Por Regina Fiore, Jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista

Na reta final da corrida, os concorrentes dão aquele gás, apertam o passo, respiram mais rápido, dão tudo de si para chegar ao pódio. É corrida eleitoral, não é jogo de futebol

Faltam menos de 10 dias para as eleições deste ano, tão esperadas por nós (sim, aqui estou segregando a minha turma do resto da população) desde o resultado de 2018. O ditado “se fosse uma cobra, me picava” nunca fez tanto sentido: era uma cobra, e picou, e matou quase 700 mil pessoas, em um dos maiores índices mundiais de mortalidade da pandemia – não sou eu quem está falando, é a OMS. Se bem que, desde 2018, surgiu de todo canto gente que nem na OMS acredita mais.

A cartilha Olavo de Carvalho (para registrar, 1947 – 2022) é verdadeira, é perigosa – e pauta quase todas as discussões mais absurdas que tivemos durante os últimos quatro anos: nazismo de esquerda, terraplanismo, vacina que implanta chip ou causa autismo, ameaça comunista invisível, kit gay, ideologia de gênero, imprensa que conspira para implantar o comunismo no Brasil. 

Acho que alguém deveria reescrever “O mínimo que você precisa saber para não parecer idiota em 2022” para dizer exatamente o contrário do que Olavo escreveu em seu best seller de 2013. Olavetes podem não gostar de ouvir, mas o guru do governo – que estamos atravessando com mais dificuldade do que fazer trilha de chinelo (já fiz algumas, dá sempre errado), era uma soma de narcisismo, traços sádicos e obsessivos – assim como seu principal seguidor, o próprio atual presidente. 

Nesta reta final, os candidatos farão de tudo para conquistar nossos votos, ou pelo menos nossa atenção – que já é metade do caminho andado, quando o assunto são as eleições. Aliás, alguém também precisa cunhar a “Teoria da Facada”, no ramo da Sociologia ou da Comunicação. Já que o horário eleitoral não é suficiente, virar notícia é uma forma que mostrou-se bem eficaz de promover a própria candidatura. 

A essa altura, a maioria de nós já escolhemos em quem vamos depositar nosso voto no próximo dia 02 (domingo), mas alguns ainda estão titubeando, ou mesmo querendo colaborar para arrastarmos a eleição para o segundo turno – o que, na avaliação de muitos cientistas políticos e análises diárias, seria um pouco imprudente neste momento. A decisão na verdade está aí: se vai ou não ter segundo turno nas eleições de 2022, tratando-se da eleição para o governo federal, o chefe do Executivo, o presidente da República. 

Lula ser eleito logo no primeiro turno deixaria alguns recados importantes para toda a classe política e de empresários do Brasil: quase 700 mil mortes é inaceitável, 33 milhões de pessoas passando fome é inconcebível, pessoas comprando ossos para comer é desumano, a Terra é redonda, vacinas salvam vidas e ninguém mais suporta viver num país sem esperança e sem relevância, onde as pessoas são incentivadas a “metralhar a petralhada”. Precisamos voltar para a órbita da democracia com urgência, ainda que, em 2023, exista uma oposição ferrenha ao Lula e ao PT. 

Precisamos voltar a poder expressar opiniões sem medo de represálias ou de sofrer violências físicas. Precisamos voltar a discutir ideias reais, que nos levem para frente, em vez de ficarmos envergonhados com um presidente que desrespeita uma jornalista no exercício de sua profissão, dizendo que ela quer “dar o furo”, com conotação sexual, como se fosse um garoto de 12 anos mal educado que fica desenhando órgãos sexuais na carteira da escola e dando risadinha. Por isso, nesses últimos dias, vamos tentar entender o que realmente está sendo dito pelos candidatos? 

Tecla SAP da política ativada, vamos explicar e desmentir algumas ideias:

Voto Envergonhado: é uma expressão usada desde a década de 60, mas ficou popular no Brasil em 1992, quando Maluf foi candidato em São Paulo. É aquele voto que o eleitor tem vergonha ou medo de declarar. Nestas eleições, tem acontecido mais com os eleitores do Lula, por medo de sofrerem violência que pode vir como reação dos eleitores do Bolsonaro. 

Sim, é inacreditável que tenha mais pessoas com medo de dizer que votam no Lula do que pessoas que tenham vergonha de dizer que ainda votam no Bolsonaro, mas essa é a realidade – o medo de apanhar supera a vergonha de quem ainda não desistiu desse desastre que foi o governo de Jair Bolsonaro. Você tem direito ao seu voto, que pode ser secreto, mas que deve ser respeitado e manifestado, se você quiser. 

Celular na mesa: deixar o celular com os mesários não é uma forma de limitar seus direitos individuais, na verdade é uma forma de te proteger. Muitos anos atrás, antes do voto ser secreto, existia o Voto de Cabresto, onde as pessoas eram obrigadas a votar na frente dos candidatos. Ou seja, não existia eleição, existia coerção. 

Deixar o celular na mesa, que será devolvido a você em minutos, logo que você sair da cabine eleitoral, é uma forma de evitar que alguém te pressione a tirar foto da urna eletrônica ou filmar seu voto, assim você pode decidir de acordo com as suas convicções e não de acordo com o poder que os políticos exercem sobre você. 

Urna eletrônica não é confiável: isso é uma grande mentira. A urna eletrônica é auditável e é reconhecida como um dos métodos mais modernos e seguros de votação. Votamos de manhã, à noite já sabemos quem foi eleito e se teremos segundo turno. É o ápice da modernidade e da democracia, sem falar do quanto ajuda os ansiosos obsessivos, como eu, a processarem os resultados das eleições mais rapidamente. 

Eleição não é jogo de futebol, seu time não perdeu porque o juiz é ladrão, não existe VAR no processo eleitoral. Não gostou do resultado? Seja oposição aos candidatos e candidatas eleitos, participe da vida política do seu país. Xingar muito no Twitter ou compartilhar vídeo falso no WhatsApp não adianta muita coisa. 

Acabou a corrupção no Brasil: não acabou, nem vai acabar. Corrupção existe em qualquer instituição que seja gerida por seres humanos. Somos todos falhos, temos gatilhos que nos despertam o melhor e o pior em nós. Não devemos esperar por nobreza, devemos esperar por investigação e punição. Corrupção sempre vai existir, o que precisa haver é transparência e possibilidade de investigar e responsabilizar os envolvidos. Bolsonaro não é incorruptível, recomendo que procurem saber mais sobre o esquema das Rachadinhas.

A imprensa é mentirosa: expressões como “Globo Lixo”, “Folha é esquerdista”, “Estadão é petralha”, “CNN é comunista”, “IstoÉ é mentirosa”, “Veja é vendida”, entre outras, tiram a legitimidade do trabalho de profissionais que realmente têm compromisso com a verdade e com a apuração feita com cautela e precisão. Sem entrar nos meandros políticos da cúpula da imprensa brasileira – essa sim, extremamente conservadora e que fica na mão de três ou quatro famílias – precisamos entender que credibilidade e reputação são a essência do jornalismo. 

A Folha de S. Paulo e o Estadão, por exemplo, são jornais centenários, por onde já passaram profissionais extremamente respeitados e cujo compromisso é com a verdade – e possíveis suas versões. Existe uma agenda por trás da imprensa mais mainstream? Sim. A agenda se resume a uma conspiração contra o Bolsonaro, sua família carreirista ou contra o Brasil? Não. 

Use seu senso crítico ao ouvir “jornalistas” e “formadores de opinião” que usam seu tempo de fala para fazer piadinhas, apelidar políticos, tirar sarro de partidos e, principalmente, espalhar notícias falsas ou dar palanque para pautas pouco relevantes. Se um programa passa uma hora dizendo que máscara não tem eficácia comprovada, desconfie. 

Todas as unidades de saúde do mundo usam máscaras, enfermeiros e médicos usam máscaras nos hospitais, as máscaras salvaram as pessoas durante a pandemia, enquanto o governo ignorava a compra das vacinas. Será mesmo que o mundo todo está cego e só os participantes do programa de rádio com transmissão no YouTube de 1h estão vendo a verdade? Bem provável que não. 

Armar a população vai proteger o cidadão de bem: não vai. Os mais diversos estudos feitos em muitos lugares do mundo comprovam que um assalto pode ser muito mais fatal, por exemplo, se a vítima estiver armada e tentar usá-la. Bolsonaro, inclusive, estava armado quando teve sua moto roubada. Acha que ele atirou no “meliante” e “salvou o dia”? Claro que não, o assaltante levou a moto e a arma. 

Você pode até querer ter uma arma em casa, vá atrás de como isso pode ser feito dentro da legalidade. Mas pensar em uma política pública para armar a população é dar aval para as pessoas matarem e morrerem por besteira, vai ser um salve-se quem puder. E muita gente inocente vai morrer nessa. Lembra que tem gente com medo de falar em quem vai votar? Imagina com a população armada.

Centrão: essa expressão virou um jeito de falar sobre basicamente todos os políticos. Mas, na verdade, o papel do Centrão é muito mais apoiar a situação (seja ela qual for) para conseguir aprovar projetos de interesse da própria classe política. Sabe aquelas pessoas que temos a impressão que sempre estiveram ali? Nomes que parecem que nasceram com a república brasileira, que aparecem o tempo todo nos imbróglios políticos? Pois é, esse é o nosso Centrão. 

Mas, no fim do dia, são eles que fazem o coro de quais projetos serão ou não aprovados e sairão do papel. Articular com o Centrão é fundamental, a política brasileira é feita por meio de coligações, trocas de favores e apoios internos. Seria ótimo que não fosse assim, por isso a pauta da reforma política é tão importante. Precisamos sim mudar a velha política brasileira, mas não dá para negarmos a realidade. Se um candidato promete “acabar com tudo isso aí”, já começa mentindo. Ninguém, no Brasil de hoje, governa sozinho. 

Voto na pessoa, não no partido: não, você vota no partido. Mesmo achando que está votando na pessoa, você está votando no partido dela, nos partidos que a apoiam e nos partidos que vão embarcar no governo caso a pessoa seja eleita. É ingenuidade pensar que, independente do partido, o candidato X ou Y é honesto e vai manter suas promessas, ou que, independente do partido, ele ou ela é autêntico demais para se curvar. Se o candidato está em um partido Z, não é por acaso. 

A agenda partidária é muito mais forte do qualquer convicção pessoal. Vote no candidato, mas saiba quem são os partidos que estão ao seu lado, seu histórico e, principalmente, seu projeto de país. Como saber isso? Procure sobre as pautas que eles apoiam e que são parte da base partidária. Esse partido nasceu baseado em que? Essas pessoas estão ali, reunidas embaixo daquela sigla, por quê? Uma andorinha só não faz verão. 

Mulheres: essa pauta é o calcanhar de Aquiles e um dos focos dos candidatos que estão na frente nas últimas pesquisas eleitorais. Nesta eleição, o voto das mulheres pode decidir o jogo logo no primeiro turno. Mas chamar a esposa de princesa não basta para ser a favor das pautas que são importantes para as mulheres. 

No governo Bolsonaro, os casos de feminicídio aumentaram, ao contrário do que ele disse na ONU. O que isso tem a ver com o presidente? Tudo. Se o presidente trata mulheres como seres de segunda classe, ele dá o aval para que seus “seguidores” (prefiro chamar assim, já que ele gosta de governar pelo Twitter) fazerem o mesmo. 

“Fraquejada”, “vergonha para o jornalismo”, “tenho pena da cobra”, “ você é uma imbecil”, “não te estupro porque você não merece”, “mulher recebe menos porque engravida” etc. Algumas dessas frases você deve reconhecer. Se você é mulher, com certeza te incomodou em algum aspecto. Para defender o marido do rótulo de machista, Michelle Bolsonaro precisou dizer, no intervalo do Fantástico, que o conhece dentro de casa, porque sabe que na vida pública ele não respeita as mulheres. 

Imbrochável: é lamentável que um homem com quase 70 anos precise afirmar sua virilidade em público puxando para si mesmo um coro de outros homens dizendo “imbrochável”. E isso não interessa em nada para o povo brasileiro, enquanto projeto político. Mas, por curiosidade, um dado científico: estima-se que 1 a cada 2 homens, depois dos 50 anos, tenha disfunção erétil – a estatística está aí, para quem acredita na ciência.

Terceira Via: um assunto que gera muita confusão. O Brasil é um país multipartidário, partindo do princípio que todas as pessoas podem se organizar, discutir ideias múltiplas e terem suas ideias representadas – isso é democracia. No entanto, sabemos que, desde que a República foi proclamada, o poder acaba sendo disputado por dois maiores projetos – que muitas vezes nem são tão diferentes assim. 

Tivemos isso na República do Café com Leite, durante a Ditadura (todos eram militares ditadores, mas ficavam revezando entre a ala mais dura e a ala mais branda do exército, seja lá o que isso significa) e, na história mais recente, a eterna disputa PT X PSDB.  Pensar em uma terceira via é quase um alívio, certo? Sim, mas aí voltamos para a pauta da reforma política. A verdade é que, neste momento, não temos terceira via.

Temos candidatos que estão no espectro do centro-direita até a direita conservadora (Soraya “Abravanel”, da União Brasil – ela parece a filha do Silvio Santos e o sobrenome dela é bem difícil; Simone Tebet, do MDB; Eymael, do DC; Felipe d’Ávila, do Novo, Padre Kelmon, do PTB; Jair Bolsonaro, do PL – por enquanto do PL) e os candidatos que vão do centro-esquerda até a extrema esquerda (Ciro Gomes, do PDT; Lula, do PT; Sofia Manzano, do PCB; Léo Péricles, do UP; Vera Lúcia, do PSTU).

Ciro Gomes seria um possível líder da oposição de um provável governo Lula a partir de 2023. Mas isso acontece muito mais por rancor ao PT do que por ter um projeto de país muito diferente que ele tenha. Ainda que suas ideias conversem com a esquerda, Ciro mantém a postura de Coronel de Pindamonhangaba: não gosta de ser contrariado, responde com grosseria, não tem carisma político. E também é um mistério sobre como vai se posicionar se houver um segundo turno – vai apoiar o Lula? Vai para Paris? 

Voto Nulo é voto de protesto: pode ser um protesto convicto pessoal, um posicionamento antissistema ou uma questão religiosa até, mas o voto nulo, na prática, não serve para nada. Literalmente, o voto nulo não vale nada – e é o mesmo que votar em Branco. Sendo o voto obrigatório, você precisa comparecer de qualquer forma, ou justificar porque não foi votar depois. Talvez escolher alguém que faça sentido, se não para você (quando nenhum candidato te representa), para o seu país, seja uma opção a se considerar.

Voto é um ato individual que tem reflexo coletivo, por isso exige que nós, eleitores, pensemos além da nossa própria casa. Ainda que você não dependa dos serviços públicos, a maioria da população brasileira depende – e não está sendo bem atendida. Exerça sua capacidade de empatia e de comunidade por meio do voto.

Algumas dicas para não tumultuar o dia 02 de outubro. 

Não é porque o nome é Zona Eleitoral que o processo precisa ser caótico: 

  • Leve seu documento com foto (aquele mesmo que você não mostra para ninguém) e seu título de eleitor, para você achar seu local de votação com mais facilidade; 
  • Anote em um papel o número dos seus candidatos, como os fenícios faziam. Neste ano, vamos votar para Presidente, Senador, Governador, Deputado Estadual e Deputado Federal. Nem as crianças geniais do Domingão do Huck seriam capazes de lembrar tantos números;
  • Respeite os idosos que demoram para votar. Eles nem precisam fazer isso, estão indo porque realmente se importam com o país que vão deixar para nós;
  • O voto é secreto, ninguém é obrigado a votar em ninguém, mas vermelho é uma cor que vai muito bem com as eleições deste ano;
  • Caso alguém te intimide durante a votação, denuncie ao Ministério Público Eleitoral ou à autoridade judiciária da sua zona eleitoral;
  • Nas redes sociais do TSE, tem modelo de colinha para anotar os números dos candidatos, já na ordem certa de votação, e muitas outras informações sobre como votar ou acompanhar a apuração.