PROFISSÃO PILOTA: O IMPACTO DAS MULHERES NA AVIAÇÃO
Por: Letícia Fagundes, jornalista
E-mail: leticia.fagundes@muheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Sonhos femininos que puderam se tornar realidade com a entrada de mulheres na aviação
Os registros históricos constam a primeira pilota no mundo em Paris, Raymond de Laroche recebeu sua licença para pilotar em 1910. Ela também foi a primeira mulher no mundo a voar solo, no mesmo ano. Em seguida, foi a vez da norte-americana Amélia Earhart, que aventurou-se a atravessar o oceano Atlântico, em voo solo, na década de 30, além de deixar inúmeros registros em livros sobre suas experiências em voos e com isso, contribuir para a evolução da aviação.
A primeira escola de aviação feminina, a The Ninety-Nines, que ainda está em atividade, também foi fundada por Amélia Earhart.
No Brasil, em meados da década de 30 as pilotas começaram a surgir. Joana Martins Castilho D’Alessandro (1924-1991), Thereza de Marzo (1903-1986), possivelmente a primeira a receber o brevê (licença e habilitação), em 1922, (1904-1999), segunda a receber o brevê no mesmo ano, e Ada Leda Rogato (1910-1986), primeira mulher a obter licença como paraquedista, a pilotar um planador e a terceira a possuir o brevê em avião.
A brasileira Ada Leda Rogato deixou registrado na história na aviação suas acrobacias aéreas e ter sido a primeira pilota agrícola no país. Ela também foi a primeira a cruzar a floresta amazônica em voo solo, num avião de pequeno porte, sem rádio.
MOMENTOS MARCANTES DA HISTÓRIA FEMININA NA AVIAÇÃO
Como pioneiras da aviação surge um nome feminino, Lilian Bland. Por volta de 1900, Lilian conseguiu seu primeiro emprego como jornalista esportiva e fotógrafa de imprensa para inúmeros jornais de Londres e região, um campo predominantemente masculino. A vida profissional de Lilian se instaurou na aviação quando ela mesma projeta e construir seu próprio avião e a voar com ele, quando tinha pouco mais de 30 anos de idade.
Em agosto de 1910, o primeiro voo foi realizado. Lilian decolou por conta própria depois de uma breve arrancada de 9 metros no solo onde alcançou mais 400 metros no ar a poucos metros de altura. O nome do seu avião era Mayfly, que em inglês, quer dizer “efemérida”, nome popular da ordem de insetos aquáticos Ephemeroptera.
O sonho de Lilian foi interrompido por preocupações do pai, que era seu maior incentivador, mas também temia que ocorresse algum acidente com a filha. Lilian encerrou sua carreira doando o Mayfly e seu motor para um clube de aviação, que foi objeto de longos estudos e apoio para o entendimento da engenharia mecânica. A pilota e engenheira de aviões torna-se mãe, casa, perde sua filha para o tétano, separa e vive até os 92 anos.
Ter vivido muitos anos fez com que Lilian visse a aviação crescer, inclusive com a participação de algumas mulheres como Amélia Earhart.
A história registra a capacidade e qualidade das mulheres no setor aéreo em séculos conduzidos por culturas diversas, sendo elas de várias etnias, em um mundo feminino de pouca aproximação com estas profissões. A conquista do espaço ainda é uma realidade sendo modificada até os dias atuais.
No Brasil, por exemplo, em agosto de 2023, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), mostrou que em 2022 foram realizados cerca de 830 mil voos no país, representando um aumento de 39% em relação a 2021. Um crescimento de 40% ao ano. Um número alto, com uma demanda de trabalho forte e que há diversas oportunidades.
Se por um lado o número de voos só aumenta no planeta, os espaços para elas estarem no comando ainda cresce timidamente e a falta de incentivo pode não ser um empurrão para pensar na possibilidade da profissão de pilota, entre outras majoritariamente masculinas.
Por isso a representatividade e histórias contadas, são importantes para que mais meninas e mulheres tenham algumas profissões como ideia de um possível caminho.
Espaços conquistados e nomes inspiradores para que novas e futuras gerações tenham em quem se inspirar. Apesar da participação feminina representar um número tímido, as mulheres continuam buscando fervorosamente seus sonhos.
Para ilustrar esse universo feminino dentro do ambiente da aviação, o Instituto Mulheres Jornalistas entrevistou a pilota da Azul, a gaúcha de 43 anos, Carla Azevedo que concedeu entrevista para nosso site e contou um pouco do universo que conquistou e que o espaço, ainda com muitos colegas homens, também foi essencial para sua aprendizagem, bem como tudo começou na escola de aviação até sua chegada em uma das maiores companhias do Brasil.
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Instituto Mulheres Jornalistas: De onde veio a vontade de ser pilota?
Carla Azevedo: Minha vontade de ser pilota veio quando comecei a fazer pesquisa de profissões em feiras. Eu cheguei em uma feira e tinha um simulador de voo da PUCRS. Eu parei e comecei a falar com os rapazes que estavam demonstrando o curso. Fiquei vidrada. Ali começou a minha vontade de entender tudo que eu precisava fazer e ter pra poder ser piloto de avião. A partir daquele dia tudo que eu fazia era voltado a percorrer o caminho pra isso. Conversei com meus pais e recebi total apoio, mesmo não tendo muita noção de todo gasto que aquilo representava.
Instituto Mulheres Jornalistas:Comente sobre o ambiente da aviação, pelos olhos de uma mulher, desde a escola até chegar a pilotar comercialmente.
Carla Azevedo:Desde que comecei minha carreira, nós mulheres éramos uma raridade nos aeroclubes. O ambiente da aviação sempre foi e ainda é majoritariamente masculino. O lado bom é que aos poucos a aviação vem recebendo cada vez mais mulheres. E o lado ruim, infelizmente, é que a presença feminina ainda não chega a 10% do total de pilotos. Um exemplo disso é que quando iniciei não tinha nem alojamento para mulheres no aeroclube e a realidade hoje já é bem diferente.
Instituto Mulheres Jornalistas:O que mais pesou ou pesa para você na aviação e quais suas maiores realizações com ela?
Carla Azevedo: O peso que percebo se encontra na própria rotina da aviação, no que diz respeito muitas vezes não poder participar de compromissos familiares, ser ausente na minha própria casa.Minha maior realização é poder desempenhar a profissão pela qual me apaixonei. Diariamente eu sinto plenitude em pilotar e é sem dúvida a minha grande paixão.
Instituto Mulheres Jornalistas:Onde você quer chegar sendo pilota? O que quer deixar de legado como mulher num ambiente majoritariamente masculino?
Carla Azevedo: Um dos maiores objetivos de um piloto é poder ter a oportunidade de pilotar aeronaves jato, em uma grande empresa aérea. Fazer voos internacionais em aeronaves de grande porte, também é algo muito atrativo. Essas duas conquistas já fazem parte da minha experiência. E hoje na Azul almejo retornar os voos internacionais. Viver essa experiência é muito incrível. Pousar em aeroportos com destinos internacionais é viver experiências diferenciadas.
Instituto Mulheres Jornalistas:O que você falaria para uma menina que tem o sonho de ser pilota?
Carla Azevedo:Eu diria primeiramente da importância em se tornar realmente muito resiliente. Desenvolver a clareza de que a rotina da aviação inclui perder muitas vivências familiares e pessoais, mas que se essa realmente é uma paixão, todas essas questões serão facilmente gerenciadas. A realização desse sonho se torna maior do que todo resto!E eu diria principalmente para se cercar de pessoas apoiadoras, que entendem e respeitam essa escolha de vida, contribuindo sempre para que todas dificuldades sejam minimizadas.
Instituto Mulheres Jornalistas:É importante falarmos que a aviação “ é coisa de mulher”. Como você enxerga isso?
Carla Azevedo:Eu diria que a aviação é coisa de mulher, assim como todas as outras profissionais que ainda podem e devem ter seus espaços ocupados de forma igualitária. Ainda atravessamos uma parte importante do processo de ocupação das mulheres nos serviços de forma geral e na aviação não é diferente.
Instituto Mulheres Jornalistas:Você passou por algum tipo de preconceito por ser mulher e pilota? Pode falar?
Carla Azevedo: Já passei um evento de preconceito mais sério no passado. Isso por um tempo me incomodou, mas com o passar dos anos fui ressignificando. Porque na realidade, a gente aprende a lidar com isso. Por isso eu comento sempre sobre resiliência. É importante lembrar de desenvolver essa habilidade para todas as circunstâncias da vida.
Instituto Mulheres Jornalistas:Estar na Azul como pilota é uma oportunidade de que forma?
Carla Azevedo: Azul é uma das grandes empresas aéreas do Brasil. É uma empresa que vem crescendo e ampliando suas atividades de uma forma muito sólida. Fazer parte de uma grande estrutura me proporciona participar da realização de muitos sonhos. A Azul mesmo com toda essa estrutura organizacional, tem um alcance humanitário muito grande.É uma empresa que incentiva o crescimento profissional, pessoal e viabiliza oportunidades para o crescimento das mulheres ocupando cargos importantes da instituição.
Carla contribui com uma fala importante após a entrevista e que se torna importante promover esse diálogo, o de acolhimento dos colegas homens. Quando indagada como o meio a recebeu ela comentou sobre ter sido também reconhecida por seus colegas, o que é importante, uma vez que isso mostra a mudança no setor de forma positiva.
“Meu resumo é positivo com maioria dos meus colegas homens, conto bastante também com eles. Já tive sim situações de preconceito, mas acredito em respeito. Eu luto pelo respeito, me aceite como sou. Me respeite como profissional, indiferente do meu gênero, da minha opção. Trabalho nessa linha”, concluí a pilota.
Passados mais de 70 anos, desde a década de 30, foi em 2006 que o Brasil formou a primeira oficial aviadora na Força Aérea Brasileira (FAB), a Major Aviadora Marcia Regina Cardoso, aos 38 anos. Há pouco mais de uma década, 2011, há relatos de voos comerciais pilotados por mulheres com uma tripulação inteiramente feminina no Brasil, constituída de piloto, copiloto, chefe de cabine e comissárias, entretanto, apenas são reportados na mídia associados a ocasiões especiais, como o Dia Internacional da Mulher, como estratégia inovadora de marketing das companhias aéreas, dada a raridade com que ocorrem.
Em outubro de 2023, a companhia aérea Azul mudou esse cenário, tornou algo que parecia ser impossível, realidade. Pela primeira vez, na história da companhia, uma equipe 100% feminina fez a remoção de um motor de avião.O trabalho foi feito no Embraer E195-E2 de matrícula PS-AEC, com a retirada do motor Pratt & Whitney PW1900G para manutenção, no hangar da Azul no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP). Um dado importante para equipe foi a tarefa ter sido realizada em 7 horas e 50 minutos. Tecnicamente os prazos e demandas são sempre importantes neste segmento.
O saldo se torna ainda mais positivo quando o engajamento não denota apenas campanhas publicitárias. Ainda há uma atuação reduzida, os aumentos e movimentos devem ser comemorados, afinal são extremamente importantes para quebrar os preconceitos culturais. Quanto maior for a participação das mulheres nesse setor, maior será o interesse de novas mulheres em ingressar na aviação.
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