O amor e suas várias formas de manifestação
Por Vanessa Van Rooijen, Jornalista – SP
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Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Editora de conteúdo – Site MJ: Beatriz Azevedo, Jornalista
O que significa o amor e como pode ser manifestado?
Já dizia Beth Carvalho, um grande nome do MPB, na canção Andança: “Só o amor me ensina onde vou chegar…”. É por amor a algo ou alguém que a sociedade se move e evolui. O amor está nos grandes combates da época medieval, nos contos e mitos que são contados durante a infância e no dia a dia para levar sustento para dentro de casa. O amor pode estar em tudo.
De acordo com Mário Tito Almeida, filósofo e teólogo, definir amor com a razão é uma tentativa das mais difíceis. Ele afirma que bibliotecas inteiras já foram escritas por todo tipo de pensadores. De filósofos a poetas, passando por teólogos e psicólogos, as falas sobre o amor acabam excedendo a capacidade de explicação.
“Acho que isso se deve ao fato de que amor é isso: algo que excede a racionalidade. De certa forma, o amor sempre se refere a algo ou alguém, mesmo que esse seja o próprio sujeito do amor. Na minha compreensão, não se pode falar em amor sem a ideia do amado, isto é, do objeto ou sujeito a ser amado. Amor, então, pode ser entendido como movimento de afeição em direção ao amado, que envolve um complexo de dinâmicas do ser na sua existência relacional. É mais do simples afeto ou sentimento. É uma dinâmica constante de sentir-se bem amando e sendo amado. Amar é sair de si”, afirma o filósofo.
Tito explica que, dado que essa relação de afeto, essa dinâmica de amar e ser amado, é algo próprio da natureza humana, pode-se dizer que o amor nasce com o próprio ser humano. “Faz parte de sua constituição ontológica, dizemos em filosofia. Antropólogos culturais relatam que, mesmo nas sociedades primitivas, onde a preocupação mais urgente era a sobrevivência em um ambiente hostil, a organização social baseada nas relações de afeto, especialmente nos clãs, era a base das relações”. Ele explica que na medida em que os grupos sociais foram se tornando mais complexos, pode-se afirmar que os vários tipos de amor foram sendo consolidados na perspectiva de institucionalização de grupos humanos específicos.
De acordo com o especialista, os gregos possuíam uma forma peculiar de falar de amor que influenciou fortemente a cultura ocidental. Eles possuíam três vocábulos para designar amor: eros, filo e ágape. O primeiro se referia ao amor mais superficial, de proximidade. Por exemplo, dizer “eu te amo” usando o verbo eros significava “eu gosto de sua presença”. Somente mais tarde é que eros acabou gerando o que se conhece como erotismo, via corporificação do sentimento. O vocábulo “filo”, por sua vez, diz respeito ao amor de amizade. Dizer “eu te amo” usando este verbo era o mesmo que dizer “confio em ti”. Já o vocábulo ágape é mais profundo. Significa profundidade da relação. Assim, “eu te amo” usando ágape quer dizer “sou capaz de dar minha vida por ti”.
De acordo com o filósofo, vivemos em um mundo da relatividade e do relativismo. Um mundo “líquido”, como diz o sociólogo Zygmunt Bauman, em “Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos”. “Relações na contemporaneidade são marcadas pela efemeridade, pela inconstância e pela descartabilidade. Ausência de relações afetivas fortes produzem angústias, instabilidades e vidas sem sentido. Por isso, é possível que vida mesmo, aquela vida com V maiúsculo, só pode ser vivida com amor e no amor. Com amor porque nos leva a fazer experiências de gratuidades que enriquecem. No amor porque nos faz entender que esse é o melhor caminho para encontrar sentido na existência. Isso não significa uma vida de aceitação ou de “apagamento” diante dos problemas. Significa que até mesmo o empenho social, as resistências, as lutas por mudanças devem ser feitas no sentimento de inclusão amorosa de quem fica de fora das estruturas “não-amorosas” que vivemos. Viver sem amor não é viver, é morrer todo dia”, defende Tito.
Os quatro amores
Como afirmou Tito, muitos autores, filósofos, poetas, entre outros pensadores, produziram obras e teorias sobre o amor. Em Os Quatro Amores, o escritor, poeta e romancista C. S. Lewis contempla a essência do amor e avalia os tipos de amor que é vivido ao longo da vida. Em sua obra, ele defende quatro maneiras de amor que, de uma forma, serão vividas por todo ser humano. São elas a Afeição, a forma mais básica de amor; a Amizade, segundo ele, considerada a mais rara; Eros, o amor apaixonado; e a Caridade, o maior e menos egoísta deles. Os três primeiros são chamados por Lewis de amores naturais e o último seria o amor divino. Lewis entende os quatro amores da seguinte forma:
– Afeição: é aquele amor envolvido por coisas, pessoas e situações familiares. Essa forma de amor só é percebida após já existir há algum tempo.
– Amizade: segundo Lewis é um amor menos valorizado que a Afeição e o Eros em nossa época. É pouco valorizada do ponto de vista biológico e a menos natural dos amores. Poucos têm experiências reais de Amizade. O autor ainda faz uma distinção entre amor e companheirismo. O primeiro não seria uma condição necessária para a vida em comunidade, mas o segundo sim. E há confusão entre eles. Lewis explica que o companheirismo vem da cooperação entre pessoas do mesmo ambiente e a partir daí são criados laços.
– Eros: este seria o amor de casal. Ele explica que não se trata do amor que envolve sexo, mas sim ao amor entre as pessoas que firmam um compromisso. Ele adota o termo Eros para o amor de casal como um todo e o termo Vênus para a relação sexual.
– Caridade: por fim, Lewis analisa a Caridade e afirma este ser o amor de Deus. Ele afirma que os outros amores naturais devem se relacionar com esse amor, a Caridade, por ser o amor absoluto, o original.
Um resumo sobre Os Quatro Amores pode ser lido no blog Oásis Literário.
E mais importante do que entender de forma filosófica ou teórica o que é o amor, é vivê-lo. Conheça quatro histórias de amores diferentes, mas verdadeiros no seu modo de ser:
Amor além da genética
Poderia ser o amor de mãe a forma ágape ou Afeição de amar? Rosa Silva, militar reformada, estava de serviço, cuidando do Patrimônio de uma instituição de atendimento socioeducativo, em um dia normal de trabalho, quando conheceu Ana Sales, uma jovem de 17 anos em situação de restrição de liberdade. Pela idade e pelo comportamento, não conseguia ser adotada, mas isso não foi obstáculo para Rosa.
Sem pensar duas vezes, Rosa decidiu adotar Ana. Foi quando começou uma linda relação de amor. A militar reformada conta que sofreu retaliação pela decisão, seguido por um processo difícil de adaptação, como confirma Ana: “Eu era uma pessoa muito difícil e sem sentimentos devido a todos os traumas que vivi”.
Ao longo dos anos foram discussões, brigas, perdões, alegrias e, sempre, amor. “Quando minha mãe disse que iria me adotar, eu falei que ela estava perdendo o tempo dela. Eu não queria mais ser adotada. Estava cansada de ver todos com uma família, menos eu. Estava revoltada e só queria sumir do mundo. Mas ela lutou por mim. Nunca desistiu”, lembra.
Hoje, Ana tem 44 anos e é cuidadora de idosos. Estudou, formou família e trabalha. Uma realidade que, para ela, era impossível existir antes da adoção. “Se eu não tivesse sido adotada, eu teria tido um outro rumo na vida. Eu estava numa época de muita revolta. Eu gritava e ninguém me ouvia. Minha vida talvez teria terminado na beira de uma estrada”, lembra.
Rosa lembra que as pessoas diziam que ela iria “chorar lágrimas de sangue” por adotar uma adolescente de um centro de reeducação, mas não há arrependimentos, segundo a militar reformada. “Quando eu a conheci, foi amor à primeira vista. Um amor de querer cuidar, um amor de mãe. No início, a gente brigava muito, mas nunca desisti dela. Nunca deixei de amá-la. Foi muita luta, mas o amor e a conversa resolvem tudo. Hoje, tudo foi superado e a doação é um ato de amor por uma criança que, até a adoção, não tem ninguém. É amor, respeito, saber criar. O amor acima de tudo. Eu me dei por inteiro a ela, assim como fiz com meus filhos biológicos. Não importa se foi gerado ou adotado, é o mesmo amor”, afirma.
Hoje, Ana é mãe de quatro filhos, casada e tem uma vida cheia de amor ao lado dos irmãos e da mãe adotiva. O coração que, antes, segundo ela, só tinha ódio, rancor e mágoas, hoje é um local que transborda amor. “A minha mãe é a minha vida. Ela fez tudo por mim e nunca desistiu. E sei que, se fosse necessário, ela faria tudo de novo. Sou grata e feliz por ela ter me escolhido. A adoção é importante. Há tantas crianças e adolescentes, como eu, que só precisam de oportunidade e amor”, lembra emocionada.
Trinta anos de amizade
Com 30 anos de amizade, a história do quinteto Yanna Tally Oliveira (41), Nathalia Sanz (41), Marina Caldas dos Santos (41), Bianca Oliveira (41) e Jéssica Nicole (40) se resume a um amor que ultrapassa fronteiras. Todas se conheceram no mesmo colégio, mas não na mesma época. Yanna e Nathalie se tornaram amigas no quarto ano do ensino fundamental. Em seguida, a Jéssica entrou para o trio. As últimas a entrarem no grupo foram Bianca e Marina, ambas no ensino médio. Muitos anos se passaram e até hoje são inseparáveis mesmo com a distância.
Hoje, a publicitária Yanna e a médica Jéssica moram em Belém do Pará. A atriz Marina e a dona de casa Bianca moram no Rio de Janeiro. A gerente de comunicação, Nathalie, morou em São Paulo, Suíça, México e agora vive na França. Yanna conta que, mesmo com a distância, buscam sempre estar presentes uma na vida da outra. “Apesar de ter o distanciamento físico e geográfico, aproveitamos sempre que temos a oportunidade de nos falar ou encontrar”.
O amor que existe na relação entre as cinco mulheres rendeu uma situação inusitada e histórica para o grupo. Dia 27 de setembro é uma data especial para Nathalie, Yanna e Bianca. Elas tiveram filhos no mesmo dia. A filha de Nathalie nasceu alguns anos antes das filhas de Yanna e Bianca, mas no mesmo dia. “São coincidências da vida”, afirma Yanna.
De acordo com Marina, amizade é uma conexão muito forte que temos com algumas pessoas. Amizades verdadeiras como a nossa continuam vivas independente do tempo e da distância. “Eu acredito que a nossa amizade é sim uma relação de amor. Acho que os amigos mais próximos são como irmãos que escolhemos durante a vida. É esse sentimento que tenho em relação às meninas. Aprendi coisas e vivi momentos únicos com elas que vou levar para vida toda”.
Amigo fiel
O amor entre humanos e animais está crescendo a cada dia. A jornalista Thaís Marques e o pequeno Tony, um yorkshire terrier de 5 anos, compartilham de um amor puro e leal. Tony e Thais dormem juntos, assistem televisão, conversam e são companheiros um do outro. Para a jornalista, ele é um grande amigo.
Tony foi adotado. Uma criadora de Yorks anunciou que tinha um cachorro para adoção e Thais foi ver o pet, já que procurava um companheiro, mas queria adotar, não comprar. Quando ela chegou na casa da criadora, descobriu o motivo da doação de Tony. Ele tinha um sério problema de pele e como a criadora não sabia se passava para os outros cães, ele ficava sozinho, na chuva, no sol, no frio, isolado dos demais.
“Ele era bem feinho, confesso, mas eu sabia que se eu deixasse ele lá, ele morreria. Então, eu peguei ele e fui direto para o veterinário. Começamos um longo e difícil tratamento, mas hoje ele é super saudável e tem a pele linda. Eu acredito muito que o que ele estava precisando era de atenção e amor”.
Thais acredita no amor entre humanos e animais e este ser um dos mais puros que possam ser vividos. “Para os animais, o que realmente importa é quem você é, não o que você tem ou faz. É uma relação sincera, cheia de sentimentos e, por isso, tão especial. Um amor intenso e diferente de tudo o que podemos viver! Hoje, eu agradeço por ter o encontrado e eu acredito que ele também”, afirma.
O Brasil é o terceiro maior país em população total de animais de estimação, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). São 54,2 milhões de cães, 23,9 milhões de gatos, 19,1 milhões de peixes, 39,8 milhões de aves e mais 2,3 milhões de outros animais. O total é de 139,3 milhões de pets, o que demonstra a força potencial do setor na economia brasileira. Tony representa todos os companheiros pets que vivem nas casas brasileiras. Ele representa o amor dado e recebido aos animais nos lares e famílias.
Entre encontros e desencontros
Assim como no filme “Diário de uma paixão”, protagonizado por Ryan Gosling e Rachel McAdams, Natasha Cardoso (33) e Junior Oeiras (30) viveram um amor de verão que foi interrompido. Após 10 anos sem contato e cada um em rumo diferente, o reencontro veio em 2019. Juntos há dois anos, o casal afirma: “amar é ter paciência, companheirismo, respeito e diálogo. Amor é ter um e o outro em primeiro lugar”.
A servidora pública conta que, depois do reencontro, houve uma longa conversa, quando vieram à tona várias revelações. “Após a conversa e muitas revelações, descobrimos que ainda tinha amor um pelo outro. Resolvemos tentar de novo. No começo foi difícil porque morávamos em cidades diferentes, mas sempre demos um jeito para estarmos juntos. Durante a pandemia da covid-19, sofremos com a distância, foi quando decidimos morar juntos”, conta.
Após dois anos do reencontro, Natasha e Junior afirmam estar felizes. Hoje, são “pais” de uma grande família, formada por quatro gatos e um cachorro. Eles compartilham ainda da mesma meta para o futuro. “Temos amor e felicidade, agora a meta é ficarmos ricos!”, brinca o casal quando perguntados sobre os planos para o futuro. E lembram que a maior riqueza que podem ter é o sentimento que compartilham, capaz de enfrentar qualquer obstáculo.
Ame de forma saudável!
O que todas essas histórias têm em comum? O amor como base. Uma convivência entre pessoas, certamente, exige que inúmeras questões possam ser conversadas e acordadas pelas pessoas que convivem. Dialogar, planejar e decidir precisa fazer parte da vida em conjunto. Isso tudo envolve um sentimento que chamamos de amor, como explica Karine Hamad, mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal do Pará e professora de Psicologia da Universidade da Amazônia (Unama). Segundo a psicóloga, o amor é algo complexo e multifatorial, que tem relação com a confiança. A confiança é construída na relação, no diálogo e no respeito.
“A importância desse diálogo vem pelo fato de que o ser humano apresenta alguns processos cognitivos como influenciadores das emoções e comportamentos. Estudos publicados confirmam o papel negativo dos pensamentos, crenças, expectativas, atribuições, entre outros, na qualidade dos relacionamentos maritais. A partir dessa perspectiva teórica, podemos pensar no quanto o diálogo, as ideias compartilhadas e os acordos entre as pessoas, que fazem parte da convivência umas das outras, pode fazer com que se sintam amados, pelo fato de que as decisões são pensadas a partir daquilo que é saudável para todos, sejam casais, sejam amigos ou familiares”, pontua.
Hamad explica que, nessa perspectiva, o relacionamento recebe a validade para a saúde mental. Pessoas saudáveis se relacionam de maneira emocionalmente saudável, sendo comum sua participação e empenho ao que se refere sobre o respeito e as expectativas sobre o outro. “Através da reciprocidade no amor, é possível construir relações duradouras, saudáveis e que trazem benefícios para o indivíduo como um todo”, afirma.
Após concluir a leitura dessa reportagem, o Instituto Mulheres Jornalistas tem uma sugestão: olhe para quem você ama – seja sua mãe ou pai, relacionamento amoroso, amigo ou pet – e diga: “EU TE AMO!”.