Com a chegada da pandemia, muitas coisas mudaram em diversos âmbitos, inclusive nos relacionamentos. Sem a oportunidade de se encontrar pessoalmente, muitas pessoas passaram a usar aplicativos de relacionamento para conhecer pessoas novas. Mas até onde isso muda o nosso comportamento afetivo?

Por Daniele Haller, Jornalista- Alemanha
daniele.haller@mulheresjornalistas.com

Editora Chefe- Letícia Fagundes, Jornalista

Sair para um bar, uma festa ou clube em busca de conhecer alguém interessante tem se tornado hábitos cada vez mais difíceis por conta do isolamento. Com as medidas de prevenção implantadas em inúmeros países, de repente, as pessoas se viram sem tantas opções de como conhecer pessoas novas. Assim como o trabalho e a escola passaram para o mundo virtual, com os relacionamentos não foi diferente. Com a pandemia, sites e aplicativos de relacionamento cresceram desde o último ano, objetivo: encontros casuais ou conhecer alguém para um relacionamento sério. 

Dentre os aplicativos de relacionamento mais famosos, o Tinder é o mais conhecido de todos. Utilizado no mundo inteiro, o grupo dono do aplicativo, o MatchGroup, anunciou um crescimento de 12% no seu faturamento até segundo trimestre de 2020. O grupo também é proprietário de outros aplicativos, mas  o principal responsável por esse crescimento foi o Tinder, com 15% desse total e alcançando um número de 6,2 milhões de assinantes, segundo dados divulgados em matéria da CNN. 

Lucas Mesquita é farmacêutico e conta que chegou a usar o tinder muitos anos atrás, mas por pouco tempo. No último ano, no início da pandemia, ele voltou a usar o aplicativo. Sobre a crise sanitária ter mudado a forma como as pessoas têm se relacionado, ele diz: “Com certeza, acredito que na pandemia ninguém sai para as festas ou locais onde pode conhecer outras pessoas, já no aplicativo, tínhamos a oportunidade de conhecer pessoas de forma virtual, sem precisar sair de casa para ter um bom papo e quem sabe, rolar algo futuramente”. Ele conta que se considera uma pessoa extrovertida, mas que na pandemia mudou muita coisa, principalmente a forma de se relacionar com os outros. 

Em abril de 2020, Lucas teve a oportunidade de conhecer alguém através do Tinder e, 20 dias depois do primeiro contato virtual, se conheceram pessoalmente, encontro que deu início a seu atual relacionamento. O farmacêutico conta sobre a experiência positiva: “Eu sempre fui muito apaixonado, então sempre acreditei que pudesse encontrar alguém parecido comigo, não importava como. E hoje, posso afirmar que realmente encontrei o parceiro ideal, estamos perto de fazer um ano juntos e ele tem todas as características e ferramentas que eu sempre almejei em alguém, tem a vibe super parecida com a minha”, comenta. Ele diz que a pandemia poderá trazer mudanças em muitos sentidos, inclusive nas relações: “Acredito que nada depois da pandemia vai ser o mesmo e isso vale para a forma de relacionar e para os relacionamentos que já existiam. Hoje vemos a real necessidade de ser gentil e amoroso com as pessoas e de realmente acreditar que só o amor pode curar e mudar o mundo”, conclui.

Comportamentos observados durante a pandemia passaram a ser pesquisados e estudados em diversos âmbitos, causando curiosidade inclusive no cenário dos relacionamentos, é o que mostra uma pesquisa feita pela Universidade McGill de Montreal, no Canadá. Segundo informações divulgadas pela BBC, o estudo analisou o comportamento das pessoas, nos relacionamentos, caso estivessem expostas a um perigo eminente, como o caso de doenças infecciosas. Será que elas estariam dispostas a se aventurar em um encontro mesmo com os riscos de infecção? A equipe de estudos elaborou uma pesquisa feita com centenas de homens e mulheres entre 18 e 35 anos, que realizaram um teste psicométrico conhecido como Vulnerabilidade Percebida à Doença.

Com o resultado de estudos anteriores e as pesquisas feitas durante a pandemia, a universidade de McGill oferece resultados de uma visão sobre como a crise sanitária pode ter afetado nosso campo amoroso. No experimento foram observados comportamentos, mecanismos e respostas desenvolvidas pela nossa psique, conhecido como “sistema imunológico comportamental”. Tais resultados indicam “maneiras pelas quais podemos ter encontros mais eficientes no futuro, assim como criar laços de relacionamento mais profundos e fortes”.

Para entender melhor como um vírus é capaz de mudar o nosso psicológico diante dos relacionamentos amorosos, a repórter Daniele Haller, do Instituto Mulheres Jornalistas, entrevistou a psicóloga Larissa Alves Teixeira Castelo. 

MJ- A pandemia, o isolamento mudou a forma como as pessoas passaram a se relacionar ou o comportamento a partir do uso de aplicativos?  

Larissa Alves– A medida que esses relacionamentos crescem no meio virtual, as negociações para que sejam formalizados no presencial vão sendo feitas. Alguns se encontraram quando houve uma amenizada no distanciamento, outros foram postergando. Algo que percebi em relatos foi o uso das próprias redes sociais como fonte de escolha, olhando para pessoas que já conhecem de uma forma diferente. Isso foi um movimento que trouxe uma certa segurança e confiança, por não serem pessoas completamente diferentes, aprofundando conversas e laços já anteriormente existentes. Muitos daqueles que já estavam namorando ou se encaminhando para isso no início da pandemia, escolheram se mudar e morar juntos. São relações que podem ter pulado algumas etapas na construção da conjugalidade e passarão mais intensamente e de forma antecipada situações de convivência que não foram negociadas.  

MJ- Quais as consequências que as limitações do isolamento podem causar em pessoas mais extrovertidas na hora de buscar um parceiro(a)? 

Larissa Alves- As formas de interação ocorrem por um meio diferente. As pessoas mais extrovertidas poderão ter mais iniciativas, e no mundo virtual isso significa curtidas, comentários, reações em fotos, mensagens privadas. Será uma adaptação do que ocorreria no presencial. Conseguirão desenvolver conversas e contatos. O que pode acontecer é de não gerar vínculos mais fortes, devido ao fato de gostarem mais desse contato físico, olho no olho, toque, gestos, da interação presencial das relações. Acabar por interagir e conversar muito, mas não aprofundar tanto por não ter perspectiva de encontro em decorrência do distanciamento social. 

MJ- Para as pessoas introvertidas, os encontros via vídeo, por exemplo, podem facilitar na hora da conversa, da conquista?   

Larissa Alves- Pessoas que possuem uma característica mais introvertida podem se beneficiar da interação virtual, muitas dizem que conseguem ser mais soltas e confiantes por estarem atrás de telas. Um relato bem comum que já recebi em atendimentos na clínica. A falta dessa presença física pode ser um facilitador para os mais introvertidos. São pessoas que quando passarem para uma conversa por vídeo chamada o farão quando tiverem mais vinculadas com o outro, mais confortável, mas será um processo que poderá trazer uma ansiedade ainda. 

MJ- O medo de algumas pessoas com relação à infecção da Covid-19 pode fazer com que ela acabe evitando os encontros? Ou seja, para alguns, o medo pode ser maior que o desejo de um encontro, um relacionamento?  

Larissa Alves- Com certeza. No início, ouvi relatos de algumas tentativas de encontros presenciais. Propostas de pagar o carro para buscar as mulheres em casa, que teriam álcool em gel e que poderia tomar banho e trocar de roupa ao chegar. Posteriormente, as manifestações eram mais de conversas pelos aplicativos, sexo virtual, trocas de fotos sensuais ou a utilização de brinquedos para satisfação pessoal individualmente. Ao final do ano de 2020, muitos relaxaram, voltaram às festas, encontros presenciais e, aparentemente, o medo dessa exposição e contaminação diminuiu mais nos jovens de 18 a 35 anos. Mesmo nesse período, a interação virtual ainda permaneceu uma grande aliada para os solteiros o que poderá reforçar essa tendência em como se relacionam daqui para frente. 

MJ- Essa experiência a qual estamos vivendo, acaba proporcionando a muitos a oportunidade de aprender a sentir prazer sozinho? Como o caso de algumas mulheres, por exemplo, que ainda veem a masturbação como um tabu?  

Larissa Alves- Com certeza, é uma ótima oportunidade para o autoconhecimento, que também engloba o sexual, onde se tocar, como fazer, o que usar, as preferências pessoais que trarão mais prazer para cada um. Os homens, devido nossa cultura, possuem mais liberdade, conhecimento do próprio corpo, não os reprimindo quando buscam prazer, pelo contrário, são incentivados. As mulheres tendem a ser mais reprimidas, se proporcionar prazer é errado, se tocar é impuro, usar vibrador traria problemas físicos, tabus que desestimulam e condenam o prazer feminino. Com esse contexto atual de distanciamento social, pude presenciar relatos de mulheres que decidiram não se masturbar devido suas crenças, mas muitas outras que passaram a buscar filmes, séries, literaturas eróticas para auxiliar nesse momento. Se permitiram e autorizaram tocar seus corpos com as mãos, com outros objetos de estímulos e trouxeram falas de um fortalecimento desse feminino. E em relação aos casais também tem levado mais intimidade e conhecimento. Como a convivência está acentuada, tiveram que incrementar um pouco para tornar satisfatório, compraram brinquedos, fantasias, a masturbação mútua ou enquanto um apenas observa o outro, compartilhar filmes eróticos na relação conjugal. 

MJ- Essa descoberta pode influenciar nas escolhas futuras das pessoas, como se tornar mais exigente na hora de escolher um parceiro(a) para sexo ou relacionamento?  

Larissa Alves- O autoconhecimento proporciona mais prazer, melhora a satisfação sexual e consequentemente reflete na conjugal. Com isso, poder dizer e mostrar ao seu parceiro ou parceira como você gosta, como sente mais prazer será motivo de aproximação, de conexão e aprendizado mútuo. Se as pessoas envolvidas estiverem dispostas a ensinar como gostam e de aprender a como satisfazer o outro, ou seja, a investir na construção da relação, ocorrerão muitos frutos. É como se a relação já iniciasse com mais conhecimento, de um degrau mais acima, não precisando que cada um se encontre para que o casal se encontre no meio desse percurso. A flexibilidade, a disposição, o não julgamento, respeitando os limites individuais, claro, mostrará um amadurecimento nessa relação. E como saber os próprios limites se não conhecer seu corpo? O autoconhecimento é importante para isso também, até onde está disposto a ir. Quanto mais se conhecer, melhor serão suas relações. 

MJ- Quais conselhos você daria para as pessoas que se sentem sozinhas nesse momento, mas desejam encontrar um relacionamento e se veem presas diante da pandemia?

Larissa Alves- Primeiro de tudo, reconhecer o cenário de ordem mundial que estamos vivenciando, entender que adaptações serão necessárias, concessões serão feitas e se permitir tentar e aprender novas coisas. As redes sociais virtuais, os aplicativos e sites de encontros são boas ferramentas para conhecer pessoas, ter boas conversas, se distrair, compartilhar experiências. Participar de grupos temáticos virtuais que tem interesse. Como para discutir filmes, clubes do livro, de enologia, acadêmicos e outros. Embora virtuais, poderão ser portas para conhecer outras pessoas que já possuem algo em comum, facilitando a conversa e a interação. Procure saber as possibilidades de prazer virtual que está disposta a experimentar, vá com calma, aos poucos, comece devagar e vá de acordo com o que se sentir confortável em compartilhar com alguém. Muito importante terem cuidado com a privacidade de vocês, não se descuidem nesse ponto.  

Sem previsões para o retorno de uma suposta normalidade, a sociedade vai buscando se adaptar cada vez mais à realidade, seja no trabalho, nos estudos ou na vida pessoal. Os governos de diversos países continuam em campanha incessante a favor das medidas de prevenção do vírus, do distanciamento social, isolamento e uso de máscaras, mas, é importante lembrar que, além da máscara, no caso de encontros, o uso de preservativos também é o mais seguro.