Por Sara Café, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

Elas comandaram o espetáculo das Olimpíadas de Paris 2024. Mulheres de várias partes do Brasil, de origens e histórias diferentes, marcaram um capítulo inédito na história, com uma presença recorde em termos de participação e conquistas. As atletas femininas dominaram os pódios em diversas modalidades, mostrando ao mundo o poder do esporte feminino em sua mais alta expressão.

Pela primeira vez, o maior evento esportivo do mundo foi realizado com total igualdade de gênero nas competições. Dos 10,5 mil atletas participantes da Olimpíada de Paris 2024, foram 5,25 mil homens e 5,25 mil mulheres, maior participação feminina em 100 anos. Isso aconteceu em razão de inúmeras iniciativas lideradas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), em parceria com o Movimento Olímpico, Federações Internacionais e Comitês Olímpicos Nacionais.

Para a head de operações e planejamento da Trilha Carreira Interativa, Roberta Paim, essa iniciativa é um exemplo para o mercado de trabalho sobre como priorizar ações que garantam a representatividade feminina.

“O movimento olímpico deu um grande passo em relação à igualdade de gênero. Foi importante trazer essa questão para o esporte, que é uma das paixões globais e para um evento de visibilidade mundial, e mostrar quanto isso é benéfico para todos. É a hora de os líderes empresariais pararem e verem o quanto é fundamental trazer essa iniciativa para dentro das organizações”, afirma Paim à Exame. 

No contexto global, as mulheres compõem quase metade de todas as delegações, reforçando a importância dos esforços contínuos para promover a inclusão e a diversidade nos esportes, ainda que a equidade total ainda não tenha sido alcançada – mas esse marco já é muito importante, principalmente considerando os primórdios da presença feminina no cenário esportivo, especialmente nas Olimpíadas.

“Ainda há muitos desafios como a equiparação salarial e a dificuldade de ascensão a cargos de liderança e barreiras de natureza legal, social, cultural, educacional, entre outras. Além disso, as vantagens da liderança feminina impactam positivamente a produtividade e performance, resultados em práticas de ESG, redução de risco operacionais das empresas e até a distribuição de renda no país”, afirma.

Mudanças na equidade de gênero

Os movimentos feministas no mundo e no esporte, incluindo a participação cada vez mais significativa de mulheres nas Olimpíadas, fizeram com que o número das atletas nas competições aumentasse gradualmente, até atingir picos de crescimento em Los Angeles 1984, com 23%, seguido por 44% em Londres 2012, e 48% em Tóquio 2020, até chegar na tão esperada proporção de 50/50 em 2024.

Dominado por homens, o boxe contou com um número igual de categorias de peso para homens e mulheres em Paris. A introdução de novos eventos de gênero misto, como o revezamento de maratona, também reforça o compromisso do COI (Comitê Olímpico Internacional) em promover uma competição equilibrada. Isso amplia as oportunidades para as atletas femininas e desafia as noções convencionais de esportes específicos de um ou outro gênero.

Ana Patrícia e Duda conquistaram medalha de ouro no vôlei de praia/Foto: Luiz Morais/COB

O Comitê Olímpico Francês também disponibilizou quartos de hotel para atletas em amamentação e também foi criada uma área social para famílias. A iniciativa é uma resposta às exigências de atletas, especialmente da judoca francesa Clarisse Agbegnenou, para que os órgãos esportivos tenham ações voltadas para as necessidades da maternidade. “É inédito e é algo que queremos que se torne permanente”, disse Astrid Guyart, chefe da Comissão de Atletas.

As competições femininas têm se tornado cada vez mais uma força motriz na audiência olímpica, no desempenho atlético e com o crescente potencial econômico dos esportes femininos. Um relatório da Deloitte de 2023 projeta que as atletas vão gerar receitas globais de US$ 1,28 bilhão (R$ 7,2 bilhões) em 2024, com uma taxa de crescimento anual composta de 32% de 2021 a 2024.

Outro processo significativo foi a cobertura dos jogos. A NBC, emissora dos EUA, comprometeu-se com uma cobertura igualitária em horário nobre dos eventos masculinos e femininos para Paris 2024, marcando uma mudança em relação às Olimpíadas anteriores e potencialmente estabelecendo um novo padrão para a indústria.

20 medalhas e uma mulher negra no topo 

Os Jogos Olímpicos Paris 2024 aconteceram de 26 de julho a 11 de agosto. Durante 17 dias, os principais atletas do mundo estiveram em ação em 329 eventos de medalhas na capital francesa. O Brasil foi um dos países na disputa, com uma delegação de 274 atletas, em sua maioria feminina.

No último sábado (10), entre celebrações, conquistas improváveis e decepções, o Brasil encerrou sua participação na Olimpíada de Paris 2024 com 20 medalhas no total, sendo 3 ouros, 7 pratas e 10 bronzes. Os números ficam abaixo das últimas edições se levarmos em consideração o total de medalhas de ouro. 

No entanto, Paris 2024 marcou para o Brasil um ponto importante. O grande destaque da delegação foram as mulheres que, pela primeira vez na história, conquistaram mais medalhas do que os homens. Os resultados do ciclo olímpico inteiro já indicavam que isso iria acontecer. Das 20 medalhas, 12 foram delas, sete deles e uma mista, na competição do judô por equipes.

Rebeca Andrade se tornou a maior medalhista Olímpica da história do Brasil, com seis medalhas, quatro delas em Paris, incluindo um ouro no solo. Tudo isso enfrentando a americana Simone Biles, considerada a melhor da história. A ginástica artística também conquistou sua primeira medalha por equipes, o bronze, coroando as carreiras vencedoras de Jade Barbosa e Flávia Saraiva, além de Lorrane Oliveira e Júlia Soares. Elas foram o legado de Daiane dos Santos, Daniele Hypolito e outras que quebraram barreiras antes delas.

“Ser referência, continuar incentivando e mostrando que a gente é capaz, fazer as pessoas acreditarem, acho que é algo lindo, que vou levar comigo para sempre. Mesmo que depois do esporte eu continue sendo esse tipo de referência para todas as pessoas que bateram o olho em mim, viram vídeo meu antigo ou novo, independente… que eu continue sendo isso. Se para o meu país já é um orgulho, imagina para o mundo todo, que olha pra mim e fala ‘olha o tamanho daquela menina, mas olha a grandiosidade que ela tem, é uma honra”, disse Rebeca ao Olympics.com.

Ana Patricia e Duda se tornaram campeãs Olímpicas no vôlei de praia, repetindo o feito dos Jogos Olímpicos da Juventude Nanjing 2014. Foi o primeiro ouro feminino do Brasil neste esporte desde Jacqueline e Sandra em Atlanta 1996. “É uma realização muito grande. É a certeza do que a gente construiu lá atrás, em momentos totalmente diferentes de agora. Nos ajudou muito a ter a cumplicidade que a gente tem, a amizade que a gente tem”, a atleta afirmou ao Olympics.com.

Beatriz Souza conquista ouro no judô/Foto: Alexandre Loureiro/COB

Beatriz Souza derrotou a favorita francesa Romane Dicko nas semifinais da categoria +78kg do judô, foi ainda melhor na final e colocou o ouro no peito, além de ajudar a equipe mista em uma medalha inédita, assim como Ketlyen Quadros e Rafaela Silva. “Essa medalha é superação de cada dia, superação de cada treino, de querer dar o melhor em cada treino. Representa a superação de tudo, que tudo é possível e basta a gente estar disposto a pagar o preço para fazer dar certo”, disse emocionada ao Olympics.com. 

Em sua sexta e última edição de Jogos Olímpicos, a rainha do futebol Marta viveu um turbilhão de emoções, culminando em sua terceira medalha de prata. “Essa foi certamente minha última Olimpíada e duvido que vocês me verão na próxima Copa do Mundo ou outra competição de seleções, mas eu nunca estarei longe do futebol, isso é certeza”, disse Marta.

Rayssa Leal ganha medalha de bronze no skate street feminino/Foto: Kirill Kudryavtsev/AFP

A maranhense Rayssa Leal conquistou sua segunda medalha olímpica aos 16 anos de idade: a primeira foi a prata em Tóquio 2020 e o bronze no skate street em Paris 2024. “Só tenho que agradecer. Foi uma experiência muito legal, algo que eu nunca tinha sentido na vida. Não tenho nem palavras para descrever tudo que eu senti naquele dia. Fico muito grata a todo mundo que apoiou tanto em casa quanto que veio aqui em Paris para assistir também”, disse Rayssa ao Olympics.com.

E a última medalha foi decidida num ponto de Thaísa, agora dona de três medalhas Olímpicas no vôlei, duas de ouro e agora uma de bronze. Com o protagonismo de Gabi e o comando de José Roberto Guimarães, a seleção feminina deu o exemplo mais uma vez.

“É o legado que eu deixo, espero ter feito da melhor maneira possível. Dei o meu melhor, errando e acertando. Queria muito ter conseguido ajudar mais, pra gente chegar na medalha de ouro, mas esse bronze é um ouro pra gente”, afirmou Thaísa. “Eu encerro aqui, eu me emociono muito. A única coisa que espero é ter deixado uma coisa boa no coração das meninas que tive a oportunidade de jogar junto.”

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