Por Sara Café, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

Desde 2022, o Brasil se compromete internacionalmente a formular e implementar políticas que gerem igualdade de tratamento e oportunidades para todas as pessoas. Esse compromisso faz parte da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, do qual o país é signatário há nove anos.

Por ter status de emenda constitucional, o documento é considerado entre especialistas da área de Direitos Humanos como um avanço para prevenir, eliminar, proibir e punir práticas discriminatórias. No mês em que se celebra o Combate à Discriminação Racial (03/07), a data se refere à aprovação da primeira lei brasileira contra o racismo, em 1951, que estabeleceu como contravenção penal qualquer prática de preconceito por cor ou raça. 

Desde então, outras leis surgiram para criminalizar a prática de discriminação racial, como a Lei 7.716/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, e a própria Constituição Federal, que diz que o racismo é crime inafiançável e imprescritível.

Mas será que todas as pessoas conhecem essas práticas? No contexto brasileiro, quem são os públicos atingidos pela discriminação? Como combater esse problema a longo prazo? Citamos alguns pontos para você entender o tema. 

O que é discriminação racial? 

Segundo o defensor público federal Alexandre Mendes Lima de Oliveira, a discriminação racial é o tratamento injusto, desigual ou prejudicial de uma pessoa com base em sua raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacionalidade. É uma violação dos direitos humanos e uma forma de preconceito e opressão baseada nas características raciais de uma pessoa.

“Ela ocorre quando alguém é tratado de maneira negativa ou injusta devido a sua raça, seja através de ações, palavras, políticas ou práticas discriminatórias. A discriminação racial pode manifestar-se em diversas formas, como insultos, atos de violência, exclusão social, acesso desigual a oportunidades de educação, emprego, moradia, serviços de saúde e justiça.” 

Registros de casos de racismo aumentaram 127% no Brasil

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (18/07), os registros de casos de racismo aumentaram 127% no país em 2023. No último ano, foram feitos 11.610 boletins de ocorrência de racismo, comparados aos 5,1 mil registrados em 2022.

As ocorrências de injúria racial também aumentaram em 2023, embora em menor proporção. Foram anotados 13.897 casos no último ano, representando um incremento de 13,5% em relação aos 12.237 casos de 2022.

O Rio Grande do Sul lidera o ranking de estados com mais registros, totalizando 2.857 casos no ano passado. São Paulo e Paraná vêm na sequência. O estado gaúcho também é o primeiro na taxa de casos por 100 mil habitantes, com 23,2.

O aumento de casos de crimes raciais acontece no mesmo ano em que o presidente Lula sancionou a Lei 14.532/2023, de janeiro, que equipara injúria racial ao crime de racismo. Nessa situação casos de injúria racial, que configura quando a agressão é direcionada a um indivíduo, é equiparada ao crime de racismo, quando a ofensa é dirigida ao coletivo.

Recentemente, um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou um aumento também de injúria racial no Brasil. Um aumento de 610% em 2023, ao comparar com 2020. A Bahia, que possui a maior proporção de negros entre todos os estados brasileiros e o Distrito Federal, é responsável por cerca de 8 de cada 10 processos novos nesse período.

Como a lei trata a discriminação racial?

Imagem: Brenda Freitas

O defensor público federal Alexandre Mendes explica que, no Brasil, a discriminação racial é considerada crime e é tratada pela Lei nº 7.716/1989, conhecida como a Lei do Racismo. Essa lei estabelece as seguintes condutas como criminosas:

– Praticar, induzir ou incitar a discriminação racial: é crime praticar atos de discriminação racial, como negar acesso a estabelecimento comercial, negar emprego ou promoção profissional, praticar atos de violência ou constrangimento físico, entre outros. Também é crime induzir ou incitar a discriminação racial por meio de meios de comunicação ou publicação de qualquer natureza.

– Fabricar, comercializar ou distribuir símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que incitem à discriminação racial: é proibida a produção, venda ou distribuição de quaisquer materiais que tenham como objetivo incitar a discriminação racial ou propagar ideias racistas.

A lei prevê penas de reclusão e multa para quem cometer esses crimes, variando de acordo com a conduta específica e a gravidade. Além disso, a vítima de discriminação racial também pode buscar reparação civil por meio de ações judiciais, buscando indenização por danos morais e materiais.

“É importante ressaltar que o Brasil também tem outras leis e políticas para promover a igualdade racial e combater a discriminação, como a Lei nº 12.288/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, e a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), atualmente Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”, afirma o defensor público. 

Brasil entrega recomendações para enfrentamento ao racismo nas Américas

Nesse mês de julho, o Brasil foi palco do evento “Encontro Regional: Abordando as desigualdades étnico-raciais em saúde”, que reuniu representantes de 22 países membros da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Com a participação de diversas nações, o evento contou com a abertura da ministra da Saúde, Nísia Trindade, e resultou em encaminhamentos para a implementação da Estratégia e Plano de Ação sobre Etnicidade e Saúde na América Latina. O Brasil recomendou à entidade:

– Formalização de órgãos que promovem a equidade étnico-racial de forma transversal, como a Assessoria de Equidade Étnico-Racial em Saúde, criada no ano passado pelo Ministério da Saúde;

– Criação de grupos de trabalho na Opas para que os países participantes permaneçam mobilizados em torno desses temas. No Brasil, o Comitê Técnico Interministerial de Saúde da População Negra cumpre esse papel, com participação de três ministérios, gestores municipais, estaduais e movimentos sociais;

– Elaboração de estratégia para promoção do enfrentamento ao racismo institucional, assim como estratégia antirracista na saúde;

– Ações afirmativas em todos os processos seletivos do setor saúde, a exemplo do que foi realizado no último edital do programa Mais Médicos, que prevê regime de cotas para pessoas com deficiência e grupos étnico-raciais como negros, quilombolas e indígenas;

– Promoção de editais para entidades da sociedade civil com aportes específicos para grupos, associações e movimentos de corte étnico-racial;

– Pesquisa em saúde com recorte étnico-racial para produzir evidências e soluções para o sistema de saúde. No Brasil, uma iniciativa do tipo é a publicação de boletins de saúde da população negra, que reúnem informações de saúde agregadas por raça/cor e etnia;

– Adequação dos sistemas para produzir dados adequados sobre diversos grupos raciais e étnicos, como ocorreu recentemente no aplicativo SUS Digital, que inclui opções para autodeclaração de gênero e raça/cor;

– Expansão dos serviços de saúde, considerando especificidades, inclusive culturais, de periferias urbanas, povos e comunidades tradicionais, povos do campo, floresta e águas, indígenas e migrantes, entre outros.

Como podemos diminuir a discriminação racial no Brasil?

Essa empreitada passa pela superação de uma cultura colonial que levou à desumanização de grupos populacionais, como negros e indígenas, argumenta Sotto Maior Neto. “Por isso a importância da legislação que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena na escola”, defende. É um trabalho contínuo que requer a participação e engajamento de todos os setores da sociedade.

Além disso, investir em educação antirracista e inclusiva desde a infância é fundamental para combater estereótipos e preconceitos. É importante promover campanhas de conscientização e sensibilização sobre a questão racial, tanto nos meios de comunicação quanto em espaços públicos; implementar políticas de ação afirmativa e fortalecer a legislação e garantir que as leis de combate ao racismo sejam efetivamente aplicadas.

 

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