Melissa Rocha – Jornalista – RJ
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco
Diretora de Jornalismo: Letícia Fagundes

Bolsonaro não gosta de ser questionado pela imprensa, sobretudo por repórter mulher. Como todo machista, ele se sente ultrajado em ter de responder a alguém que ele considera inferior

“A imprensa deve servir aos governados, não aos governantes”. A célebre frase foi dita pelo juiz Hugo Black, em 1971, ao declarar seu voto no julgamento do caso Papéis do Pentágono, no qual o então presidente americano Richard Nixon saiu derrotado em sua tentativa de censurar a imprensa de veicular que sua gestão sabia que os EUA perderiam a guerra no Vietnã – mas continuou enviando soldados para morrer no confronto, no intuito de disfarçar o embaraço com o fracasso.

A frase de Black significa que o papel da imprensa é estar sempre vigilante, informar o público e levar aos governantes questionamentos de interesse da população. Esse é o papel da imprensa como ferramenta da sociedade e como um dos pilares de uma democracia. Mas esse escrutínio constante incomoda autocratas, que se imaginam acima de todos. É o caso do mandatário Jair Bolsonaro. Recentemente, ele atacou verbalmente a repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, em uma coletiva de imprensa, simplesmente por ter sido perguntado por que chegou sem máscara à cidade que visitava, Guaratinguetá. Abalado pela pergunta, ele xingou a repórter, falou palavrões e mandou ela calar a boca.

O episódio deixou três coisas claras. A primeira todos já sabem: Bolsonaro, como autocrata que é, tem horror à imprensa e ao escrutínio que ela traz. A segunda é a preferência do mandatário em atacar repórteres mulheres. Que o diga Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha de S. Paulo, que em fevereiro de 2020 foi alvo de ofensas de cunho sexual por parte de Bolsonaro. Que o diga, também, Daniela Lima, jornalista da CNN, que em maio deste ano foi chamada de “quadrúpede” pelo mandatário. Bolsonaro não gosta de ser questionado, ainda mais quando a pessoa do outro lado é uma mulher. Como todo machista, ele se sente ultrajado em ter de responder a alguém que ele considera inferior. Para ele, mulheres são ativos para turistas estrangeiros, que ele, inclusive, já ofereceu em uma entrevista, afirmando que se um turista quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, que fique à vontade. Isso em um país que vive às voltas para se livrar da imagem de destino de exploração sexual. Para ele, mulheres são uma “fraquejada”, como ele próprio já descreveu a filha. Para Bolsonaro, mulheres são tudo, menos seres a quem se deve respeito.

A terceira coisa que ficou clara com o surto do mandatário é que alguns homens, simplesmente, têm o emocional muito frágil para ocuparem um cargo como a presidência da República. Diferentemente da ex-presidente Dilma Rousseff, que enfrentou um processo de impeachment centrada e de cabeça erguida, sem desrespeitar seus adversários e aceitando a derrota em respeito à democracia, Bolsonaro perde a compostura por qualquer coisa. Tudo o desestabiliza, incluindo uma pergunta de praxe, sobre o uso de máscaras na pandemia. É inviável ter no comando do país alguém com semelhante destempero emocional.

A boa notícia para a população é que a imprensa continuará cumprindo seu papel de perguntar – o que inclui as repórteres mulheres, às quais o mandatário, mesmo com toda sua verborragia, não consegue intimidar. Continuará, também, denunciando que Bolsonaro vem atuando propositalmente na contramão das ações de contenção à covid-19. Com o mesmo intuito de Nixon de preservar a própria popularidade, Bolsonaro estimula seus apoiadores a arriscar a própria vida – e a de terceiros, já que pandemia afeta a todos – quando toma atitudes que resultam na propagação do novo coronavírus. Uma dessas atitudes é sua recusa em usar máscara. Recentemente, ele até afirmou que vai gastar dinheiro dos cofres públicos com um estudo sobre a necessidade do uso de máscara para pessoas que já contraíram covid-19 e pessoas que já foram vacinadas. Perdão a Bolsonaro e seus apoiadores pelo spoiler, mas outros estudos já comprovaram a necessidade de manter a medida, até que pelo menos 70% da população tenha recebido as duas doses da vacina necessárias para a imunização.

 

Foto: Reprodução YouTube/Instagram