As medidas de prevenção ao Covid-19 afetam a vida das pessoas em diversos âmbitos, inclusive no psicológico. Por que estamos mentalmente mais vulneráveis?

Por Daniele Haller
daniele.haller@mulheresjornalistas.com

Desde março de 2020, o mundo entrou em um dos momentos mais críticos na área da saúde, a chegada de um vírus que chocou não apenas por sua rapidez e letalidade, mas também pelo poder de mudar bruscamente a vida de uma população inteira. Iniciamos um isolamento o qual não sabíamos quanto tempo deveria durar e quais consequências iria nos trazer. Ainda sem noção sobre as proporções do problema que devastou planos, sonhos e expectativas, muitos acreditaram que até o fim daquele ano estariam livres disso tudo. O ano acabou e 2021 chegou dentro da mesma realidade: a pandemia. 

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Psicóloga Renata Castro

Para entender melhor como toda essa mudança pode afetar nossas vidas a curto ou longo prazo, e os meios eficazes para lidar com os momentos difíceis,  conversamos com a psicóloga Renata Castro. Ela conta que a ansiedade e crises de pânico foram os primeiros sintomas mais mencionados por seus pacientes no início da pandemia, em segundo lugar, a depressão. Sobre as mudanças de hábitos bruscas, ela conta: “Antes de mais nada, qualquer mudança na vida de um indivíduo já gera estresse, imagina algo deste tipo? Além do medo, perdemos nossa liberdade de ir e vir, de estar com familiares e amigos, viajar, sair para trabalhar, fazer exercícios físicos, ter nossa rotina. Todas essas coisas faziam com que nos sentíssemos parte de um todo, aliava nossas tensões e participávamos da vida diária, de ir e vir. Impossibilitados de tudo isso, tivemos que readaptar nossa vida e isso gera intenso desconforto, o que acaba afetando nosso psicológico”. 

Durante o isolamento, situação que ainda perdura em países onde o número de infecções continua a subir, muitas pessoas tiveram que lidar com a solidão, com a convivência com familiares ou companheiros e alguns tiveram a carga de tarefas dobrada, como o caso das mulheres chefes de famílias. Segundo Renata Castro, dentre os pacientes que têm procurado assistência psicológica, existem especificamente dois grupos em evidência, os jovens adultos, “muito desnorteados sobre seu futuro”, e mães que têm uma intensa rotina com filhos em casa. 

No ambiente familiar, Renata diz que a comunicação é a melhor forma para conseguir lidar com as diversidades entre pais e filhos: “Se a família já tinha uma estrutura de parceria e comunicação, fica mais fácil, porém, de qualquer jeito, o melhor é incluírem diálogos familiares para falar das coisas boas e ruins juntos, arrumando soluções possíveis, além de pelo menos uma atividade de lazer por semana, juntos. Os pais, como adultos, terão que exercitar a tolerância e equilíbrio emocional para passar para os filhos disciplina, mas também, tranquilidade, ajudando o ambiente familiar a ficar mais estável”.    

Questionada sobre a convivência entre pais e adolescentes no dia a dia e possíveis conflitos, ela diz: “Depende muito da estrutura da família e da boa vontade e intenção de cada membro dela. A aceitação do nosso momento é fundamental e, já que estamos vivendo isso, por que não aproveitar sua família e se aproximar dela? Onde os pais precisam entender o espaço dos filhos e os filhos entenderem tanto o espaço quanto o direcionamento da casa dos pais. É uma via de mão dupla que pode dar super certo se existir boa vontade”, conclui a psicóloga.

Apesar da carga redobrada, algumas mães definiram essa fase de isolamento como “positiva”, pois puderam se dedicar a atividades as quais não tinham tempo ou habilidades que ainda não tinham descoberto, como é o caso da muralista e ilustradora Daniele Gomes, que conta que o isolamento serviu para que ela se dedicasse mais aos seus desenhos. Ela conta que concorda sobre a carga mental durante o isolamento, no entanto, também tirou algo positivo: “Tive muito tempo para mim mesma, para as coisas que queria fazer”.

Outro fator curioso foi o aumento no número de separação de casais. Segundo dados divulgados pelo Google, palavras-chave relacionadas ao divórcio amentaram três vezes mais no período entre maio e julho do ano passado. Segundo o levantamento do Colégio Notarial do Brasil, os divórcios consensuais aumentaram 54% nesse mesmo período. Mesmo parecendo um número alarmante, a psicóloga Renata Castro conta que a pandemia pode não ter sido o único fator responsável pelas separações, em alguns casos, se a falta de comprometimento já existia na relação, a pandemia foi apenas a gota d´água: “Da mesma forma, também pode fortalecer, varia muito dos alicerces e de como esta relação já vinha caminhando antes da pandemia”.

Mesmo diante das dificuldades enfrentadas durante esse período, os medos e a ansiedade, Renata afirma que existem hábitos que podem ajudar a diminuir os impactos da pandemia. Ela explica: “ter uma rotina é fundamental. Não importa se dentro de casa, mas um horário para levantar, fazer algum exercício físico, alguma atividade que traga bem-estar para a pessoa, como jardinagem, pintura, costura, leitura. Manter contato com o mundo externo também ajuda. Seja dando uma descida no prédio ou uma volta ao ar livre, dentro das medidas restritivas. Sol também é fundamental! Tomar um pouquinho de sol ativa nossa vitamina D. E muito importante, aceitar a situação, parar de brigar com ela e se ajeitar da melhor forma para trabalhar em casa e exercer as atividades que mencionei acima. Às vezes, uma crise muda nossos hábitos à força, mas depois vemos o quanto foi bom em algum sentido”.  

Sobre as pessoas que tem sofrido com ansiedade ou depressão, mas ainda não tiveram a iniciativa de procurar um profissional, Renata aconselha: “Procure! Temos a tendência a achar que conseguiremos lidar com tudo e que tudo passa, porém, estes dois transtornos podem se disfarçar, criando uma sensação de melhoria, mas, na verdade, continuam ali e podem dar um estopim ali na frente”, conclui.

Com relação aos estudos relacionados aos impactos psicológicos causados pela pandemia, Renata Castro afirma que já foram iniciadas pesquisas: “Sim já começaram. Mas, na minha opinião, só teremos números reais disso tudo quando, efetivamente, começar a vacinação e as pessoas se sentirem mais seguras. Inclusive, quando nos livramos de algo traumático, pode vir o estresse pós trauma e os números para tratamento psicológico ainda podem aumentar. Sabe quando levamos um tiro na perna e não sentimos nada, continuamos correndo e só depois que o perigo passa vamos sentir a dor? É mais ou menos isso a que me refiro, de uma forma simplificada”, conclui a psicóloga.     

Como uma forma de apoiar e atender essa demanda, vários grupos foram criados para tratar pacientes de forma gratuita, por telefone ou online. O Google também desenvolveu um mapa virtual de localização onde é possível encontrar pontos de atendimento psicológico, como o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), hospitais psiquiátricos, ONGS e acompanhamentos oferecidos por clínicas de faculdades. Para acessar o mapa, basta acessar o site: mapasaudemental.com.br.