Por Sara Café, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

No mês em que é celebrado o Dia Nacional do Idoso e Dia Internacional da Terceira Idade (01/10), já é normal se deparar com cada vez mais idosos trabalhando como ambulantes, comerciantes ou com seu próprio negócio pelas ruas das grandes capitais do país. 

Esse movimento da terceira idade trabalhar informalmente, sem direitos trabalhistas, garantias de segurança ou renda fixa, ocorre devido às necessidades básicas de sobrevivência até a problemas complexos, como a solidão e a falta de lazer voltada para tais cidadãos. 

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), no segundo trimestre de 2023, mais de 4 milhões de trabalhadores com 60 anos ou mais estavam na informalidade. O índice representa aumento de 4,9% ante ao mesmo período do ano passado. De abril a junho de 2023, houve a entrada de 412 mil novos trabalhadores nesta faixa etária na força de trabalho. 

A investigação considera trabalhadores que já foram formais um dia e caíram na informalidade, aqueles que nunca tiveram carteira assinada, também os que se aposentaram e voltaram ao mercado para complementar a renda. Conforme destaca o estudo, a quantidade de empregados informais com 60 anos ou mais aumentou mesmo com a redução do total de informais, que caíram de 39,3 milhões para 38,7 milhões, na comparação entre o segundo trimestre de 2022 e o de 2023.

A advogada previdenciarista Mardenia Campos ressalta que o valor do salário mínimo não supre as necessidades básicas das famílias. “É grande o número de pessoas idosas em nosso país. Vale ressaltar que esse número só aumenta e a renda mensal de um salário mínimo, na maioria das vezes, é a única renda daquele grupo familiar, não dando para suprir as necessidades básicas, surgindo a necessidade dessas pessoas voltarem para o mercado de trabalho informal para complementação da renda.”

Sob a lógica da valorização cada vez maior da produtividade, a idade é vista com um fator que pode limitar a produção e obtenção de lucro por parte dos contratantes. “Pessoas acima de 50 anos têm sido a maior parte da nossa população e o mercado de trabalho ainda não está preparado para ter em seus grupos pessoas idosas, existindo ainda uma falta de ofertas de emprego para esse grupo”, explica a especialista. 

Empobrecimento 

As ruas de Fortaleza começam a se movimentar cedo. Quiosques e ambulantes madrugam para estarem abertos ou em circulação juntamente com os primeiros raios de sol do dia. Em centros comerciais, rodoviárias ou pelas ruas da capital cearense, as pessoas tentam ganhar suas vidas. 

José Cavalcante, sapateiro na Praça José de Alencar. | Imagem: Sara Café

Nos 27 anos em que trabalha como sapateiro na Praça José de Alencar, no centro de Fortaleza, José Cavalcante nunca viu tantas pessoas na rua em busca de um sustento. Entre essas pessoas, conta que se destaca a presença de mães solo, adolescentes e idosos.

“Tem muitos idosos chegando na rua agora para trabalhar. Eles pedem ajuda para saber onde podem ficar, o que podem vender. Tem gente que não consegue se sustentar com a aposentadoria. Tem gente que não conseguiu se aposentar e o mercado de trabalho não quer mais. Tem gente que o filho ou a filha morreu e precisa sustentar os netos. São muitas histórias. Eu mesmo estou aqui para complementar a renda de casa.” 

As feiras nas praças geram empregos, ainda que informais, mas importantes na economia da região, fomentam comércios ambulantes em seus arredores, e ainda que em condições precárias do ponto de vista de infraestrutura, esse tipo de comércio cresce em detrimento às oportunidades de trabalho dispostas na linha da formalidade.

João Batista Santos Sousa, vendedor ambulante nas ruas do Centro, mais conhecido como homem-aranha de Fortaleza, comenta que muitos trabalhadores não acompanharam a discussão em torno da Reforma da Previdência e não se deram conta das mudanças que impactaram suas vidas diretamente, porque estavam muito concentrados em necessidades imediatas de sobrevivência.

“As pessoas estão mais preocupadas em estar vivas do que com o futuro. Eles não estão fazendo essas contas e muitos não sabem nem fazer. Eu não tenho como pensar no que vai acontecer daqui a 10, 15 ou 20 anos, sendo que eu estou em uma situação horrível agora e estou precisando viver agora. Essa situação precária faz com que a gente não tenha tempo para pensar no futuro.”

Comerciante na rua José Avelino. | Imagem: Sara Café

Em 2022, a Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) solicitou um levantamento quantitativo de pessoas que trabalham no comércio informal da rua José Avelino e no entorno. O secretário de Desenvolvimento Econômico (SDE), Rodrigo Nogueira, informou que foram identificadas 4.200 comerciantes informais. 

A PMF vai fazer o cruzamento de dados para que possa ter a dimensão da quantidade de pessoas que realmente trabalham nesse entorno e conseguir encontrar uma “solução viável para todos”. “Tanto para o poder público, que tem a obrigação de ordenar o espaço público da cidade, quanto para os trabalhadores, que precisam ter esse trabalho para sustentar suas famílias”, explicou por meio de assessoria.

Somente o básico

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741) estabelece que obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso a efetivação do direito à vida. No entanto, a realidade dos idosos está precarizada. 

O coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV), o economista André Braz, tem entre os indicadores calculados por sua equipe aquele que mede a inflação da terceira idade, o IPC-3i. 

O cálculo parte da diferença da cesta de compras dos idosos, em que algumas despesas como planos de saúde e medicamentos têm mais peso, e outras, como transporte público. Em um cenário de idosos mais empobrecidos, ele estima que essa cesta de compras ficará cada vez mais concentrada no básico para a sobrevivência. 

Com exigências mais rígidas e mudanças de cálculo impostas pela Reforma da Previdência, benefícios menores ou aposentadoria alguma os aguardam na velhice. O Dieese estima que, contando com períodos de desemprego e informalidade, o trabalhador brasileiro leva cerca de 25 anos para somar 15 anos de contribuição. 

“Vale ressaltar que muitos deles são os provedores de suas famílias. Muito já se fala da volta ao mercado de trabalho após a aposentadoria, mas ainda sem muito sucesso. Já foi possível ver que algumas empresas criaram projetos para abrir vagas para pessoas idosas, mas precisamos de muito mais, precisamos que as pessoas idosas continuem ativas e no mercado de trabalho por mais tempo”, completa a advogada. 

Idoso na Praça do Ferreira. | Imagem: Sara Café

Previdência

Em 2021, no último levantamento do IBGE, pessoas com idade acima ou igual a 60 anos correspondem a 14,7% da população brasileira, ou seja, 33,8 milhões de idosos, um aumento de 3,4%. Em comparação, a porcentagem de pessoas abaixo dos 30 anos caiu em 6% no mesmo período de tempo. Assim, o Brasil caminha a passos largos para se tornar um país idoso.

A advogada Mardenia Campos explica que muitas pessoas idosas, após se aposentar, preferem voltar ao trabalho para uma complementação da renda, mas não com carteira assinada ou contrato de trabalho e sim para o mercado informal. “Mas quando se está trabalhando de forma informal e já é aposentado, não tem sentido fazer qualquer contribuição para o INSS. Veja que essas pessoas quando deixam de contribuir, deixam de aumentar a receita da previdência trazendo problemas para outras pessoas que irão precisar de benefícios futuros do INSS.”

A Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa (SNDPI), afirmou que o Brasil ainda caminha para construir uma política de Estado visando o enfrentamento desse desafio e de muitos outros que opõem a população idosa do país. 

“O INSS precisa que mais pessoas contribuam para poder a conta bater, entrada e saída, podendo lá na frente ter problemas com pedidos de novos benefícios, por isso hoje existem contribuições de valor baixo, exatamente para aumentar essa receita. Mas é importante saber que o trabalho informal acaba por prejudicar a previdência, pois a maioria dessas pessoas não está contribuindo para o INSS”, finaliza a advogada previdenciarista.