O presidente deu a declaração após contrariar as recomendações do próprio Ministro da Saúde sobre o isolamento social

Por Regina Fiore – São Paulo

Neste domingo, 29 de março, o presidente Jair Bolsonaro contrariou mais uma vez a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de seu próprio Ministro, o médico Luiz Henrique Mandetta, e saiu do Palácio da Alvorada para dar uma volta pelo Distrito Federal, em visita ao Hospital das Forças Armadas (HFA) e às cidades-satélite de Taguatinga e Ceilândia. 
 
Após as visitas, nas quais teve contato com diversas pessoas, deu uma entrevista coletiva polêmica e trouxe argumentos sem nenhuma comprovação para, mais uma vez, defender o isolamento apenas das pessoas consideradas do grupo de risco: “Tem mulher apanhando em casa. Por que isso? Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Como é que acaba com isso? Tem que trabalhar, meu Deus do céu”. 
 
A fala do presidente não foi baseada em pesquisas ou qualquer estudo, mas revela uma tentativa distorcida de isentar os agressores da violência doméstica, como se a simples convivência diária com as mulheres fosse responsável pelo aumento de casos de abusos e agressões. No Brasil, 12 mulheres são assassinadas por dia, sendo que 40% dos casos é resultado da violência doméstica. 
 
O presidente usa, mais uma vez, seu discurso para comentar de forma rasa assuntos preocupantes que não necessariamente são consequências um do outro: o agravamento da pandemia e a preocupação (ou falta dela) com a saúde da população, as questões econômicas relacionadas ao desemprego e à crise econômica iminente e a violência doméstica contra a mulher. 
 
O COVID-19 apresenta risco para as mulheres em situação de vulnerabilidade, não pelo simples fato de estarem convivendo mais tempo com os seus maridos, mas por limitar seus recursos vindos de trabalhos informais, por exemplo. Se um homem precisa sair de casa para não agredir a mulher que mora com ele, o problema vai muito além do aspecto econômico é muito mais grave do que ele ter ou não emprego. 
 

A violência doméstica já existia muito antes da pandemia do novo Coronavírus e continuará existindo enquanto as autoridades não implantarem políticas públicas eficientes para o combate ao abuso de mulheres em toda a sua cadeia: para a mulher que é agredida, o incentivo e a possibilidade de denúncia e acolhimento; para o agressor, punição, medidas de afastamento e aconselhamento obrigatório; para as crianças, educação sobre violência de gênero e masculinidade tóxica.

 

Políticas para o combate à violência doméstica na gestão Bolsonaro
 
Desde que assumiu a presidência em 2019, Jair Bolsonaro e seu governo tem mostrado certa ineficiência quando o tema é combate à violência doméstica de gênero. Sua primeira grande decisão em relação ao tema foi colocar Damares Alves à frente do então recém-criado Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. 
 
A Ministra já se envolveu em polêmicas, como sua declaração no lançamento de um programa de combate ao abuso infantil em Marajó (PA) de que “as meninas lá são exploradas porque elas não têm calcinha, não usam calcinha, são muito pobres” Damares também é conhecida por seu perfil mais conservador, muito ligado à bancada evangélica. 
 
Em 2019, Bolsonaro sancionou alterações na Lei Maria da Penha que dividiu a opinião de especialistas. A nova lei autoriza que, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima, o agressor seja imediatamente afastado do local de convivência. Depois do afastamento imediato, caso seja comprovada a necessidade de medida de proteção de urgência, o agressor será preso sem possibilidade de liberdade provisória.
 
O cumprimento da lei cabe à autoridade judicial: delegado de polícia ou policial pode realizar o afastamento imediato do agressor denunciado e deve comunicar em 24h o juiz responsável pela região, que tem o mesmo prazo para reiterar ou revogar a medida e comunicar o Ministério Público Federal para que as providências sejam efetivas.
 
Muitos especialistas reconheceram o avanço que a lei pode trazer na questão da agilidade do cumprimento das medidas protetivas, o que pode salvar muitas vidas em perigo eminente, mas reconhecem que o avanço ainda é muito pequeno, já que grande parte das vítimas retiram as acusações ou nem mesmo chegam a fazer as denúncias por medo do agressor. 
 
Outra parte da lei sancionada indica que o agressor terá que arcar com todos os custos do Estado para prestar atendimento à vítima e devolver ao Sistema ùnico de Saúde (SUS) o dinheiro gasto ao prestar socorro a essas mulheres. Especialistas afirmam que este ponto pode inibir algumas denúncias, já que as mulheres sem poder aquisitivo são a grande maioria que utilizam o SUS para atendimento e, com essa sanção, podem não fazer a denúncia para que o companheiro não deixe de contribuir com os gastos com os filhos, por exemplo. 
 
Outro dado ainda mais preocupante é o que foi revelado no início de 2020: o principal programa de combate à violência contra a mulher, chamado de “A Casa da Mulher Brasileira”, não recebeu o repasse previsto em todo o ano de 2019. Lançado na gestão de Dilma Rousseff, em 2015, o programa apoia mulheres que sejam alvo de violência causada por desconhecidos, companheiros ou familiares. 
 
No começo do ano, a Ministra Damares afirmou que não houve repasse para a construção de unidades para atendimento das vítimas pelo atraso de contrato com a Caixa Econômica Federal, que financia o projeto, e afirma que a pasta não tem o dinheiro necessário para manter a iniciativa funcionando. 
 
Entre 2015 e 2019, o orçamento da Secretaria da Mulher, órgão de responsabilidade da pasta de Damares, foi reduzido de R$ 119 milhões para R$ 5,3 milhões. Um levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo mostra que, no mesmo período, os pagamentos para atendimento às mulheres vítimas de violência recuaram de R$ 34,7 milhões para R$ 194,7 mil.