A pandemia antecipou o que os especialistas já acreditavam ser o novo modelo de trabalho no futuro: o home office e o trabalho remoto. Aos poucos, o velho conceito de escritório poderá ser esquecido

Por Daniele Haller
daniele.haller@mulheresjornalistas.com

Em meio às mudanças imediatas que foram necessárias diante da maior crise sanitária do mundo, as empresas precisaram enfrentar um grande desafio e implementar um novo modelo de trabalho que, apesar de já ter sido adotado por muitas empresas, algumas ainda temiam; o trabalho à distância. Dentre as vantagens dessa decisão, estavam fatores como a continuidade dos trabalhos, o impedimento de demissão em massa e a queda financeira definitiva das empresas. Atualmente, um ano após essa decisão, muitas pessoas ainda trabalham em home office. O que elas contam sobre essa experiência e o que especialistas dizem a respeito?

De acordo com a pesquisa feita por David Mott, um investidor de risco e fundador da Oxford Capital, firma de investimento imobiliário localizada em Londres, a COVID19 trouxe uma oportunidade de reinventar o modelo de trabalho. Em entrevista concedida à BBC News, o investidor falou da pesquisa que realizou sobre trabalho remoto e chegou à conclusão de que pode existir, atualmente, até cinco modelos, são eles:

Escritório totalmente remoto
Esse modelo permite a possibilidade de novas contratações em lugares distantes, além da oportunidade “para expandir talentos” ,contratando pessoas de regiões distantes, além de economia de custos.

O modelo híbrido
Dois dias de trabalho no escritório e o restante em casa, por semana. Esse tipo de modelo deve passar por entendimento e estratégias das empresas, pelas questões como a qualidade da conexão de internet e condição no ambiente familiar dos funcionários.

Modelo remoto ‘plus’
Nesse caso, os funcionários podem trabalhar uma semana no escritório, por mês, e o restante de forma remota. O modelo permite que as pessoas tenham a flexibilidade de trabalhar remoto e tenham pelo menos uma semana de trabalho com sua equipe.

Hub e Spoke
Nesse modelo, a empresa poderá expandir seus escritórios remotos em várias regiões, sejam cidades ou países diferentes, aproveitando as competências locais. A ideia é que os funcionários que morem na mesma área possam se socializar mais frequentemente ou usufruir do conceito WFA (trabalhe de onde quiser).

Tempo de qualidade
Aqui, o que realmente importa é o resultado do trabalho, para aquelas empresas que trabalham sem fiscalizar o horário, levando em consideração a qualidade do resultado. Segundo David Mott, cada um é diferente, portanto, o que realmente importa é o trabalho entregue.

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Klaus Liebert- Controller Financeiro

Um ano de trabalho à distância trouxe novos desafios e experiências não só para as empresas, mas também para os funcionários que, ainda hoje, continuam trabalhando de casa, como é caso de Klaus Liebert. Nascido no Rio de Janeiro e crescido em Curitiba, ele mora na Alemanha e trabalha como controller financeiro em uma empresa de produção de peças automotivas. Desde o início da pandemia ele tem feito o home office e afirma que ,antes da Covid-19, o trabalho remoto já era algo em que pensava: “Sempre gostei da ideia, e cogitava, caso mudasse de emprego, em procurar algo flexível sem obrigatoriedade presencial”. Sobre os prós do modelo de trabalho, ele cita a flexibilidade e conforto, mas diz que é necessário domar a flexibilidade, pois pode ser muito estressante: “O trabalhador pode complicar a própria vida e ficar mais vulnerável à exploração de chefes pouco experientes ou até mal-intencionados”, finaliza.

Ana Virgínia Gurgel- Secretaria do Estado do Ceará

A funcionária pública, Ana Virgínia Gurgel, trabalha na equipe de gestão da Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará e diz que está desde 18 de março de 2020 em tele trabalho. Apesar de ter retornado parcialmente ao trabalho presencial em agosto do ano passado, ela conta que, em novo decreto do Governo, precisou retornar ao home office até o fim de fevereiro de 2021. Segundo Ana Virgínia, ela já havia pensado, antes da pandemia, sobre a possibilidade de trabalhar de casa, mas a estrutura da Secretaria não permitia. Ela acredita, mesmo reconhecendo os lados positivos e negativos, que o home office é uma modalidade válida: “Eu organizei na minha casa um espaço de escritório: comprei mesa, cadeira, material de escritório e deixo esse local para trabalhar. Me ajuda a separar a rotina do meu dia”.

Mayana Ribeiro é atendente de telemarketing e mãe de duas crianças de oito e onze anos, ela conta que está em home office desde abril de 2020, precisou ir à empresa apenas para questões técnicas. Apesar de nunca ter cogitado a ideia de trabalhar de casa, ela comenta que, hoje, gostaria muito que continuasse o home office : “Desde o início da pandemia, sempre achei que o trabalho em home office seria a melhor opção. Por eu ser mãe, nas minhas pausas consigo fazer algumas coisas com meus filhos, tipo fazer uma merenda, acordar eles de manhã e saber que eles estão bem, porque estou ali perto deles”, relata.

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Danielle Maia- Socióloga

Danielle Maia é Socióloga e professora na Universidade de Fortaleza, ela coordena o Levim (Laboratório de Estudos sobre Violência contra mulheres, meninas e minorias), onde está iniciando um projeto de pesquisa sobre a carreira profissional docente, inclusive refletindo no contexto da pandemia. Ela respondeu algumas perguntas à repórter Daniele Haller, do Instituto Mulheres Jornalistas.

MJ- O trabalho em Home Office pode ser uma problemática para as mulheres mães?

Danielle Maia– Conforme mostram os dados, a questão central da problemática não reside no trabalho Home Office, mas que as responsabilidades domésticas, especialmente os cuidados com os filhos, ainda são culturalmente exigidos das mães. Isso mostra homens e mulheres em situação de desigualdade quando se trata das responsabilidades com rotinas domésticas e cuidados com os filhos.

MJ- Você acredita que o home office trouxe algo positivo para as mães que estão trabalhando de casa?

Danielle Maia- Se para algumas mulheres a pandemia trouxe a oportunidade de conviver mais de perto com os filhos, desfrutando um tempo antes negado por diversas razões, por outro lado, para muitas outras mulheres, a pandemia trouxe uma sobrecarga de trabalho e danos psíquicos severos. É preciso pensar ainda no contexto social de cada mulher. Algumas, dada sua condição social, não podem contar com nenhuma rede de apoio, diferentemente de outras, cuja renda, por exemplo, permite estabelecer vínculos com outras pessoas que colaborem na divisão das atividades domésticas.

MJ- Poderia dar um exemplo de um Home Office ideal para as mães?

Danielle Maia- O trabalho home office revela como ainda é fortemente naturalizado que determinados papéis cabem às mulheres, sobretudo quando se trata dos cuidados rotineiros com os filhos, como alimentar, dar banho, acompanhar as atividades escolares (em contexto online), entre outras inúmeras funções cujo tempo deveria ser dividido. Logo, não há como pensar em um contexto ideal de home office, pois cada família tem sua própria coreografia, sua dança particular. O que é urgente pensar é que muitas mulheres também planejam ter carreira profissional e, dessa forma, precisam contar com seus parceiros quanto à divisão das tarefas, descontruindo definitivamente ideias como: “somente mãe sabe fazer cuidar dos filhos”, “homem não tem jeito para fazer isso ou aquilo”, “isso é papel de mulher”.

Sobre possíveis modelos de trabalho no futuro e as mudanças causadas pela pandemia no ambiente institucional, nos concedeu

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Lud Pimenta- CEO da Rhlab

entrevista, Lud Pimenta, CEO do RHlab- Laboratório de construção do futuro do trabalho.

MJ- Diante da atual realidade, o escritório irá se tornar passado?

Lud Pimenta- Definitivamente ele vai ter outros papéis, se abre um leque de oportunidades, inclusive, quando a gente começa a olhar o escritório de uma forma mais ampla e não lugar onde você vai para trabalhar ou que você precise estar nele. Muita gente, inclusive muitas empresas, começaram a repensar seus espaços, tiveram empresas que começaram a reduzir os espaços por conta do trabalho que se tornou remoto.

MJ- Qual será a nova realidade nos escritórios?

Lud Pimenta- O que a gente tem percebido é que o fato de todo mundo ter vivenciado isso (home office), alavancou comportamentos. Acelerou alguns futuros possíveis, inclusive essas pautas que estão sendo discutidas que é Working from anywhere, que é trabalhe de onde você quiser. Então, isso tem mudado de fato o modelo de trabalho, por conta até da própria necessidade humana de querer ter mais flexibilidade, de querer buscar outros lugares. Teve pessoas que se perceberam muito mais criativas trabalhando na frente da praia, quem não quer, não é?

MJ- Para uma empresa, quais são as vantagens do trabalho remoto?

Lud Pimenta- Uma das vantagens do trabalho remoto é a economia da empresa, principalmente com relação à energia, água, tudo que é relacionada a consumo geral das pessoas, isso não quer dizer que algumas empresas não fornecem esses tipos de benefícios para as pessoas que estão trabalhando remotamente.

MJ- Você acredita que, para dar certo para ambas as partes (empresa e funcionário), é necessário pensar em um modelo de home office que caiba na realidade de funcionários que são pais, por exemplo, mais especial as mães?

Lud Pimenta- Estamos em uma situação muito peculiar, porque as crianças não estavam indo para escola e todo mundo trabalhando dentro de casa, então, a gente precisa levar em consideração isso. De fato, estamos numa cultura onde as mulheres são realmente muito sobrecarregadas na família. Até a própria cultura organizacional reflete isso também. Então, se há alguma coisa que a gente pode fazer é começar a trabalhar esses aspectos, inclusive esses tabus com os próprios homens, porque às vezes, a gente até alavanca esse tipo de cultura na nossa própria organização. Então, a gente pode sim, principalmente profissionais de recursos humanos, trazer essa pauta, essas discussões para dentro da organização para tentar reduzir essa realidade que de fato acontece, mas a gente tem que levar muito em consideração de que nós não estamos numa situação ideal de Home Office.

MJ- O que essas mudanças significam para os profissionais de Recursos Humanos?

Lud Pimenta- A área de RH precisa se adaptar a pessoas com várias situações de trabalho, com vários modelos de trabalho acontecendo no mesmo ambiente. E isso vai exigir uma flexibilidade de aprender, uma flexibilidade de atuação do próprio profissional de recursos humanos, como fluidez do processo. Então, tem que repensar todos os processos para o remoto, isso vai exigir sim da área de RH uma requalificação, uma aprendizagem de novas habilidades, de novas resoluções de problemas, de novas situações e problemas que estão surgindo. Esse profissional vai ter duas saídas; ou ele vai começar a desaparecer e vai começar a surgir um outro
tipo de profissional mais estratégico, ou de fato ele vai assumir essa crise, ele vai ser um profissional muito importante dentro da organização.