Por Madeleine Müller, é Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade Fernando Pessoa, em Portugal. Pós Graduada em Moda, Consumo e Comunicação, pela PUC RS. Stylist há 25 anos, professora de Deisgn de Moda da ESPM, Porto Alegre. Autora do livro “Admirável: Moda Sustentável: vestindo um mundo novo”. Ativista do movimento Fashion Revolution.

 

Você acha que a moda está mais diversa e inclusiva?

Tenho pensado muito no entendimento do termo “diversidade” entre os diversos clientes que atendo na indústria e no varejo de moda. Explico e apresento-me: sou produtora de moda e trabalho com criação, conceito e direção artística de desfiles, catálogos e campanhas do segmento vestuário e calçados há quase 30 anos, sendo que 10 deles passei dentro de uma agência de modelos internacional, cuidando da preparação das modelos para diferentes mercados graças à globalização nessa época, anos 90, que acelerou a circulação de modelos entre agências de diversos países, tornando esse mercado bastante promissor. Isso sem falar que as modelos gaúchas sempre tiveram fama e reconhecimento, o mundo da moda já conhece bem nossas über models padrão exportação. Mas há outros padrões, não é mesmo? Da passagem do século XX para o XXI, auge das Fashion Weeks, muita coisa vem mudando, eu própria me sinto uma stylist  millenial, vestindo causas e abraçando movimentos mais abertos na composição dos castings, e eles estão vindo, lentamente. Todos nós, profissionais da moda, temos de nos posicionar. Se moda é o espírito do tempo e reflexo da sociedade em que vivemos, temos de entender os sinais e nos atualizar constantemente com os novos movimentos, os resgates e valores compartilhados pelas novas gerações.

Divulgação Instagram @girlfriend, um coletivo de moda sustentável para todos os tamanhos.

De uns tempos para cá, já são vistos outros padrões corporais nas passarelas, com meninas plus size ou “corpos reais”, nomenclatura mais abrangente para os manequins acima do 36/38, desfilando ao lado dos tradicionais perfis magros, que já fizeram muita gente perder a saúde com dietas malucas para atingir aquele “ideal de beleza”. (Oi? Beleza é um termo superlativo e independe de gênero,idade, raça, número de manequim, etc. O belo é belo, ponto!). Sim, já vemos famílias negras nos comerciais de margarina ou protagonizando campanhas de marcas famosas, ao invés de fazer mera figuração na cena ou entrando uma modelo negra no desfile apenas para compor com o grupo branco, este sempre em maior número, e tentar assim validar uma pseudo inclusão: essa tapeada não cola mais!

Os movimentos pró-diversidade e inclusão na moda estão crescendo em força e voz, mas ainda estamos longe de chegar a uma real variedade nos castings de desfiles e campanhas, que garanta lugar para todos os tipos, raças, tamanhos, gêneros, condições físicas, enfim, a tal quebra de paradigma da padronização estética que vivemos até então, colocando uma ou outra pessoa fora do biótipo esperado ou desejado pela maioria das marcas. Já há ótimas iniciativas como o coletivo Pretos na Moda, que fez com que a SPFW, maior evento de moda brasileiro, se posicionasse melhor face a tais questões e passasse a adotar critérios mais exigentes para as marcas participantes valorizarem os modelos negros e lhes darem mais oportunidades. Quantas vezes uma modelo negra é rejeitada para um trabalho? Muito mais do que as brancas. E se a modelo for trans, plus ou tiver alguma deficiência física ou funcional? Mesmo com a mudança de século, ainda há quem procure modelos altas, magras, mesmas medidas, mesma altura, preferencialmente brancas. Cansei de ver isso nos meus trabalhos, e ninguém da equipe falar nada por medo. Ou por não estar no “lugar de fala”.  Pois eu falava e sigo falando, medo a gente deveria ter de não haver mudanças na sociedade, de seguirmos engessados fazendo as mesmas coisas e do mesmo jeito. Que tédio! Quem quer ver um exército de mulheres iguais? A modelo trans Hari Nef afirmou que “diversidade é diferente de inclusão”.Segundo ela, a indústria da moda coloca o tema na mesa apenas pontualmente. Não há continuidade e nem políticas internas nas empresas/agências para realmente abraçar o diferente. No nosso país, é inadmissível colocar uma única modelo negra num casting de 40 pessoas sendo todas as demais brancas, onde mais de 50% da população é negra ou parda. Enquanto a inclusão coloca minorias na conta, a diversidade significa introjetar esse mindset e torná-lo uma prática constante, e não ações esporádicas para fazer bonito na mídia ou surfar na onda do Black Lives Matter limitando-se a postar um quadrinho preto no feed..

Divulgação Instagram @girlfriend, um coletivo de moda sustentável para todos os tamanhos.

Graças a novos designers e marcas mais conectadas com os anseios das novas gerações, mais arejados e menos preocupados em seguir o mainstream, a demanda por “tipos diferentes” aumentou muito nessa segunda década do século XXI, com várias agências de modelos atuando fora do padrão, trabalhando os conceitos de street casting e digital influencers com identidade própria, os chamados microinfluenciadores que possuem menos seguidores que os colegas patrocinados e sem opinião isenta, em sua maioria. Há os que querem faturar, há os que defendem causas, e tem mercado para todos. Contudo, as marcas jovens já se deram conta de que faz mais sentido vestir seus produtos em pessoas autênticas, originais, talentosas, criativas, com carreira própria, sendo que modelar é apenas parte de uma gama maior de projetos e profissões em que cada um se envolve. Que as mudanças, prossigam, e que comecem internamente, lembrando de Gandhi: “Sejamos nós as mudanças que queremos ver no mundo”.