Melissa Rocha – Jornalista – RJ
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Projeto de lei intitulado “Semana Escolhi Esperar” faz alusão velada à abstinência sexual e prejudica diálogo com adolescentes sobre educação sexual

Um polêmico projeto de lei em trâmite na Câmara Municipal de São Paulo chamou atenção para a questão da educação sexual no Brasil.

De autoria do vereador Rinaldi Digilio (PSL-SP), que em sua página na internet se autointitula o “mais honesto de São Paulo” e o “vereador dos cristãos”, o projeto de lei determina a criação da “Semana Escolhi Esperar”, que seria dedicada a ações de conscientização sobre a gravidez precoce.

O tema, de fato, é de grande relevância. A gravidez precoce é um problema que afeta a vida de inúmeras adolescentes brasileiras, que acabam por ter de abandonar a escola e planos de carreira futuros para ascender prematuramente à vida adulta, sem ter o preparo mental e a responsabilidade que isso exige.

A questão é que o projeto de lei não traça qualquer solução em direção ao isso. O texto é vago e não especifica metas ou ações concretas. Poderia ser uma boa ideia, que carece de planejamento, mas uma análise mais profunda mostra que, na realidade, o projeto nada mais é do que mais uma tentativa de um político de ganhar visibilidade surfando na onda ultraconservadora, que preza mais pela hipocrisia da retórica moralista do que pela solução pragmática dos problemas.

A começar pelo nome. Embora o texto não mencione a abstinência sexual, o nome “Semana Escolhi Esperar” faz alusão ao movimento religioso “Eu Escolhi Esperar”, que defende a abstinência sexual como método contraceptivo. A retórica é alinhada à da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que é apoiadora do movimento. Vale lembrar que Damares pretende lançar, ainda neste ano, um programa chamado “Adolescência primeiro, gravidez depois – tudo tem seu tempo”, que visa combater o que chama de “risco do sexo precoce”.

Rinaldi Digilio, o autor do projeto de lei, nega que ele tenha a abstinência sexual como foco. Mas o vereador não explica por que escolheu batizar seu projeto com um nome que não apenas faz alusão à abstinência sexual, como também dá nome ao movimento religioso. Difícil será achar alguém que acredite se tratar de mera coincidência.

Que o Brasil precisa encarar o flagelo da gravidez precoce ninguém duvida. E ações de conscientização sobre métodos contraceptivos para prevenir a gravidez precoce e Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) são sempre bem-vindos. O problema é quando essa questão é usada como base para ampliar uma pauta ultraconservadora e religiosa, que não traz soluções concretas. Ao contrário, ao estimular a retórica de abstinência, essa agenda prejudica o diálogo. Afinal, que adolescente falaria abertamente sobre sexo – ou assumiria que já fez -, quando o ato é tratado como uma infração ou pecado?

Ademais, o projeto de lei ignora que a falta de informação não é a única causa da gravidez precoce. Segundo um relatório lançado em junho do ano passado, pelo Fundo de População das Nações Unidas – organismo da ONU destinado a questões populacionais – uma em cada quatro meninas no Brasil se casa antes dos 18 anos, e a gravidez precoce é um dos motivos. Mas não por falta de conscientização sobre o tema, e sim por condições socioeconômicas que levam essas meninas a terem no casamento e na gravidez a única opção de vida. Ou seja, o problema é bem mais complexo do que o vago e nada específico projeto de Rinaldi Digilio pretende fazer parecer.