Detentas abandonadas pela família sobrevivem as penitenciárias sem acesso a alimentos e kits de higiene
 
Por: Clara Maria Lino, Repórter Rio de Janeiro

O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias femininas do mundo. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), os números ficam atrás somente dos Estados Unidos, Tailândia e China. No estado de São Paulo, 14.175 mulheres ocupam as penitenciárias até o início deste mês. Em 2010, 8.378 estavam em regime fechado, semiaberto ou aberto. Esses números representam um aumento de 60% dessa população no estado.
 
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o perfil das mulheres prisioneiras segue um padrão: negras ou pardas, vítimas de violência (física, sexual ou psicológica), fruto de família desestruturada, com baixo nível de escolaridade e presa por tráfico de drogas. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP), os principais crimes praticados por mulheres custodiadas nas unidades são: tráfico de drogas, roubo, furto, homicídio e apropriação indébita. Ou seja, não dá para entender as vias de regra como coincidência. Através dessa estatística, empresas se unem a SAP e oferecem cursos de capacitação em empreendedorismo, gestão de negócios, empoderamento feminino e inclusão social. De junho a novembro de 2019, 300 mulheres foram capacitadas nas penitenciárias femininas de Sant’Ana e da Capital.
 
A advogada criminalista Giovanna Sigilló afirma que as notícias mais antigas sobre encarceramento feminino datam aproximadamente de 1870, época do Brasil Império quando, na Casa de Correção da Corte, existia o Calabouço que era a prisão destinada aos escravos. Neste local, 187 mulheres escravas foram aprisionadas, conforme consta nos documentos. Em 1942, foi projetada a primeira penitenciária voltada ao encarceramento feminino: Penitenciária de Mulheres do Distrito Federal, em Bangu, Zona Norte do Rio.
 
De acordo com Giovanna Sigilló, o próprio surgimento das prisões femininas no Brasil não foram pensados para oferecer condições mais dignas de cumprimento de pena às mulheres, mas, para melhorar as condições do homem preso.
 
” As penitenciárias femininas foram feitas para amenizar os efeitos da abstinência sexual sentida por eles quando na presença de mulheres dentro do cárcere. Esta atitude mostra o pensamento girando em torno somente do homem, como se a mulher não sentisse as mesmas necessidades sexuais que, por sua vez, são socialmente aceitas quando se trata do homem, mas, quando demonstradas pelas mulheres, as fazem ser rotuladas como ‘ninfômanas’.”
 
O motivo do aumento de mulheres nos presídios está ligado a participação delas no tráfico de drogas. Geralmente, a atividade feminina neste meio é voltada para trabalhos mais subalternos a ponto de não conseguirem contribuir com as investigações da polícia. Este comportamento costuma ser diferente entre os homens. A força do patriarcado colabora para que eles tenham cargos mais elevados no crime e possam colaborar com as investigações. Essa atitude costuma diminuir o tempo de prisão.
 
A separação dos filhos é uma questão que ilustra o fato declarado por Giovanna Sigilló de que as penitenciárias foram feitas para homens. Oitenta por cento das prisioneiras sofrem com esse problema no país. Não há locais para amamentação nos cárceres. Para mais, as mães correm o risco de perder a guarda caso não encontrem com quem deixar as crianças. Por outro lado, relatos de abandono da família das detentas, também estão ligados ao patriarcado. Com isso, as prisioneiras abandonadas sobrevivem as penitenciárias sem acesso a alimentos, kits de higiene, dentre outros objetos de necessidade básica. O suicídio entre as detentas é 20 vezes maior que a média nacional.