Por Vanessa Van Rooijen, Jornalista – SP
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Dados da Funai sobre a covid-19 mostram que 72% desse público está vacinado, mas as ações dos órgãos responsáveis ainda preocupam os representantes dos povos

“Perdemos muitos parentes e muitos sábios, e o cenário ainda não é bom. A logística para atendimento de saúde nas aldeias é complicada por serem dentro das florestas, entre os rios e igarapés. Além do uso de máscara e álcool em gel, eles [indígenas] evitam ir às cidades”. Essa é a afirmação de Eli Tupinambá, mulher indígena da aldeia São Francisco, em Santarém, no Oeste do Pará.

Eli é secretária da Federação dos Povos Indígenas do Pará e integrante da coordenação do Departamento de Mulheres Indígenas do Conselho Indígena Tapajós (CITA). Ela já está vacinada com as duas doses do imunizante AstraZeneca, da Oxford, mas a vacinação nas aldeias ainda não está completa. Ela conta que, mesmo com os desafios, a conscientização de todos foi possível, principalmente os mais velhos. “Os parentes entendem a questão do distanciamento social. Infelizmente, as notícias falsas influenciaram muito para que parentes não tomassem a vacina, mas conseguimos conscientizar porque somos acostumados a estar em grupos, trocando ideias e conhecimento”, afirma.

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O professor Rui Harayama destaca os desafios vividos pelos povos indígenas durante a pandemia da covid-19. Foto: Divulgação/Rui Harayama

A vulnerabilidade dos povos indígenas é uma realidade e, para entender mais de perto os desafios vividos pelos povos indígenas durante a pandemia da covid-19, o Instituto Mulheres Jornalistas conversou com Rui Harayama, antropólogo e professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

MJ: Como o senhor avalia o cenário da pandemia nos povos indígenas?

Rui Harayama: A pandemia chegou em um momento de grande fragilidade aos povos indígenas, seja na segurança territorial, com os ataques do governo que fomentaram conflitos nos interiores onde as comunidades indígenas estão, assim como na precarização da saúde indígena, com o subfinanciamento agravado desde a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Do ponto de vista das políticas públicas, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) demorou em responder com planos efetivos e articulados com as secretarias estaduais e municipais.

MJ: De forma geral, eles foram protegidos e assistidos pelos órgãos de saúde estaduais e federal?

Rui Harayama: De forma reativa, desorganizada e sem planejamento. Os planos de contenção foram simples cópias do primeiro plano de contingência publicado em fevereiro. Os ruídos do Governo Federal desde o início de março geraram uma resposta padronizada que não se adequa ao modelo de contenção em contextos remotos nos quais muitas terras estão. Vale lembrar que a própria Sesai proibiu, por ato administrativo, que a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) pudesse dar apoio e ofertar, em caráter voluntário, material e insumos. Também vale lembrar que o governo federal fez questão de impedir que direitos básicos, como direito ao acesso à água, fossem garantidos aos povos.

MJ: Quais são os maiores desafios dessas pessoas na pandemia?

Rui Harayama: A precarização e o subfinanciamento que a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Sesai vêm sofrendo foram determinantes para que a resposta não fosse satisfatória. Por exemplo, os casos de insegurança alimentar e territorial são diretamente correlacionados com o bem-estar físico e imunidade, agravados com as infecções pela covid-19. A ausência de um plano único e direto acabou gerando formas errôneas de respostas. Por exemplo, na continuidade da presença de missionários, mas a negação de profissionais da educação. Outro grande desafio é a malha de assistência à saúde deficitária em grande parte dos interiores no Brasil, onde se concentra grande parte das terras indígenas, sobretudo na região norte do país.

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Eli Tupinamba é indígena da aldeia São Francisco e conta sobre a realidade de seu povo. Foto: Arquivo Pessoal

MJ: Quais ações e projetos foram desenvolvidos em prol dessa população?

Rui Harayama: Grande parte da resposta em defesa aos povos indígenas deu-se no âmbito da Sesai, e sobretudo pelas organizações do terceiro setor e sociedades indigenistas. Infelizmente, como a própria CPI vem comprovando, parte dos recursos que deveriam ser repassados à assistência aos povos indígenas foi desviada, com o maior emblema no caso do Senador Chico Rodrigues, de Roraima, que concentrou mortes emblemáticas de indígenas Yanomami, Macuxis e Wai Wai. A resposta, do ponto de vista dos povos indígenas, precisava ser adaptada, o que a articulação da sociedade civil, por meio de associações como o Instituo SocioAmbiental, o Iepé, assim como a União Amazônia Viva, buscou adaptar às necessidades de assistência à saúde e proteção social. Para além da discussão de precaução ao contágio, o grande perigo reside nas pressões e conflitos sobre as terras indígenas e a segurança alimentar após quase dois anos de restrição às locomoções. É importante ressaltar que o SUS e a Sesai poderiam ter dado uma resposta mais eficiente. Também nos chama a atenção a prescrição do kit covid em Terras Indígenas, assim como na demora em decretar transmissão comunitária em Terras Indígenas. Seria crucial que a Sesai pudesse responder aos questionamentos levantados pelas Apib e pela CPI.

Dados do governo

De acordo com dados divulgados pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no site institucional, o órgão vem desenvolvendo diversas ações desde o início da pandemia da covid-19, como a entrega de 700 mil cestas básicas a famílias indígenas, o que equivale aproximadamente 15 mil toneladas de alimentos atribuídos; o investimento, até o momento, de R$ 47,5 milhões em ações preventivas à covid-19; e suporte para cerca de 300 barreiras sanitárias com suspensão das autorizações de ingresso em Terras Indígenas, com exceção de serviços essenciais. Também foram destinados cerca de R$ 17,2 milhões para ações de fiscalização em Terras Indígenas em todo o país e investidos cerca de R$ 18 milhões no desenvolvimento de atividades produtivas nas aldeias. Os indígenas contam ainda com uma Central de Atendimento específica que as demandas relacionadas à covid sejam realizadas e encaminhadas para os órgãos competentes.

Ainda segunda Fundação, até junho desde ano, 72% dos indígenas já receberam as duas doses da vacina contra a covid-19 e 82% já foram vacinados com a primeira dose. A imunização está sendo feita em 408.232 indígenas maiores de 18 anos, cadastrados e acompanhados pelos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI). São 20 mil profissionais envolvidos nesse trabalho, que já foram imunizados.

Já de acordo com dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), conforme a última atualização em 3 de setembro de 2021, somam-se 437 suspeitos da doença, 52.875 diagnósticos confirmados, 74002 casos descartados, 820 infectados (atualmente), 1137 recuperados e 801 óbitos. As informações são obtidas por meio dos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) e validados pelo Departamento de Atenção à Saúde Indígena (DASI).