Com cobrança retroativa do reajuste suspenso em 2020, planos de saúde colocam em risco a renda das famílias e podem contribuir para a superlotação na rede pública 

Comentarista Melissa Rocha- RJ
melissa.rocha@mulheresjornalistas.com

O ano de 2021 começou com um susto para milhões de brasileiros usuários de planos de saúde. Isso porque a mensalidade cobrada no mês de janeiro chegou com um valor muito acima do usual.  

Eis a justificativa para o aumento expressivo na fatura: no final de agosto do ano passado, a Agência Nacional de Saúde (ANS) decidiu suspender os reajustes anual e por faixa etária que seriam cobrados pelos planos de saúde entre os meses de setembro e dezembro. A medida foi tomada diante da pressão de entidades e de parlamentares que apontavam que a pandemia da covid-19 já vinha tendo um forte impacto no bolso da população.  

O alívio, no entanto, foi apenas momentâneo. A partir do primeiro dia de 2021, o reajuste foi retomado e os planos vão cobrar o valor de forma retroativa, em parcelas diluídas em doze meses. Não só isso: junto com as parcelas cobradas, referentes ao período entre setembro e dezembro, os usuários ainda terão de arcar com o reajuste anual que estava previsto para este ano e, em alguns casos, também com o aumento por mudança de faixa etária.

A cobrança afeta, em especial, os idosos, uma vez que eles têm mensalidades mais caras, mas também cria um efeito em cascata danoso para a economia e a saúde pública. A alta nos preços dos alimentos praticamente anula o benefício gerado pelo aumento salarial – que este ano teve um reajuste de R$ 55, ficando em R$ 1.100. Somado a isso, o aumento no desemprego e, agora, nos planos de saúde impõem um estrangulamento financeiro na população. Ademais, pacientes que sobreviveram à covid-19 hoje necessitam lidar com uma série de efeitos da doença a serem tratados, especialmente envolvendo a saúde dos pulmões. Sem renda para manter os planos, muitos terão de recorrer ao SUS, agravando a superlotação na saúde pública. 

A questão envolvendo o aumento nos planos é alvo de contestação por parte do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). A organização vem acompanhando o caso e protocolou na Justiça uma ação para barrar o pagamento do reajuste. O Idec argumenta que a cobrança é desnecessária, pois os planos de saúde registraram lucros históricos em 2020. E isso é um fato comprovado. Com as medidas de isolamento social e quarentena, uma vasta parcela dos usuários cancelaram exames e cirurgias não essenciais. Com isso, os planos deixaram de arcar com os custos desses procedimentos, o que fez com que registrassem lucros históricos em 2020. Para ter uma ideia, no segundo trimestre do ano passado, os lucros das operadoras de saúde triplicaram em relação ao mesmo período de 2019. E no final do primeiro semestre de 2020, as operadoras já haviam lucrado R$ 11 bilhões, quase o valor correspondente ao lucro registrado em todo o ano de 2019 (R$ 12 bilhões). 

Vale lembrar que enquanto a ação do Idec é analisada na Justiça, o usuário deve pagar as parcelas retroativas para não ficar inadimplente. Deve também ficar atento se o valor cobrado está de acordo com seu plano de saúde. Se não estiver, a orientação do Idec é contatar as operadoras para corrigir o valor.  

Cobranças abusivas por parte dos planos de saúde não são uma novidade. Há anos o Brasil se vê às voltas com a questão. Em 2013, por exemplo, na gestão de Dilma Rousseff, as operadoras deixaram de vender planos individuais para se concentrar em planos coletivos e empresariais – que são muito mais rentosos. A passagem da boiada, por assim dizer, se intensificou em 2016, na gestão de Michel Temer, quando as operadoras foram autorizadas a praticar reajustes cada vez mais abusivos – algo que, inclusive, já foi analisado nesta coluna .

Agora, na gestão Bolsonaro – marcada pelo despreparo e descaso no combate à pandemia –, esse quadro se agrava, e sem qualquer ação do governo ou interesse do presidente da República no tema – o que não é de espantar, uma vez que o próprio declarou recentemente não ser capaz de fazer nada. 

Ao que tudo indica, enquanto em muitos países a vacina contra a covid-19 já é uma realidade, dando ao mundo um vislumbre do início do fim da pandemia, o Brasil segue o caminho oposto, com as operadoras contribuindo para ampliar o caos na saúde pública e para arrochar a renda das famílias. Tudo isso em busca de (mais) lucro.