Recrudescimento da pandemia, queda de popularidade nas redes sociais e possível entrada de Lula no pleito de 2022 levam Bolsonaro a adotar retórica pró-vacina 

Comentarista Melissa Rocha-RJ

O governo federal adotou nesta semana uma postura mais moderada em relação à vacinação contra a covid-19. Se antes o presidente Jair Bolsonaro vociferava contra a imunização e defendia tratamentos sem comprovação científica, hoje ele sanciona Projetos de Lei que ampliam a aquisição de imunizantes e se reúne, por videoconferência, com o presidente da Pfizer para acertar o envio de doses da vacina da farmacêutica para o Brasil. A mesma Pfizer, aliás, que ao longo de 2020 teve três propostas de envio de vacinas sumariamente rejeitadas pelo governo brasileiro. 

Não que a mudança de postura não seja positiva, mas de fato ela leva a questionamentos. Qual seria a razão dessa virada de 180 graus na retórica? Teria o presidente finalmente despertado para a gravidade da pandemia, que, como um rolo compressor, avança pelo país destruindo vidas, empregos e a economia? 

Infelizmente, não foi esse o caso. A razão da mudança, na verdade, reflete a preocupação do governo com o desgaste de sua imagem, que como consequência comprometeria as chances de reeleição em 2022. 

O temor no Planalto não é infundado, e para entendê-lo basta olhar para duas pesquisas divulgadas recentemente. A primeira, feita pelo PoderData/Band, mostrou que o percentual de brasileiros que querem se vacinar subiu de 78% para 85%. Isso significa que a parcela da população que apoia a retórica antivacina, alimentada pelo presidente, minguou. E isso é reflexo do choque de realidade causado pelo recrudescimento da pandemia no país. Nos últimos dias, o número de casos e mortes pela doença saltou, levando o Brasil a registrar novos recordes consecutivos de vidas perdidas para o vírus em 24 horas. Diante dos fatos, o discurso contra a vacina perdeu tração e esvaziou a ala dos negacionistas. O último que sair, apague a luz. 

Já a segunda pesquisa, da agência Quaest, atingiu em cheio o principal reduto do núcleo duro de apoiadores do presidente: as redes sociais. A sondagem apontou que o presidente encolheu nas redes, com perda significativa de engajamento e seguidores. A queda reflete a insatisfação com a gestão da pandemia e os efeitos negativos que essa má gestão tem na economia. 

Houve também um outro elemento que contribuiu para a mudança de postura de Bolsonaro. A anulação das condenações de Lula colocou o ex-presidente de volta no páreo do pleito de 2022. Qualquer que seja a opinião sobre Lula, ignorá-lo como ator político de peso seria tapar o sol com a peneira. Prova disso é que a mesma pesquisa que aponta o encolhimento de Bolsonaro nas redes sociais, também aponta o crescimento de Lula. E embora o PT ainda não tenha definido oficialmente quem será seu representante em 2022, o discurso de Lula na última quarta-feira, 10, não deixou dúvidas de que, mesmo se não vier como candidato, ele participará ativamente do pleito. 

À parte os motivos de Bolsonaro para mudar o discurso, resta também destacar a responsabilidade da sociedade no recrudescimento da pandemia. Isso porque o número de mortes não subiu apenas por conta da má gestão do governo e das novas variantes do vírus, mas também por um sistemático desrespeito às normas de distanciamento e isolamento social. Em parte, os altos números de mortos que vemos hoje são resultado das festas promovidas país adentro durante o Carnaval. São também fruto de um pensamento equivocado de que a pandemia ficou para trás em 2020. Não ficou. E isso pode ser conferido no fato de que nada menos que 25, das 27 capitais do país, estão hoje com seus leitos de UTI para covid com ocupação igual ou acima de 80%. 

Em outras palavras, fica o alerta: de nada adianta criticar o governo, lamentar as mortes e exaltar profissionais da ciência e saúde que hoje estão na linha de frente, se não assumirmos também nosso papel no combate à covid-19.