Por recomendação da CNJ e do STF, a decisão foi baseada não só no risco alto de contaminação dentro dos presídios, mas na situação carcerária brasileira como um todo
 

Por Regina Fiore- São Paulo

 

Sexto país mais populoso do mundo, o Brasil tem uma das três maiores populações carcerárias, perdendo apenas para Estados Unidos e China, de acordo com as informações recentes. São quase 867 mil pessoas que são privadas de sua liberdade, em sua grande maioria homens negros e jovens, de origem periférica e baixa escolaridade. Os dados são do Banco Nacional do Monitoramento de Prisões, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
 
O IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, apontou em 2019 que a maioria das pessoas presas em regime provisório, quando vão a julgamento, não continuam presas: são absolvidas ou cumprem penas alternativas.
 
O problema é que o julgamento, geralmente, demora de 1 a 3 anos, dependendo do estado. A grande maioria dos presos, 60% deles, estão presos por roubo ou crimes envolvendo tráfico de drogas. Os crimes mais hediondos, homicídios e estupros, não chegam a 15% do total.
 
O levantamento nacional aponta que no Brasil temos disponíveis pouco mais de 450 vagas nas prisões, ou seja, a população carcerária atual ocupa o dobro da capacidade de celas, que estão superlotadas e mal atendidas. O governo brasileiro gasta mais de 15 bilhões de reais por ano para manter o sistema prisional, sendo que mais da metade desses presos estão cumprindo regime provisório, ou seja, ainda não foram julgados e sentenciados.
 
Todos esses dados, em momento de pandemia, preocupam não só pelo alto risco de transmissão entre as pessoas que estão presas, mas também as maiores chances de disseminação da doença tendo os presos como vetor, além da maior probabilidade dessas pessoas morrerem pela falta de tratamento.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, já somos o quinto país com maior número de detentos contaminamos pelo Covid-19 ou com suspeita de estarem com a doença. Dias atrás, houve a primeira morte de um detento de 73 anos no Rio de Janeiro, que fazia parte do grupo de risco.
 
Por todas as questões e riscos que a população penitenciária corre, o CNJ e o Supremo Tribunal Federal autorizaram uma série de medidas preventivas: suspensão por 90 dias de audiências de custódia, revisão das prisões preventivas de pessoas que se enquadram no grupo de risco  e são mais vulneráveis, suspensão das visitas em todo o país, prisão domiciliar para quem cumpre regime aberto ou semiaberto, adiantamento de solturas nos casos previstos por lei ou quando houver sintomas da doença. Presos que cometeram crimes sem violência também estão tendo seus casos analisados para soltura.
 
Com essas medidas, cerca de 30 mil presos foram soltos no final do mês passado, o que preocupa muitos agentes penitenciários, já que não havia tornozeleiras eletrônicas para todos e a ausência delas exige um controle que pode estar além da capacidade de monitoramento e controle.
 
Adolescentes que cumprem medidas socioeducativas também foram liberados com base na medida, que visa conter o alastramento da doença dentro do sistema penitenciário e melhorar as condições sanitárias precárias nos presídios. O Ministro da Justiça Sérgio Moro é contra a soltura dos presos, por achar que coloca a população não carcerária em risco eminente, mas a classe de juízes divergem sobre o assunto.
 
Para representantes do CNJ, a preocupação é alarmista, já que esse número não representa nem 4% da população carcerária do Brasil, o que não vai alterar o curso de como as penas têm seguido ao longo dos anos: o detento vai para o regime fechado, cumpre parte da pena e recebe alguns benefícios de soltura, o que não interfere no fluxo natural da execução penal. Prova disso é que a soltura dos presos não impactou no índice de crimes nacionais desde a recomendação.
 
O Brasil, tendo sido pioneiro na medida, tem servido de exemplo para diversos outros países, inclusive com corroboração da Organização das Nações Unidas. A ONU está recomendando a todos os países da América Latina que adotem medidas semelhantes, por considerar a medida um trabalho bem embasado em medidas jurídicas e sanitárias.
 
Muitos estados perceberam prontamente que diminuir o fluxo da entrada e saída de presos era a melhor forma de conter o alastramento da doença, por isso liberá-los segundo a recomendação evitaria contágio mais acelerado. Os juízes de várias regiões reconhecem que a pandemia só agrava a já sabida violação dos direitos humanos que ocorre na maioria das penitenciárias brasileiras; a situação de superlotação e da ausência de inúmeros direitos fica ainda mais evidente.
 
Para muitos juristas, a situação vai além: já que o perfil de pessoas presas no Brasil é bem claro, colocar a questão criminal acima das recomendações da Organização Mundial da Saúde é sentenciar um grupo específico de pessoas a contraírem o vírus e, portanto, colocar em risco suas vidas, o que tipifica crime de Genocídio pelo Estatuto de Roma. A recomendação de muitos juízes é que as medidas sejam levadas para além da situação da pandemia, como forma de aliviar a bolha que é o sistema penitenciário brasileiro.