médio pago por estados e municípios por um respirador mecânico era de R$ 87 mil. Se levarmos em conta essa estimativa, com os R$ 90 milhões gastos por Bolsonaro com o kit covid, poderiam ter sido comprados 1.034 respiradores. E se em vez de gastar com a distribuição do kit em farmácias, Pazuello tivesse destinado a verba para a compra de respiradores, outros 2.873 aparelhos teriam sido adquiridos. Isso apenas projetando a compra de respiradores. Essa verba também poderia ter sido destinada, por exemplo, à abertura de leitos de UTI para covid.

Um aspecto vil da obsessão do governo Bolsonaro com o kit covid é que o estímulo ao tratamento precoce é fruto de uma manobra política, que tem como único objetivo agradar eleitores e tentar garantir a reeleição em 2022. Aparentemente, nesse projeto de poder, não importam as vidas que vão ficando pelo caminho.

Voltando ao tema da CPI, outro fato que precisa ser investigado pela comissão envolve a compra de outro kit, o chamado “kit intubação”, que é composto de medicamentos cruciais para intubar pacientes. A intubação é um processo doloroso e agressivo para o corpo, por isso o procedimento necessita que o paciente esteja sedado. Antes, estados e municípios compravam diretamente de laboratórios os sedativos e analgésicos necessários para intubação, e a compra era feita de acordo com a demanda. Porém, em março deste ano, ainda na gestão de Pazuello, o Ministério da Saúde decidiu centralizar a compra, retirando de estados e municípios o controle sobre a aquisição. Isso gerou um gargalo na distribuição, que, por sua vez, levou à escassez dos medicamentos em hospitais. Como consequência, pacientes intubados começaram a acordar e a saída encontrada por médicos e enfermeiros foi amarrá-los no leito. A CPI tem o dever de investigar que motivos levaram Pazuello a tomar uma decisão que teve tais consequências catastróficas, para não dizer desumanas.

Além dessas, há muitas e muitas outras questões a serem respondidas na CPI da Covid, como por que o Brasil, na contramão do mundo, não fez uma barreira sanitária em aeroportos para checar se havia infectados por covid nos voos que chegavam ao país? Por que sequer mediam a temperatura dos que desembarcavam? Por que Bolsonaro se reuniu, várias vezes, com empresários, mas nunca com médicos e infectologistas – salvo em uma ocasião na qual aceitou se reunir com médicos que eram abertamente a favor do tratamento precoce?

A CPI da Covid é a chance de o Brasil concluir, de uma vez por todas, se a má gestão da pandemia foi um ato deliberado ou fruto da incompetência da gestão atual. É também a chance de trazer justiça às famílias das mais de 370 mil vítimas da pandemia.