Terroir brasileiro
Por Giselle Cunha, Jornalista- RJ
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
Quais os tipos divididos por região e quais uvas predominam no plantio
Degustar um bom vinho é um dos poucos prazeres que nós, meros mortais, podemos aproveitar. A variedade de sabores e cores fazem desta bebida algo tão especial que se perpetua por séculos na história da humanidade.
Você sabe o que significa esse termo Terroir? De acordo com a definição da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), “Terroir é um conceito que remete a um espaço no qual está se desenvolvendo um conhecimento coletivo das interações entre o ambiente físico e biológico e as práticas enológicas aplicadas, proporcionando características distintas aos produtos originários deste espaço”. Ou seja, trata-se de um conjunto formado pelo solo e clima local, onde permite o cultivo de uvas que resultam em tipos e qualidades exclusivas da bebida. Não existe uma tradução exata da palavra que é de origem francesa.
Terroir no Rio Grande do Sul
O maior estado produtor de vinho do país conta um clima predominantemente frio. No final do século XIX, imigrantes italianos foram os responsáveis por trazerem as primeiras mudas de uvas finas para o Brasil. A região conta com uma grande variedade de uvas. Franciele Santos, enóloga, sommelier e embaixadora do Grupo Famíglia Valduga, detalha as uvas e suas características.
1. Merlot
Rainha da Serra Gaúcha, não é à toa que a Merlot é a principal uva da Denominação de Origem (DO) Vale dos Vinhedos. Típica da França, onde elabora grandes vinhos de renomadas regiões, mostrou-se perfeitamente adaptada ao solo basáltico e delicada insolação. A grande vantagem desta variedade é sua maturação precoce em comparação a outras castas, fugindo das chuvas no final do verão e podendo ser colhida em plena maturação. A principal característica dessa casta é produzir vinhos fáceis de beber — e isso não quer dizer que são de baixa qualidade. Pelo contrário: no Brasil, os rótulos de Merlot apresentam coloração rubi, com aromas frutados e paladar macio e redondo. Costumam ter acidez marcante e corpo médio.
2. Cabernet Sauvignon
A mais produzida e consumida no mundo, facilmente encontrada em todo o território gaúcho. A robusta Cabernet Sauvignon também é produzida na Serra Gaúcha e, embora seja uma uva de final de ciclo, possui maior resistência à umidade, se compararmos com a Merlot, devido sua casca mais espessa.
Além da Serra Gaúcha, também tem destaque na região da Campanha, quase na fronteira com o Uruguai. Com solo arenoso, boa amplitude térmica e insolação, além da baixa pluviosidade durante a maturação das uvas, os vinhos lá produzidos apresentam grande tipicidade. Ela ainda é cultivada com sucesso na Serra do Sudoeste, que engloba as cidades Pinheiro Machado e Encruzilhada do Sul.
A Cabernet Sauvignon produz vinhos com boa estrutura e intensidade aromática. Falando em aromas, destacam-se as notas de pimentão verde e especiarias (principalmente pimenta-do-reino). Seu sabor é picante e levemente herbáceo. Quando jovem, pode apresentar taninos um pouco ásperos e duros, que com o tempo se tornam aveludados e elegantes. É uma uva com um grande poder de envelhecimento dependendo da safra e da proposta da vinícola.
3. Tannat
Uva emblemática do Uruguai, a Tannat ganha cada vez mais espaço no Rio Grande do Sul. Essa casta tem se adaptado com perfeição a região da Campanha Gaúcha, caracterizada pelo Bioma Pampa com longas horas de sol, fazendo com que a planta concentre açúcares e matéria corante, conseguindo equilibrar sua elevada carga tânica.
Em geral, a Tannat possui alto teor alcoólico, coloração violácea, além de ter abundância de taninos. Possui o couro como principal descritor aromático, podendo ser consumida após alguns anos de garrafa. Muito utilizada em cortes com outras variedades, visto que agrega cor e estrutura a cepas menos robustas.
4. Pinot Noir
Famosa pelos elegantes vinhos da Borgonha, a Pinot Noir é uma uva de dificílimo cultivo, adequando-se a poucos terroirs fora do território francês. Ainda assim, encontrou nos Campos de Cima da Serra, no noroeste do Rio Grande do Sul, um outro lar. A região abriga os vinhedos mais altos do estado e tem grande influência do frio, com invernos rigorosos e verões com dias muito ensolarados e noites de baixas temperaturas. A realidade climática parece — e é! — ideal para o cultivo de uvas brancas. Mas não se esqueça de que a Pinot Noir, apesar de tinta, gosta dessas condições. Seus vinhos apresentam coloração pouco intensa, mas não se engane com isso: são saborosos, perfumados e com taninos muito delicados, porém firmes. Ela também é muito utilizada na produção dos espumantes, em parceria com a Chardonnay.
5. Moscato
Há quem diga que a grande vocação do Brasil é a produção de espumantes. Muito cultivada no município de Farroupilha, ela dá origem, além dos espumantes, aos vinhos tranquilos muito aceitos pelo mercado nacional, ainda mais em regiões quentes. Seu aroma é muito característico, remetendo a mel, pêssego, uva madura, damasco e um suave toque floral. Altamente versátil, é capaz de produzir vinhos secos, espumantes e vinhos de sobremesa. Em terras tupiniquins, é usada em grande escala para os espumantes moscatéis, que apresentam graduação alcoólica mais baixa, doçura marcante e aromas acentuados. Essas particularidades conquistaram paladares ao redor do mundo todo.
6. Chardonnay
Uva branca mais consumida no mundo, a Chardonnay prefere as temperaturas mais baixas. Por isso, adaptou-se muito bem ao clima dos Campos de Cima da Serra. Ela também é cultivada na Serra Gaúcha e em Pinto Bandeira. Na última região, destacam-se os espumantes.
Ela pode dar origem a vinhos leves e frescos ou encorpados e complexos — tudo depende do local onde é plantada e o método de vinificação. No Rio Grande do Sul, a uva amadurece rapidamente e é colhida antes das chuvas.
Seus vinhos são ricos em aromas e sabores, com destaque para frutas cítricas como abacaxi e pera. Quando estagia em barricas de carvalho, possui tendência a aromas amanteigados e delicados toques de baunilha.
7. Riesling
Entre as uvas viníferas que melhor se adaptou ao Brasil, a Riesling chegou à Serra Gaúcha em meados dos anos 70, época em que era muito utilizada para a produção de espumantes. A partir da década de 90, no entanto, o número de vinhos tranquilos à base desta casta começou a aumentar.
Entre as características da Riesling na Serra Gaúcha estão o baixo teor alcoólico e os aromas florais e frutados, muito importantes em brancos jovens. Os vinhos são leves, frescos e minerais.
Fonte: https://blog.famigliavalduga.com.br/vinhos-do-rio-grande-do-sul-quais-uvas-se-adaptam-bem-em-cada-regiao/
Terroir em Santa Catarina
A região teve seu reconhecimento com o registro da Indicação Geográfica de Procedência como Vinhos de Altitude, concedido em junho deste ano pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). A partir de 2022, assim como ocorre com o “Vinho do Porto”, de Portugal e da “Champagne”, da região de Champagne, na França, os Vinhos de Altitude de Santa Catarina terão através do selo a proteção das características únicas de solo, altitude, clima, variedade de uvas e técnicas de cultivo. As uvas predominantes para cultivo nesta região são Marselan, Arinarnoa, Teroldego, Nebbiolo, Cabernet Sauvignon, Tannat, Tempranillo, Gewürztraminer, Viognier entre outras. O clima é identificado é constituído com invernos rigorosos e primaveras mais secas.
Terroir no Sudeste e Centro-Oeste do Brasil
Localizadas fora dos paralelos 30 ou 50 dos hemisférios norte e sul, essas regiões vem crescendo sua produção de vinhos e ganhando cada vez mais destaque. O segredo é o investimento em técnicas e a modernização que permitem criar o ambiente e a temperatura ideais para o cultivo. As principais uvas cultivadas são Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon, Tempranillo, Merlot, Sauvignon Blanc, Syrah, Viogner e Chardonnay.
Terroir no Nordeste
Contrariando todas as estimativas relacionadas a condições favoráveis de plantio, essa região, tipicamente mais seca e que recebe em torno de 3 mil horas de sol por ano, consegue manter o cultivo de uvas como Shiraz, Chenin Blanc, Moscatel e Touriga Nacional. O clima também permite a produção de vinhos com maior teor de açúcar, mais fáceis de beber.
No mundo, estima-se cerca de 5 mil variedades de uvas viníferas. Para a produção de vinhos brancos, as mais utilizadas são a Chardonnay, Sauvignon Blanc e Riesling e, para os vinhos tintos, o destaque vai para as uvas Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec, Carmenère, Syrah e Pinot Noir. O país que se destaca com a maior variedade de plantio é Portugal.
O Instituto Mulheres Jornalistas entrevistou Paulo Palheiros, que é sommelier e proprietário da empresa Mondo Divino Vinhos.
Instituto Mulheres Jornalistas (MJ): As condições climáticas influenciam no sabor da uva?
Paulo: Sim influenciam e, consequentemente, no sabor do vinho. Quando falamos em clima, pensamos no Ciclo Biométrico. Existem locais onde os índices de chuvas são mais altos, caso o terreno não tenha uma boa drenagem, a uva é constituída 80% por água, a videira absorve esse excesso de água e acaba diluindo todos os sabores que fazem parte daquele fruto, os taninos, as antocianinas, que são os polifenóis. Já em climas mais quentes, a uva desidrata e amadurece melhor, portanto o açúcar se desenvolve de forma mais fácil. No primeiro exemplo das chuvas, quando você recebe a uva na vinícola que tenha absorvido uma quantidade exagerada de água é complicado, pois ela também terá o seu teor de açúcar impactado, o que acaba atrapalhando o processo de transformá-la em vinho, pois é o açúcar através das leveduras que é convertido em álcool. Ou seja, provavelmente esse produto precisará sofrer uma intervenção do enólogo.
MJ: Quanto tempo, em média, demora o processo total de um vinho?
Paulo: Depende do vinho. Se for um vinho comercial e tinto, passará pelas etapas da maceração, transfega, clarificação ou não, filtragem, será uma bebida com tratamento rápido devido aos fins comerciais. No caso de vinhos que tenham passagem em barrica, podem ficar por um ano ou dois, o tempo será determinado de acordo com o produtor. Outra opção é ficar por um período na própria garrafa, que é o caso dos Champagnes Miléssimé, que são dos champagnes safrados, depois que as leveduras morrem na segunda fermentação ele pode ficar de três a oito anos dentro da garrafa sobre as borras para pegar mais complexidade, antes que seja aberto para limpar essas borras ou não, porque tem vinhos que são chamados de Sur Lie, que tem até a aparência meio turva, pois eles ficam sobre as borras. Então vai depender muito do vinho e da forma que você quer produzir e colocar no mercado.
MJ: Qual a diferença dos tipos de Terroir existentes no Brasil para outros países no mundo?
Paulo: O Brasil tem os climas temperado, tropical, quente, frio e outros. Quanto mais fria a região, os vinhos tendem a serem mais ácidos, menos encorpados, com menos taninos, menos açúcares e menor teor alcoólico. O oposto ocorre em regiões mais quentes. No Chile, existe um aspecto extraordinário, o país divide com a Argentina a Cordilheira dos Andes de um lado e do outro tem o oceano. Nesse lado dos Andes, os produtores se beneficiam com o degelo da Cordilheira para a irrigação do solo, por se tratar de uma água mais pura. Lá mesmo, as videiras são plantadas através de uma técnica chamada pé franco, onde não é utilizado o enxerto no plantio. Em Portugal, existem vinhas plantadas na areia, no Vale de São Francisco é uma região semiárida, ou seja, existe uma grande variação de terroir pelo mundo.
MJ: Como funciona a precificação dos vinhos?
Paulo: O processo em si é bem parecido com a rotina de qualquer empreendimento. É necessário avaliar o Markup, as despesas fixas, as despesas variáveis e o quanto você pretende vender para cobrir os gastos e obter lucro. Vinhos de outras regiões ainda terão um custo maior devido ao transporte, portanto o ideal é avaliar previamente todos esses pontos.
MJ: Qual a diferença entre os vinhos fechados com a rolha de cortiça, rolha sintética e tampa de rosca?
Paulo: Atualmente, 95% dos vinhos colocados no mercado são comerciais, são feitos para serem consumidos no máximo em 5 anos. Quando se trata de um vinho de guarda longa e ele precisa da entrada do oxigênio para se beneficiar, a rolha de cortiça é fundamental. Houve uma época que a rolha de cortiça custava mais do que a garrafa. Essa rolha se origina de uma árvore chama Sobreiro, sua maior concentração se dá em Portugal. Para tirar a primeira casca desta árvore, são necessários 25 anos e essa primeira casca ainda não é apropriada para a confecção da rolha, acaba sendo utilizada para revestimento de parede, tapetes, bolsas e outras coisas. A segunda tiragem (Secundeiro) dessa casca acontece 9 anos após a primeira tiragem, só nisso somam-se 34 anos e ainda esta casca não está apta para a produção da rolha, somente na terceira tiragem, que somam mais 9 anos de aguardo, que o material fica apropriado para a confecção da rolha de cortiça. Devido a toda essa dificuldade, os produtores viram a necessidade de criarem outras alternativas. A finalidade da rolha é vedar o líquido da garrafa, salvo algumas exceções, portanto não havia uma real necessidade de se investir tanto. Tanto os vinhos que utilizam a rolha sintética quanto a tampa de rosca (chamada de Screw Cap) não são considerados inferiores, apenas atende à necessidade do produtor de acordo com o tipo de vinho que ele trabalha.
MJ: Quais são as melhores opções para quem está iniciando no mundo dos vinhos?
Paulo: Existe uma discussão a respeito dos vinhos suaves, inclusive já vi profissionais afirmando que esse tipo de bebida não se enquadra como vinho. Se a gente for ver pela Lei número 7678, Art. 3º, “Vinho é a bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura.” Ou seja, em nenhum momento é dito que a categoria suave não seja considerada vinho, pelo contrário, existe uma Lei complementar, número 10.970, em que nas letras F e G são especificados os termos: suave e doce. Dito isso, a melhor maneira de introduzir é experimentar as vertentes existentes e iniciar pela qual você se identifica.
Especialmente neste período de pandemia, houve um crescimento expressivo no consumo de vinhos, inclusive espumantes. Não existe o menor problema se você quiser iniciar pelo vinho suave, depois passar para vinhos com menos taninos e assim por diante. Não se desespere ao ler em rótulos, notas de amoras, morangos, caramelo, esquece isso! Não é o rótulo que vai te guiar porque existem os aromas primários do vinho, os aromas próprios daquela uva. Depende muito se você tem uma memória olfativa boa, mas vale a pena treinar. Se não quiser iniciar pelos vinhos suaves, você pode optar por vinhos mais leves, com menos taninos, pouco ácidos para que o paladar possa aos poucos ir se adaptando.