Por Mayara Medeiros, jornalista
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“Antes tarde do que nunca”, esse foi um dos comentários no post da Universidade de São Paulo (USP), no Instagram, após publicar a iniciativa da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), ao divulgar a lista de obras literárias obrigatórias, apenas por escritoras em língua portuguesa.

Entre os nomes escolhidos pela banca estão Clarice Lispector, Conceição Evaristo, Djaimilia Pereira de Almeida, Julia Lopes de Almeida, Lygia Fagundes Telles, Narcisa Amália, Nísia Floresta, Paulina Chiziane, Rachel de Queiros e Sophia de Mello Breyner Andresen.

A iniciativa de exclusividade na leitura por mulheres acontecerá entre os anos de 2026 a 2028. Após esse período, a Fuvest retoma a alguns clássicos da literatura em língua portuguesa, como Machado de Assis e Eça de Queiroz. Porém, de forma mesclada, respeitando sempre o espaço às mulheres da literatura. “Trata-se de trazer a público [as obras de escritoras] e valorizar o que, muitas vezes, ainda não se conhece e destacar a importância das mulheres no cânone, em diferentes períodos históricos”, explicou o diretor executivo da Fuvest, Gustavo Ferraz de Campos Monaco, em entrevista publicada pelo jornal da Universidade.

De fato, a iniciativa traz à tona o quanto os estudantes não se dão conta das obras e autores aos quais têm buscado em suas leituras. Esse foi o caso da aluna do terceiro ano do ensino médio, Ana Clara Gomes, de 18 anos, e vestibulanda do curso de Medicina. “Eu nunca parei para pensar, na verdade. Não costumo prestar muita atenção no autor em si, só mais no conteúdo”, disse. “Já li alguns da Clarice Lispector, Ágatha Christie, de Santa Teresa d’Ávila etc”, completou.

Por um lado, o incentivo a fórceps se faz necessário diante das pautas sobre inclusão, igualdade e equidade, por outro, instituições, alunos e professores precisarão incluir, de maneira contundente, as obras de escritoras em suas mesinhas de cabeceiras, estantes e planejamentos pedagógicos. Para o professor de Literatura do ensino médio, Deyvini Almeida, é importante destacar obras clássicas e contemporâneas escritas por mulheres. “A iniciativa tomada pela Fuvest mostra a importância que a Literatura atribui aqueles que, de certa forma, contribuem ou contribuíram para a propagação do conhecimento”.

Para a candidata ao curso de Medicina, Ana Clara, o ‘Calcanhar de Aquiles’ no incentivo à leitura no Brasil está na impessoalidade ao gosto dos estudantes. “Acho que o maior empecilho para a leitura nas escolas é que os professores entendam o que cada aluno gosta de ler. Muitas vezes as obras são impostas aos alunos, mas até eu, que sou uma leitora assídua, acho alguns livros chatos”, concluiu.

“As escritoras sempre estiveram presentes em minhas indicações literárias, pois tomando partido de tão eloquente arte, são elas, as mulheres, que dominam, não só na escrita, mas também na inspiração”, explicou Deyvini.

Ao aproveitar a pauta intelecto-feminina, Almeida deixa claro que a figura feminina sempre esteve presente na literatura em língua portuguesa, antes como a personagem na qual o enredo se enveredava, depois, a mulher enquanto a autora das histórias. “Inês de Castro, por exemplo, mesmo não sendo escritora, deixou para a literatura um legado de força e luta em prol de seu ideal: viver um amor proibido, sendo este seu algoz. Ela foi, na minha opinião, uma das maiores influências femininas na classe literária”, refletiu o professor. “E não poderia deixar de mencionar um grupo de mulheres que revolucionaram a literatura mundialmente, como Sóror Mariana Alcoforado, Florbela Espanca, Agostina Bessa-Luís, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Agatha Christie, Emily Bontë, J.K. Rowling, Stephenie Meyer e a Lucinda Riley”, finalizou.

Toda forma de impulsionar a equidade entre homens e mulheres nas esferas culturais, artísticas e profissionais traz, de fato, possibilidades de ampliar o leque cultural da sociedade e trazer à tona o debate sobre valores sociais e de gênero que têm, ao longo dos anos, combatido a dicotomia de igualdade e equidade, pois, no caso da literatura, há tantas obras escritas por homens como por mulheres, mas por muitas décadas, as escritoras estiveram nos bastidores dos estudos e vestibulares.

“Conscientização é a palavra de ordem para uma tentativa de reverter esse quadro agonizante da leitura no Brasil. Devemos tornar a leitura algo interessante, falar mais sobre os acontecimentos que construíram as características dos estilos de época contextualizando a nossa realidade, despertando nos potenciais leitores a curiosidade em conhecer outras épocas, formas de pensamentos, as lutas e os esforços que levaram a nossa literatura a ser uma das mais importantes do mundo”, concluiu Deyvini Almeida.