Por Mariana Mendes, Jornalista –SP 

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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista  

Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista

 

Há muitos anos, o futebol no Brasil não é apenas um entretenimento, e sim, um negócio. Em 1998, foi criada a Lei Pelé, com o objetivo de profissionalizar clubes e entidades, instituindo o direito do consumidor nos esportes e disciplinando a prestação de contas por dirigentes de clubes. Apesar das críticas em relação a lei permitir um maior volume de empresários privados no futebol, a gestão de clubes é importante para manter a profissionalização do esporte.

Com um olhar para a administração desportiva, Monique Torga, gerente da Decathlon Brasil e Mestre em Gestão Universidade Federal de Juiz de Fora, realizou sua pesquisa de mestrado sobre o assunto, intitulada “Com a palavra, as gestoras: a trajetória de mulheres em cargos de gestão nos clubes de futebol do Brasil”. Monique conversou com o Instituto Mulheres Jornalistas sobre sua carreira e o cenário que encontrou durante seu trabalho.

Instituto Mulheres Jornalistas (MJ):  Conte um pouco sobre você, o processo do seu trabalho de pesquisa e porque decidiu tratar deste tema.

Monique Torga: Sou de Juiz de Fora, me formei em Educação Física. Entrei nesse curso porque tinha o sonho de ter uma companhia de balé, queria ser professora. Porém, logo no segundo período da universidade, eu entrei para a empresa júnior da faculdade e foi um divisor de águas. Foi ali que conheci o universo da gestão e me ligou a chavinha de que era isso que eu queria.

Resolvi seguir nesta área e, dentro da empresa júnior, o primeiro projeto que coordenei foi a taça BH de futebol júnior, que em 2016, foi realizada no campo da UFJF. Ali eu descobri o futebol e a gestão desportiva. Depois surgiu o convite do Profº Marcelo Matta, que hoje é Secretário de Esporte de Juiz de Fora. E eu fui a primeira mulher a fazer parte de um projeto de futebol, que existia desde 2014.  Era constante o reforço sobre isso. Ouvia o tempo todo: “Você é a primeira mulher” e achei isso legal.

Com o grupo do futebol, comecei a fazer visitas técnicas, estágios, visitar sede para campeonatos, amistosos com os atletas, e eu comecei a notar algumas restrições a mim quanto mulher e a ausência de mulheres. Conversava muito com o pessoal da diretoria, supervisão, principalmente da categoria de base e eles falavam “Você é a única mulher aqui. Se os meninos falarem alguma coisa para você, adolescente é assim mesmo, eles não estão acostumados a ver mulher por aqui.” Isso começou a me chamar a atenção, a me incomodar de alguma forma. Hoje, eu tenho um grupo de pesquisa de mulheres no esporte na UFJF e, logo no final da formação, eu vi a oportunidade dessa temática do mestrado.

MJ: O que você identificou no seu estudo e quais dados foram os mais expressivos e chocantes em relação às mulheres em posições de gestão no futebol?

Monique Torga: O estudo foi feito com a Série A, B e C do futebol brasileiro no recorte do ano 2017, porque dentro da pesquisa científica a gente precisa de alguns parâmetros. Para poder comparar e se embasar, eu precisava olhar os estatutos, as diretrizes.

Eu entrei em contato com esses 70 clubes, fiz um levantamento de todas as diretorias, o que estava previsto nos estatutos, históricos e tudo mais. E consegui visitar seis clubes que tinham mulheres na direção. Foi uma surpresa ver que, no meio de 240 possíveis cargos, tinha apenas cinco mulheres. Além disso, eu pude observar o quanto a influência política é forte nesse meio.

Dessas mulheres que eu consegui entrevistar, apenas uma era remunerada e apenas uma foi contratada pelo clube e cresceu dentro da empresa com uma trajetória de 14 anos. O que me espantou foi ver que muitas delas estão lá apenas por ser uma figura de representação política.

De fato, essas mulheres já transpuseram essa barreira do teste de vida porque elas chegaram lá. Mas, o que assusta é, de que forma essas mulheres chegaram lá? E como ela se mantêm no ambiente? A gente sabe que o futebol tem diversos problemas, diversos escândalos de corrupção e outras polêmicas. Porém, a forma como essas mulheres são expostas, são cobradas, é completamente diferente dos homens na gestão do futebol. Para a mulher, as cobranças sempre vão ter um peso maior e isso custa a vida profissional e pessoal, enquanto para os homens isso não acontece, seja em um escândalo financeiro ou a simples troca de um jogador ou um treinador.

MJ: A partir do seu estudo, quais melhorias você viu nos últimos anos, com a maior visibilidade do futebol feminino?

Monique Torga: Desse retrato de 2017, como é uma jornada política, a gente não pode falar de evolução e aumento, porque essas mulheres não conseguem se manter por mais de quatro ou seis anos. Entretanto, hoje, no Brasil, temos menos mulheres do que tínhamos em 2017. Das seis mulheres entrevistadas para a pesquisa, apenas uma continua no clube, mas não está mais em um cargo de diretoria.

Porém, a gente viu um crescimento, uma visibilidade grande das categorias femininas e de mulheres na liderança das categorias femininas. Por exemplo, temos a Aline Pellegrino, coordenadora do departamento de futebol feminino na Federação Paulista de Futebol. Mas, para mim, o mais curioso é que essas mulheres não estão de olhos abertos para representatividade delas dentro desse ambiente. Elas nunca levantaram muito a bandeira da luta para as outras mulheres, de contratar outras mulheres e criar projetos.

MJ: Qual a importância de ter mulheres na liderança do futebol brasileiro e mundial?

Monique Torga:  A importância de ter mulheres na liderança do futebol brasileiro e mundial é o valor de exemplo. Quando nós vemos mulheres apoiando e incentivando mulheres, mostrando o caminho, isso é o que transpõe essas barreiras. E mesmo assim, esse espaço foi conquistado sempre por meio de muita luta, por meio de muitos protestos e muita exigência, e ainda é. Então, eu acho que estamos longe de chegar num cenário ideal de equidade.

Recentemente, eu participei do congresso da ABRAGESP sobre gestão esportiva. O evento teve um eixo temático sobre diversidade de gênero no esporte. Eu observei meninas com estudo sobre isso, sobre futebol feminino, sobre as treinadoras, sobre os modelos de gestão.  É um panorama completamente diferente de 2017, quando eu construí um trabalho do zero, sem nenhum outro referencial teórico semelhante.

MJ: Como você enxerga a representatividade de mulheres dentro dos clubes e federações?

Monique Torga: O meu ponto de vista crítico é o seguinte: por que homens ainda podem treinar mulheres, gerir e supervisionar mulheres, comandar mulheres, mas elas ainda não estão nas equipes masculinas? No meu trabalho, eu não quis trazer o olhar para o futebol feminino, porque eu quis colocar lideranças femininas no espaço de dominância masculina, que é o futebol masculino. Nós não podemos deixar de se atentar que os diretores, os coordenadores e os presidentes ainda são homens e as mulheres apenas governam dentro do campo das categorias femininas.

É extremamente representativo ver uma mulher como a Fatma Samora dentro da FIFA, uma mulher negra dentro de uma posição de tomada de decisão em um órgão importante. Porém, ainda me incomoda essa questão: homens governam mulheres, mas mulheres só governam mulheres.

Eu sei que já é um passo, mas existem já muitas figuras femininas se destacando e criando oportunidade para outras mulheres. Mas, ainda assim, eu acho que faltam algumas coisas. Essa mudança está acontecendo e acredito que vai acontecer cada vez mais. Vemos a representatividade no cenário internacional e isso se torna um espelho para o Brasil.