Solteira sim, feliz também
Por: Natália Bosco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes
Chefe de reportagem: Juliana Monaco
Apesar da pressão social, mulheres não aceitam mais entrar em um relacionamento só pelo status social. Outros fatores devem ser considerados antes de optar pela vida a dois
Não vai ser mãe? Vai comprar um apartamento para que se você não vai casar? Você vai morar sozinha? Você só vai ter cachorro? Quando você vai apresentar um namorado? Não vai ter filho? Essas são frases que mulheres solteiras estão acostumadas a ouvir diariamente. A expectativa social para que mulheres tenham um relacionamento entra em conflito quando essas mulheres resolvem seguir por outro caminho.
“Eu me acostumei a ser muito independente, a fazer minhas coisas sozinha. Eu fui criando alguns hábitos que eu gosto de fazer sozinha”, conta a analista técnica Kátia Godoy, de 36 anos. Mas não faz diferença se a mulher está feliz solteira, a pressão social continua.
“Não importa só se a gente já se libertou dessa obrigatoriedade aprendida. A ancestralidade tem muito peso. Outras pessoas, como nossa família de origem, que também foram criadas de outro jeito, que tiveram outros recursos, outros acessos e outros sofrimentos, dentro da cabeça delas, o melhor para você é estar protegida dentro de uma relação. É aqui que a gente vai chegar, a relação te protege de tudo. Dentro de uma relação, você é feliz porque você está cumprindo o seu caminho como mulher”, explica a psicanalista e idealizadora do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas (Ipefem) Ana Tomazelli.
Ana ressalta que é importante entender a história para compreender a ideia do feminino fixada no nosso inconsciente. “Quando a gente fala de viés inconsciente, a gente está falando sobre o que a gente aprende através das gerações e que a gente não sabe de onde vem. O lugar de importância, de ser importante na casa, de criar família, de ter filhos bem cuidados, bem tratados, bem educados é atribuída como uma função natural da mulher, como se a mulher naturalmente tivesse nascido, por tanto, para ficar em casa como qualquer outro objeto de decoração ou a serviço dessa família”, complementa.
“Eu tenho a impressão que as pessoas pensam que se você é uma mulher solteira foi porque não te quiseram, não foi uma opção sua”, comenta Kátia. A analista técnica conta que vive bem com a solteirice e que faz brincadeiras sobre o assunto, mas não nega passar por julgamentos. “Já teve até consulta médica em que eu nem conhecia o médico, era a primeira vez na consulta, e a pessoa pergunta ‘você é casada ou solteira?’, ‘solteira’, ‘nossa, mas por que você é solteira?’. São coisas que vão mexendo com a gente, eu acho que existe uma cobrança da sociedade mesmo de que você só é feliz se você está com alguém. E, de preferência, com casa própria, carro e filhos”.
Por mais bem resolvida que uma mulher solteira seja, as pressões e expectativas sociais podem sim causar sofrimento. “Já passaram fases na minha vida em que eu pensava ‘por que o pessoal casa e só eu não?’. Tem horas que as pessoas te culpabilizam. Mas não existe uma fórmula”, relata Kátia. De acordo com a psicanalista Ana, “o sofrimento vem na medida em que eu preciso atender uma demanda social”.
Além disso, Ana explica que “o padrão da mulher de 35 anos é um padrão que já entendeu que o relacionamento não é o eixo central da vida, mas é a mulher que ainda não consegue se desfazer disso porque foi criada para isso. Então, qual é o grande legado da minha geração? Criar pessoas da próxima geração sem um relacionamento como eixo central da vida, porque agora a vida tem vários outros pilares: o trabalho, as amizades, o prazer. As pessoas aprenderam que ser mulher só te levava para uma estrada. A diferença é que a minha geração começou a dizer para a sua que é mentira esse bilhete. Não tem só uma estrada, tem um monte de estrada”. E as mulheres parecem caminhar cada vez mais por essas outras direções.
“Eu gosto de explorar, eu gosto muito de sair, de conhecer lugares novos, ambientes novos, principalmente com boas companhias, que são minhas amigas e meus amigos. Eu acho que no mundo de solteiros é sempre válido você sair para conhecer pessoas novas, isso é essencial para quem, claro, gosta de ser solteiro, mas gosta também de paquerar”, compartilha a auxiliar administrativa Daniele Araújo, de 28 anos.
“Eu digo para as minhas amigas que a gente precisa pensar em estar mais com a gente, ser feliz com a gente mesmo. Eu estou com 33 anos e o pessoal já começa ‘você não casou’, ‘você não teve filho’, ‘você vai ficar para titia’. Isso é normal, é a coisa que mais acontece. E eu vejo que hoje, principalmente as pessoas da minha idade, elas têm essa cobrança em cima delas e vão aceitando qualquer coisa e eu acho que não tem que ser assim, eu acho que a gente tem que se valorizar mesmo e saber se impor”, conta a gerente de contas Aline Nóbrega, de 33 anos.
E parece que não são só as mulheres que estão mudando. Para Daniele, a sociedade no geral está aprendendo a ver a solteirice de maneira mais madura. “Por exemplo, você está com 40 anos, você não casou, não tem filhos, mas está tudo bem, você está seguindo a sua vida, você está vivendo do jeito que você quer, isso que é importante, você está feliz. Eu acho que a gente não tem que ter um rótulo, a gente não pode ser taxada por um rótulo, mas sim pela maneira como você gosta de viver a sua vida.”
Agora, as prioridades das mulheres são outras. “Eu estou trabalhando bastante. Sou uma pessoa que tem muita responsabilidade no ambiente tanto profissional quanto social. E, fora disso, eu gosto muito de sair, de conhecer pessoas novas, de paquerar sim”, conta Daniele.
Já Aline vive um momento de autoconhecimento. “No meu momento atual, eu estou apreciando meu momento sozinha, apreciando a gostar de mim, apreciando meu momento de estar me conhecendo. Eu estou mais nessa fase introspectiva. Desde que fiquei solteira, eu comecei a ver muita coisa, muito tipo de relacionamento que me fez querer dar um tempo e ficar sozinha um pouco para dar uma desintoxicada e trabalhar a autoestima, o amor próprio para ter um relacionamento mais digno, digamos assim.”
Já para Kátia, o trabalho é pesado, mas a vida compartilhada com os amigos torna tudo mais leve. “Tenho muitos amigos, tenho uma vida social bem movimentada, mas eu gosto muito de ter o meu momento, de ficar à toa, de ficar deitada, de ver série. Para mim, é muito bom ter esse lugar.”