Por Vanessa Van Rooijen, Jornalista – SP
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista

Pessoas perseguidas e/ou violentadas por sua orientação sexual ou identidade de gênero enxergam no Brasil uma rota de fuga para viver em paz

Você já sentiu medo das ameaças contra sua existência a ponto de fugir do país onde nasceu e viveu em busca de proteção e sobrevivência em outro local? Em 2021, o Brasil recebeu 29.107 mil solicitações de refúgios, de acordo com dados do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), que é o órgão ligado ao atual Ministério da Justiça e Segurança Pública. São solicitações de proteção para pessoas que saíram de seus países após violência e perseguição pelos mais diversos motivos políticos e sociais. Os dados mostram ainda que o número de solicitações em 2021 foi maior do que nos dois anos anteriores. Em 2020, foram 28.899 e, em 2019, foram 82.552 solicitações de refúgios.

Com relação às solicitações de reconhecimento da condição de refugiado recebidas pelo Brasil nesses três anos, os países com mais registros de pessoas refugiadas foram:

Venezuela: 11.714 em 2021; 17.385 em 2020; 53.713 em 2019.

Haiti: 794 em 2021; 6.613 em 2020; 16.610 em 2019.

Cuba: 529 em 2021; 1347 em 2020; 3999 em 2019.

Angola: 1952 em 2021; 359 em 2020; 603 em 2019.

China: 348 em 2021; 568 em 2020; 1486 em 2019.

Bangladesh: 257 em 2021; 329 em 2020; 738 em 2019.

Nigéria: 246 em 2021; 213 em 2020; 331 em 2019.

Colômbia: 138 em 2021; 182 em 2020; 381 em 2019.

Senegal: 79 em 2021; 209 em 2020; 363 em 2019.

Síria: 71 em 2021; 129 em 2020; 429 em 2019.

Outros países: 1.837 em 2021; 1.565 em 2020; 3.899 em 2019.

Dentro dessa população estão aqueles que, por sua orientação sexual ou identidade de gênero, precisam sair de sua terra natal em busca de vivência em outro lugar. De acordo com a Convenção de 1951 sobre o Estatuto das Pessoas Refugiadas da Organização das Nações Unidas (ONU), pessoas LGBTQIA+ são reconhecidas como um grupo social específico dentro dos procedimentos de reconhecimento da condição de pessoa refugiada, mesmo que perseguições por motivos de orientação sexual e/ou identidade de gênero não sejam abordadas explicitamente. Essas pessoas têm recebido cada vez mais atenção da comunidade internacional, que desenvolvem ações, projetos e normativas para proteção destas.

Quando a situação se volta ao fluxo internacional de refugiados, é necessário ter em mente que essas pessoas estão saindo, ou melhor, fugindo, dos países de origem em decorrência de medo fundado de violência e ameaças à integridade e vida do indivíduo. Hoje em dia, graças aos avanços das discussões no âmbito das Nações Unidas, essas fugas por refúgio se dão não mais somente em contextos de perseguição política ou por motivos de guerra, mas também por perseguição a determinados grupos sociais, dentro dos quais pessoas LGBTQIA+ também se encaixam. A pessoa refugiada é aquela que é obrigada a sair do seu país de origem por algum motivo. O refugiado não tem a opção de retornar ao país porque os motivos que levam sua saída forçada, em sua maioria, continuarão existindo.

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Além de comida, moradia e oportunidades, Nelson Mendes encontrou paz no Brasil.
Crédito: Divulgação/Casa Miga

Se ver livre de violência, perseguição e sofrimento é um desafio para muitas pessoas LGBTQIA+, principalmente em países que criminalizam as relações entre pessoas do mesmo sexo ou possuem uma política social conservadora muito forte contra essa população. Nelson Mendez, refugiado venezuelano, um homem cis gay, precisou de ajuda e conseguiu apoio. Ele tem 26 anos e está acolhido há 24 meses em Manaus, na Casa Miga, uma Organização Não-Governamental. Mendes pediu apoio da instituição pelo Instagram e teve resposta com menos de três horas. A partir disso, ele passou a receber todo o apoio necessário, como ter onde dormir, comida, roupa e a oportunidade de fazer um curso.

O refugiado conta que, na Venezuela, ele não tem liberdade e há muita homofobia. “Lá não dão nenhum tipo de oportunidade e nenhum tipo de conselho porque existe muito preconceito. Nós também somos seres humanos que merecemos respeito. No Brasil, tivemos a abertura de várias portas, muito amor e entusiasmo, aqui há muitas oportunidades e temos que aproveitar, afinal elas passam muito rápido e são difíceis na vida”, ressalta. Mendez afirma que está muito satisfeito com o apoio que o Brasil tem dado. “Quando falamos da nossa história, é difícil fazer um resumo de tudo o que passamos até chegar aqui. São muitas coisas que passamos considerando uma sociedade inteira, mas dentro daquele tempo são coisas que afetam muito a nossa vida e são difíceis de contar. Mas acredito que com o tempo as coisas vão melhorando. Eu estou muito agradecido. É esse respeito que a gente pede para as nações, pedimos que escutem nossas ideias, os nossos sentimentos”.

ACNUR

O órgão regulamentador das políticas públicas e assistenciais para as pessoas LGBTQIA+ é o ACNUR – Agência da ONU para Refugiados. Luiz Fernando Godinho, Porta Voz do ACNUR, explica que a agência tem a função de liderar soluções da comunidade internacional em relação às pessoas refugiadas. “Buscamos fazer com que as ações sejam coordenadas no sentido de acolher, proteger e dar oportunidade para [os refugiados] recomeçarem as vidas com dignidade. O objetivo é salvar as vidas das pessoas, acolher para que elas possam experimentar um momento de estabilidade e trabalhar para que elas possam se integrar ao país de chegada ou trabalhar a possibilidade de sua volta segura para o país de origem”, explica.

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Godinho explica as funções do ACNUR em prol das pessoas LGBTQIA+ que solicitam refúgio.
Crédito: Divulgação/ACNUR

Godinho explica que o ACNUR trabalha apoiando as respostas que os países dão para as pessoas refugiadas. “Nesse sentido, temos sempre um diálogo próximo com as pessoas refugiadas, atuamos em parceria com as Organizações Não-Governamentais, buscando fortalecer as respostas que são dadas para eles. Elas vão precisar de documentos, acesso aos serviços públicos, mercado de trabalho, etc, para conseguir uma autonomia maior e reconstruir a sua vida. E é importante ressaltar que as ações específicas vão variar de país para país e as circunstâncias que eles estão vivendo”, pontua.

A Agência da ONU para Refugiados – ACNUR divulga aos Estados as ações de proteção para essa população. Dentre as ações já executadas pela ACNUR estão: a publicação da Nota sobre a Posição do Acnur em relação à Perseguição baseada no Gênero, em 2000, posteriormente substituída em 2002, pela Diretriz de Proteção Internacional nº. 1. Em 2009, o Acnur publicou a Diretriz de Proteção Internacional n.º 9, que aborda especificamente perseguições motivadas por questões ligadas à orientação sexual e à identidade de gênero real ou percebida.

De acordo com o ACNUR, estima-se que aproximadamente 40 países reconhecem solicitações de refúgio. No Brasil, a primeira solicitação de reconhecimento da condição de refugiado LGBTQIA+ reconhecida ocorreu em 2002, e foi concedida a um casal de homens colombianos. Eles viviam em uma região com elevadas taxas de violência homofóbica praticada por grupos armados. O ACNUR, em parceria com o Conare e a sociedade civil, trabalham “para garantir que as pessoas refugiadas com fundado temor de perseguição por motivos relacionados à homossexualidade tenham acesso a um procedimento de reconhecimento da condição de pessoa refugiada sensível às suas necessidades de proteção específicas, garantindo a construção de espaços seguros e a capacitação para toda rede de proteção que trabalha com o tema”.

Perfil dos refugiados LGBTQIA+ no Brasil

Não há disponível uma visão geral sobre o perfil das pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio LGBTQIA+ no Brasil, contudo, o ACNUR apresenta por meio de uma ferramenta virtual o perfil das solicitações cujo motivo da perseguição está relacionado à orientação sexual e/ou identidade de gênero real ou percebida.

De acordo com os dados do ACNUR, muitas pessoas que buscam refúgio optam por não revelar sua orientação sexual e/ou identidade de gênero durante o procedimento de reconhecimento da condição de refugiado, ou o fundado temor de perseguição que possuem não está diretamente relacionado à sexualidade. “A população LGBTQIA+ refugiada no Brasil é, portanto, composta por um maior número de pessoas que aquelas que tiveram seu reconhecimento da condição de refugiadas em razão de perseguições com base na orientação sexual e/ou na identidade de gênero”.

De acordo com o levantamento de dados realizado pelo ACNUR, Conare e parceiros, foram identificadas 369 solicitações de refúgio submetidas às autoridades brasileiras entre 2010 e 2016, além de decisões referentes a estes casos proferidas pelo Conare entre 2010 e 2018. Do total, 89,7% das solicitações foram submetidas por pessoas vindas do continente africano, em sua maioria da Nigéria (32,7%). Além disso, os homens cisgêneros correspondem a 87% das solicitações. (87%). Entre os estados brasileiros, São Paulo foi a unidade com o maior número de solicitações, correspondente a 77,5%, seguida pelo Distrito Federal, com 8,1%, e Rio de Janeiro com 7,5% das solicitações. Segundo o levantamento, os principais países de origem são aqueles que criminalizam a homossexualidade e as pessoas transexuais, ou que possuem contextos sociais que não garantem a proteção de pessoas LGBTQIA+. No quadro a seguir constam dados divulgados pela ACNUR no levantamento sobre o Perfil das Solicitações de Refúgio relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero (OSIG):

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Perfil das solicitações de refúgio pelas pessoas LGBTQIA+ ao Brasil.

69 países criminalizam a homossexualidade

Enquanto em média 40 países reconhecem as solicitações de refúgio, atualmente 69 países, quase metade deles na África, possuem leis que criminalizam a homossexualidade. Contudo, diversos movimentos vêm sendo realizados para descriminalizar as uniões entre o mesmo sexo.

Em fevereiro deste 2021, foi sancionada uma revisão do Código Penal para permitir relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e proibir a discriminação com base na orientação sexual, enquanto em junho de 2020, o Gabão reverteu uma lei que criminalizava a homossexualidade. Nesse país, o sexo entre pessoas do mesmo sexo era punível com seis meses de prisão e multa. Já em 2019, ocorreram muitas mudanças em países que criminalizavam a homossexualidade. Botswana, Moçambique e Seychelles decidiram contra a criminalização e aboliram as leis anti-homossexualidade nos últimos anos. Em Trinidad e Tobago, em 2018, um tribunal decidiu que as leis que proíbem o sexo gay eram inconstitucionais.

As lutas sociais em busca do reconhecimento das relações entre pessoas do mesmo sexo podem estar longe de terminar. De acordo com a Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais (Ilga), entidade que monitora o progresso das leis relacionadas a favor da homossexualidade no mundo, até o momento, há 28 países no mundo que reconhecem os casamentos homoafetivos, enquanto 34 outros oferecem algum reconhecimento de parceria para casais do mesmo sexo. O Brasil reconhece a união estável de casais do mesmo sexo desde maio de 2011.

Contudo, há países em que as leis anti-homossexualidade tornaram-se mais rígidas, dentre eles a Nigéria e Uganda. No início de 2020, um tribunal em Cingapura rejeitou um processo que tentava eliminar a lei que proíbe o sexo homoafetivo. Enquanto em maio de 2019, o tribunal superior do Quênia decidiu por desenvolver normativas para manutenção das leis que criminalizam esses atos.

Em muitos desses países, a punição pela infração dessas leis pode gerar longas penas de prisão. De acordo com a Ilga, dentre alguns países que que a punição prevista para atos sexuais homoafetivos estão Brunei, Irã, Mauritânia, Arábia Saudita, Iêmen e em Estados do norte da Nigéria. No Sudão, a pena de morte para atos sexuais em pessoas do mesmo sexo, de forma consensual, foi revogada em 2020.

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Perfil das solicitações de refúgio pelas pessoas LGBTQIA+ ao Brasil.

A refugiada LGBTIQIA+ Lara Lopes, de Moçambique, chegou no Brasil quando o seu país de origem ainda criminalizava a homossexualidade. Em 2018, Lara participou do lançamento da plataforma desenvolvida pela ACNUR para apresentar dados sobre as pessoas LGBTQIA+ refugiadas no país brasileiro. Durante o evento, a natural de Moçambique disse, emocionada: “Vivo no Brasil há cinco anos [na época] e nunca fui discriminada pelos brasileiros por causa da minha orientação sexual. Aqui tenho um sentimento que gostaria de ter em meu país”, disse Lara. Na oportunidade, Lara agradeceu ao Brasil pela proteção recebida e afirmou seu desejo em ajudar outras pessoas a “se expressar sem medo”.

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Lara Lopes fugiu do seu país de origem, que criminalizava a homossexualidade.
Crédito: Divulgação/ACNUR

Por que o Brasil?

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no Brasil, apesar da transfobia ser crime no país desde 2019. O Brasil ocupa esse ranking pelo 13º ano consecutivo. Em 2021, o número de assassinatos de mulheres trans e travestis é o maior desde 2008, quando o dado começou a ser registrado, de acordo com o relatório da Transgender Europe (TGEU), órgão que monitora os dados levantados por instituições trans e LGBTQIA+ em todo o mundo. Em dados globais, o relatório afirma que 70% de todos os assassinatos registrados aconteceram na América do Sul e Central, sendo 33% no Brasil, seguido pelo México, com 65 mortes, e depois pelos Estados Unidos, com 53 registros. Entre outubro de 2020 e setembro de 2021, o Brasil teve 125 mortes.

“É essencial entendermos que há uma intervenção direta de uma grande quantidade de subjetividades no contexto de gênero e sexualidade entre os refugiados LGBTQIA+”, afirma Nickolas Sá, doutorando em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Sá conta que, em meio a realização de sua pesquisa, conheceu um homem cis gay paraguaio, chamado Raul. “Ele era um ativista no Paraguai e geralmente recebia sanções jurídicas pelo seu ativismo político em prol de direitos e reconhecimento à causa LGBTQIA+ no país. Em uma das vezes que conversamos, ele me contou como gostava do Brasil, como ele achava o Brasil lindo e como ele queria vir morar aqui porque ele poderia ser ‘mais livre’ com relação à sua própria sexualidade”.

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Nickolas Sá afirma ser essencial entender as subjetividades no contexto de gênero e sexualidade entre os refugiados LGBTQIA+.
Crédito: Arquivo pessoal

O pesquisador lembra que, apesar dos dados que comprovam a falta de segurança de pessoas LGBTQIA+ no Brasil, questões como mais oportunidades de trabalho, perspectivas de salário e valorização do real frente ao guarani, a moeda paraguaia, também o atraíam a vir para o país brasileiro. “Dentro da concepção do Raul, havia uma questão muito presente de enxergar o Brasil como um país de mais oportunidades em relação a outros aqui na América do Sul, ou pelo menos em relação ao Paraguai. Essa impressão do Raul é a mesma que corrobora para uma imagem do Brasil como uma espécie de rota de fuga, apesar da violência que encontramos aqui”, afirma.

Sobre a perspectiva de pessoas LGBTQIA+ vindo ao Brasil fugindo de um contexto de violência física e ameaça à vida, Sá cita a pesquisa de doutorado do Mário Luis Vilarruel. “Ele trabalhou junto a homens muçulmanos provenientes de países africanos e do Oriente Médio que moravam em São Paulo, capital, e que mantinham relações sexuais com outros homens. Esses homens muçulmanos, todos, vieram para o Brasil em decorrência do medo de serem alvos de perseguição e sanções jurídicas em seus países de origem, levando em consideração a legislação e a falta de aceitação difundida nas respectivas sociedades”, descreve o pesquisador.

Um comentário que o autor, citado por Sá, faz acerca das intenções de buscar segurança no Brasil incentivados, principalmente, por questões de sexualidade e diversidade de gênero é de que, o Brasil, na realidade, é visto como uma parada na rota de fuga, que miraria a América do Norte como destino final. “No entanto, como o próprio Villarruel comenta, há aqueles que passam pelo Brasil, conhecem a cultura e oportunidades econômicas, veem que há uma parada do Orgulho LGBTQIA+ muito grande e que o país pode fornecer condições mínimas de recomeçar a vida, então decidem ficar. Há uma infinidade de marcadores e de subjetividades que atravessam essa questão de ver no Brasil uma opção para a fuga”, detalha.

No Brasil, por mais que já siga as diretrizes internacionais que consideram perseguição por sexualidade e identidade de gênero como legítimas para o pedido de refúgio, ainda há o problema de como esse tipo de alegação de refúgio é levada em consideração no âmbito do Estado brasileiro. “Todas as pessoas solicitantes de refúgio no país passam por uma entrevista junto a agentes do CONARE. No trâmite, o solicitante de refúgio passa por uma entrevista com um agente federal, que deverá emitir um parecer favorável ou não à legitimidade do pedido e, quando essa solicitação é feita com base em perseguição por sexualidade e identidade de gênero, a falta de preparo pode tomar conta. Afinal, uma identidade sexual, por exemplo, pode receber diversos tipos de significados a depender da cultura onde ela surge”, destaca.

Sá afirma que, no Brasil, há um esforço no âmbito federal em garantir condições mínimas de integração a refugiados. Ele explica que, uma vez que o estrangeiro adquire status legal ou é tido como solicitante de refúgio no país, é possível que ele ou ela tenha como emitir seu CPF e carteira de trabalho e, assim, ter acesso a áreas como educação, saúde e trabalho. “Contudo, é claro que essa facilitação não serviria de nada sem que a pessoa refugiada ou ainda solicitante não conseguisse se integrar culturalmente dentro do Brasil. É nesse ponto que eu vejo como são essenciais os trabalhos realizados por organizações da sociedade civil que auxiliam nessa integração mais efetiva da pessoa refugiada no país”, afirma.

ONGs como pontes integradoras

Ao lado da ACNUR e demais órgãos regulamentadores, diversas Organizações Não-Governamentais trabalham em prol de serviços e acolhimento para as pessoas refugiadas LGBTQIA+. São vários atuantes no país, com todos o mesmo objetivo: acolher e salvar vidas.

A ONG LGBT+Movimento, localizada no Rio de Janeiro, tem se debruçado em ajudar imigrantes e refugiados LGBTQIA+ a se estabelecerem no país provendo serviços e assistências essenciais para a permanência desses indivíduos no Brasil, como assistência jurídica, auxílio com empregabilidade, habitação, saúde e formação de redes de afeto. Esse tipo de atuação é essencial para que as políticas públicas para refugiados possam servir minimamente ao público de forma mais eficaz.

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Karen Arruda, gestora da Casa Miga, acolhe e apoia refugiados LGBTQIA+ na região norte do Brasil.
Crédito: Divulgação/Casa Miga

No norte do Brasil, há a atuação da Casa Miga. A ONG surgiu por meio da Associação Manifesto LGBT, fundadora e responsável pela Casa Miga. Localizada em Manaus, no Amazonas, Karen Arruda, gestora da Casa Miga, abrigo para pessoas LGBTQIA+ para pessoas expulsas de casa, refugiadas e em situação de vulnerabilidade social, conta que a ONG surgiu devido à necessidade de um abrigo para pessoas LGBTQIA+ na cidade, para acolhimento e ajuda. “Hoje, a Casa oferece moradia, alimentação, cursos e qualificação profissional, além de atendimento psicossocial e atendimento jurídico. Ter refugiados aqui nos permite a troca cultural e assistência, e isso beneficia tanto os refugiados venezuelanos quanto os abrigados brasileiros”, afirma. Desde a criação do abrigo, em 2018, a Casa Miga já acolheu 100 refugiados venezuelanos. As pessoas podem entrar em contato pelo Instagram do abrigo. Após o contato, os solicitantes passam por uma triagem com a profissional de assistência social, para análise da situação.

Outra ponte integradora, além das Ongs, é a Cruz Vermelha Brasileira, que atua na vertente vinculada à imigração e refúgio. Ismael Pereira, presidente da Cruz Vermelha Brasileira do Rio Grande do Sul, explica que o deslocamento forçado não é apenas por perseguição, mas trata-se de um conjunto de situações, inclusive a falta de proteção, que impedem que elas continuem residindo no seu país. “A Cruz Vermelha atua por meio de três vetores: o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que lida exclusivamente com conflitos armados, atuando na segurança e monitoramento das prisões de guerra; verificando se o cumprimento da prisão está sendo feito de forma humanizada, além do restabelecimento de laços familiares perdidos durante guerras. A Federação Internacional atua diretamente com desastres; e as Sociedades Nacionais trabalham com as necessidades a nível local, ou seja, no país”, explica.

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A Cruz Vermelha Brasileira também é um órgão atuante em ações vinculadas à imigração e refúgio, afirma Ismael Pereira, presidente da Cruz Vermelha do Rio Grande do Sul.
Crédito: Registro/Entrevista ao Instituto Mulheres Jornalistas

Não espere. Procure ajuda!

A tecnologia é uma grande aliada para as pessoas refugiadas e que buscam acolhimento. O ACNUR possui um canal na internet (chatbot) que dialoga diretamente com a pessoa refugiada, para orientar sobre documentação, locais de acesso e apoio etc. Existe no Brasil a ferramenta “Chama“, criado em primeiro momento para os refugiados venezuelanos, mas que está em trabalho de expansão. Há ainda uma plataforma chamada “Help”, onde constam as mais diversas informações relacionadas a segurança, documentação, como solicitar refúgios, unidades de apoio e mais.

Assim como o ACNUR, as ONGs para acolhimento também são facilmente encontradas na internet, já que a tecnologia se tornou um grande facilitador para quem precisa de ajuda. Foi o que fez Eleazer Arreaza, refugiado venezuelano, homem cis gay. Ele conta que as pessoas que são da comunidade LGBTQIA+ sofrem com muita discriminação na Venezuela. “Se você não for ‘homem, homem’ ou ‘mulher, mulher’, as pessoas não gostam de você. Aqui no Brasil, eu recebi muito apoio e reconhecimento dos voluntários e profissionais do ACNUR e da Casa Miga, onde estou acolhido. Foi aqui que eu consegui um acolhimento, assim como as pessoas que necessitam de ajuda hoje em dia. Hoje estou fazendo um curso de auxiliar de cozinha e língua portuguesa”, conta.

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Eleazar Arreaza, refugiado LGBTQIA+, afirma que no seu país de origem, a Venezuela, a discriminação é muito grande.
Crédito: Divulgação/Casa Miga

Eleazer complementa que muitas pessoas não conhecem sobre a orientação sexual. “Todos nós devemos crescer com o mesmo respeito e carinho que gostaríamos de ter. Primeiro eu fui para a Colômbia, onde conheci meu relacionamento atual, e lá existe muita dificuldade para imigrantes, como problemas com trabalho, principalmente para as pessoas LGBTQIA+. Decidimos ficar aqui no Brasil porque é um país que abre as portas e dá oportunidades. O Brasil é um país que tem muitos direitos para as pessoas LGBTQIA+. Quero dizer muito obrigada pelo apoio”, finalizou.