Por Marta Dueñas, Jornalista 
marta.duenas@mulheresjornalistas.com 
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista

A PEC do voto impresso é, praticamente, uma piada

Pode o voto ser colocado em questionamento? Pode, claro. Em uma democracia, podemos questionar, reivindicar e propor mudanças. E isso é saudável. Mas eis a pantomima que pode estar confundindo alguns cidadãos. Questionar é um exercício de liberdade que somente uma democracia possibilita. Ao duvidar da segurança das urnas eletrônicas, o presidente Jair Bolsonaro não está apenas recorrendo a essa, digamos assim, liberdade. Ele vem construindo uma agenda que começou com a manipulação das informações, a aniquilação da palavra e da imprensa, até chegar às entidades.

O terror do político que não gosta da política virou uma bandeira. Depois de desconstruir a verdade como conceito e como fato, veio a era do desmonte das reputações. O foco é atingir em cheio entidades, instituições, ciência e, portanto, a democracia. Já deixamos a sala de espera desse desmanche e agora brigamos entre tirar e colocar peças dessa ideia moribunda de nação, civilidade e futuro.

A discussão nacional a respeito de voltar no tempo e trazer um tíquete de confirmação do voto é, no mínimo, ultrajante. Não se trata de dizer que não podemos rever conceitos e processos. Mas trata-se de perguntar quem disse que o voto eletrônico não é confiável? Esse é um bom começo para nos darmos conta do programa do atual governo federal. Ele disse que não é confiável, portanto, faça-se a luz e voilá, deixemos de confiar num dispositivo que já contabiliza 13 eleições, foi desenvolvido por empresas e organismos públicos que, até então, não colhem denúncias ou questões que os desabonem. E mais, o elegeu!

Quais são as provas de que nosso sistema não funciona e precisa mudar? Será que realmente vamos chegar na fase em que fatos e dados serão dispensados para nos agarrarmos puramente em discursos? Eis uma prova da escalada da tirania no Brasil.

O governo federal instalou não só uma crise contra poderes, mas uma desconfiança geral na República. E essa receita já foi utilizada por Trump nos EUA. A fórmula é parecida: fake news (vejam bem, nem precisamos mais explicar o que é isso), inverdades, discurso de ódio, teorias de conspiração. Tudo acaba acalentando um desejo de mudanças do cidadão comum, que encontra ressonância em líderes com perfil fascista. Ninguém sabe exatamente por que o voto precisa ser impresso, mas via whats alguém denunciou um voto que não funcionou. A agenda de desmanche das entidades que formam a democracia andou rapidamente e, atualmente, um vídeo sem fontes pode colocar em xeque o processo eleitoral do país.

O voto, símbolo da democracia, não poderia ter sido a melhor escolha para ser colocado na berlinda. Tudo é pensado sob uma ótica autoritária. Nada é por acaso. Vivemos em uma época em que qualquer ideia objetiva da verdade é ridicularizada, sobretudo na política. A subjetividade ganhou ares superiores e acaba ofuscando a realidade.

A urna eletrônica foi adotada em 1996. Além de consulta popular e pleitos comunitários, o sistema sempre foi bem-sucedido, sem vestígio de erros ou fraudes – inclusive no último pleito, não podemos esquecer de citar. Tornar o voto impresso é o caminho para que as eleições sejam roubadas de nós. Nesse formato, mais pessoas podem manusear papéis e será preciso montar um esquema logístico caro e que, dificilmente, será à prova de acidentes ou atentados. São quase 150 milhões de eleitores, imaginem o volume disso em papel, caixas, carros e pessoas para contar, guardar e confirmar. Alguém deve estar ganhando com essa ideia.

No mesmo dia da votação da PEC no Congresso, somos surpreendidos por um desfile de carros militares com o intuito de fazer vento nos poderes constitucionais. Coincidência? Claro que não. É uma agenda clara e programática para construir narrativas, disparar recados e cortejar a ditadura, cujo foco é atingir em cheio entidades, instituições, ciência e a democracia.

A perseguição ao voto eletrônico é requinte de tirania. Um governo tirano é aquele que quer resultados com relação a inimigos forjados a seu bel prazer. Nos piores momentos de uma sociedade, surge um representante profeta que promete resolver tudo sozinho. Tal fórmula é aplicada no mundo todo e no Brasil desde antes do Caçador de Marajás. Posturas megalomaníacas que convencem com informações deturpadas. Crenças, mentiras e factóides. Um tirano sabe perceber uma indignação latente e garante vingança contra todo o mal, seja ele a erradicação da pobreza ou o voto impresso. O faro do tirano não erra, acerta em cheio a democracia e a nós mesmos!