Doenças erradicadas voltam a aparecer no Brasil devido a falta de políticas públicas e tráfego de pessoas
Por Clara Maria Lino– BA
As fake news relativas às vacinas vem sendo o foco da campanha de vacinação do Governo Federal. Um número de Whatsapp (61-992894640) foi disponibilizado pelo Ministério da Saúde para envio de informações que são apuradas por integrantes do MS e divulgadas ao público.
 
Por trás desta campanha é possível observar que a falta de vacinação no Brasil não se deve, em grande maioria, a grupos antivacina ou as mentiras relativas ao assunto, mas sim a falta de políticas públicas unidas a crise econômica no país e ao tráfego de pessoas entre as nações.
 
Muitas famílias de regiões distantes das capitais e também moradoras das grandes cidades tem dificuldade financeira em levar as crianças até os postos de saúde que nem sempre possuem vacinas disponíveis para a população. A psicopedagoga Cristini Dias relata que não costuma ter dificuldades para vacinar o filho Rodrigo, de um ano, mas na última vez que foi ao posto de saúde no Rio de Janeiro encontrou as portas fechadas por motivo de greve. Além das barreiras já citadas, o fluxo de pessoas por motivos de guerra, fome, grandes eventos, dentre outros, ocasionam o aparecimento de novas doenças.
 
De acordo com a pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro pelo Instituto de Bioquímica Médica e especialista em doenças negligenciadas (doenças causadas por agentes infecciosos, endêmicas em países de baixa renda), Amanda Vicentino, os atuais surtos de Sarampo estão relacionados à imigração de venezuelanos já que o genótipo do vírus (D8) identificado é o mesmo que circula na Venezuela.
 
” Zika e Chikungunya foram vírus trazidos para cá em 2014 durante a Copa do Mundo. O surto de Febre Amarela em 2017, é considerado por muitos ter ocorrido em consequência do desequilíbrio ambiental causado pelo desastre em Mariana. Mais recentemente, em 2018, com a crise na Venezuela, muitos refugiados venezuelanos trouxeram o Sarampo para cá.”
 
O retrocesso relativo ao Sarampo, até então considerado erradicado no país, vem em um momento que o mundo alerta contra esta enfermidade. Segundo a Organização Mundial de Saúde, houve aumento de 300% nos três primeiros meses de 2019 comparado ao mesmo período de 2018.
 
Ainda segundo Amanda Vicentino, falando especificamente do Brasil, este fato pode estar relacionado muito mais do que a diminuição drástica e constante de investimentos em ciência e tecnologia que vem acontecendo desde 2014. Isso também se deve a um aumento da pobreza no país, e a falta de políticas de saneamento e moradia, o que faz com que a população viva amontoada em condições abaixo da subsistência, propiciando ao surto não só do sarampo, como diversas outras doenças. A política de saneamento e moradia são grandes problemas enfrentados pelo Brasil, e está estritamente relacionada com a alta incidência de Doenças Negligenciadas.
 
A consequência disso está ligada a mortalidade infantil no país. Dados do Ministério da Saúde apontam que este índice voltou a crescer no Brasil. Em 2015, 13,3 mortes foram registradas a cada mil habitantes. No ano seguinte este número subiu para 14. O dado pode representar um aumento insignificante, mas o evento não ocorre desde 1990 e é considerado um indicador da falta de qualidade da saúde pública no Brasil. Quando se fala de saúde, colocamos no mesmo conjunto todas as questões citadas no parágrafo anterior.
 
Além dos fatores colocados, deve ser levado em consideração a questão do acesso a informação. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dos quase 70 milhões de domicílios particulares permanentes no país, quase 2 milhões não tem televisão (principal meio de comunicação do país). Só na região Norte, mais de 6% da população não tem acesso a TV. Se este meio de comunicação é o principal caminho de informação do brasileiro, populações de regiões distantes das capitais e sem acesso a televisão não tem informação sobre campanhas de vacinação do Ministério da Saúde.
 
Para Amanda Vicentino, fica claro que de fato a má administração da pobreza, distribuição de renda, educação de má qualidade, além de provavelmente as vacinas não chegarem a todos sejam os principais fatores para perpetuação de doenças praticamente erradicadas em países desenvolvidos. No Brasil, o movimento antivacina é algo novo, ainda que venha crescendo com as redes sociais, no entanto, este ponto não é causa relevante para o surto de doenças antes erradicadas como o Sarampo, nem tão pouco a urbanização da Febre Amarela e surtos e mais surtos de doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, completa a pesquisadora.