Esgrima: ousadia e perspicácia no esporte e na vida
Por Adriana Buarque, Jornalista – SP
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Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, Jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, Jornalista
Atividade envolve corpo e mente numa prática que exige rapidez, vigor e estratégia
Elegância. Destreza. Velocidade. Elementos associados a um esporte que remonta desde a antiguidade, a Esgrima habita o imaginário das pessoas alimentado pela literatura, pelos filmes e pelas animações, bem como continua despertando o fascínio que atrai praticantes de diferentes idades e procedências. O combate com arma branca – florete, sabre ou espada – exige disciplina e concentração, habilidades desenvolvidas num crescendo multidisciplinar que resulta não somente no pódio, mas também no desenvolvimento como ser humano.
A história registra o duelo há pelo menos três mil anos. Pinturas gregas e egípcias ilustram guerreiros empunhando espadas, a própria Bíblia descreve narrativas em que ela é parte das batalhas e o Islã antigo traz consigo a utilização também de sabres. Bem mais do que um simples desporto, era uma forma de combate sem uma regra precisa, o que não quer dizer que não era necessária técnica para a aplicação e defesa de golpes. Nas escolas de gladiadores em Roma, eram formados os doctore armarum, especialistas em entreter o público com armas brancas. Na Idade Média, a esgrima se diversificou com os vários formatos de espadas e sabres.
Desde os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, a prática faz parte das categorias desportivas. As disputas masculinas começaram com o florete e o sabre em 1896; quanto à espada, ela foi introduzida em 1900. As mulheres, a partir de 1924, passam a participar da disputa com o florete individual, status que permaneceu até 1992. A partir de 1996, passaram também a competir na modalidade espada. Finalmente, em 2004, elas começaram a manejar o sabre. Em 2021, a ítalo-brasileira Nathalie Mollhausen foi destaque na modalidade espada durante a conquista por medalhas nas olimpíadas de Tóquio.
“Eu mesma, quando decidi praticar, comecei com o florete”, diz a empresária Deborah Castro, em atividade no esporte há 18 anos. Embora o senso comum utilize a expressão “luta de esgrima”, no esgrimir nunca se tem uma “luta”, mas sim “um jogo de esgrima”, uma vez que é uma prática esportiva.
Regras do jogo
Segundo o site da Confederação Brasileira de Esgrima, cada arma possui suas normas, pontuação e zona de toque, e o benefício trazido pela modalidade inclui a acuidade dos sentidos, coordenação motora, aumento da força, dentre outros. “As reações na pista durante o combate são o reflexo de sua personalidade”, contextualiza Deborah.
Pede a etiqueta, em primeiro lugar, que os adversários se cumprimentem ao entrarem na pista. O movimento é feito rapidamente com as armas antes de colocarem as máscaras. No florete, vale tocar com a ponta da arma apenas no tronco do adversário (frente e costas) e na região do ventre. Na espada, é válido tocar com a ponta da arma em qualquer parte do corpo. Já no sabre, conta tocar com a ponta e com o corte ou contra-corte da lâmina da arma: a região que deve ser atingida fica da cintura para cima, incluindo braços e excluindo as mãos.
Tanto no florete quanto no sabre, existe o chamado “direito de passagem” ou “frase d’arma”. Quem começa o ataque tem prioridade de ganhar o ponto se houver toque simultâneo. Se errar o ataque ou se o adversário conseguir se defender antes da resposta, a vantagem passa para o adversário. No caso de acontecer toques simultâneos sem prioridade, ninguém pontua. Na espada, que não existe frase d’armas, em caso de toque simultâneo, ambos os adversários ganham um ponto. Se houver empate num combate de espada, é normal dar aos jogadores alguns minutos para descansar antes que se continue o jogo para o toque de desempate. Em raras ocasiões, quando continua se dando a situação de empate, é possível que haja um sorteio que eleja o vencedor.
De fato, são muitos e necessários os equipamentos da esgrima. Longe de serem um capricho ou um luxo, esses materiais possibilitam a experiência segura, competitiva e dinâmica do esporte. São lutas de armas brancas, afinal de contas, e, mesmo que estas não tenham pontas nem lâminas cortantes, todo o cuidado é pouco. A categorização delas se divide da seguinte forma segundo o peso e flexibilidade:
Florete: arma mais leve e de flexibilidade mediana, tem 90cm e pesa 500g. Ela pontua somente com a ponta e pode apenas atingir o tronco. A sua categoria é a mais diversa em biotipos de atletas e a mais disputada na esgrima.
Sabre: arma mais flexível e, portanto, mais rápida da categoria. Tem 88cm e 500g. É empunhada pelos esgrimistas mais atléticos, já que pode atingir tudo da cintura para cima, tanto com a ponta quanto com as “lâminas”.
Espada: é a menos flexível e, portanto, a mais lenta das armas da esgrima. Tem 110cm de lâmina e pesa 770g. A sua categoria é ideal para atletas mais altos. Pode pontuar em qualquer lugar do corpo, da ponta do pé ao topo da cabeça, mas somente com a ponta da arma.
Além das delas, são mais de dez os equipamentos para a prática do desporto:
– Traje: compõe o “uniforme” da esgrima e inclui jaqueta, luva, calça, meia e tênis. É padronizado do capacete às meias, com algumas diferenciações técnicas entre modalidades.
– Fios e capas elétricas: o equipamento elétrico é usado para arbitrar as pontuações das partidas. Responsáveis pelo profissionalismo do esporte, aumentam a precisão e a velocidade na contagem de pontos.
– Ítens de segurança: máscara, plastron e protetores do peitoral.
Os movimentos da esgrima envolvem saudação, guarda, marchar e romper, afundo, estocada, flecha, balestra, destaque, contra-ataque, parada e resposta. Nas competições, durante a etapa classificatória, são necessários cinco toques ou três minutos para se vencer. Na etapa eliminatória, são essenciais quinze toques ou nove minutos. Essas normas podem ser flexíveis dependendo do nível territorial da competição e do órgão responsável.
Ranking de países
A Federação Internacional de Esgrima estabelece como objetivo “colocar o esporte a serviço do desenvolvimento humano, visando promover uma sociedade de paz preocupada com a preservação da dignidade humana, tendo sua prática como direito”. Os países que ocupam o topo do ranking mundial são Itália, França e Rússia, todavia, vemos a China e até mesmo a Coreia do Sul investindo em seus atletas para concorrerem nas disputas oficiais.
O exercício de autoconhecimento é compartilhado pelo treinador Abel Mélian, dono da escola que leva seu nome. “A esgrima é um esporte complexo, tanto físico quanto mental”, complementa, “e, normalmente, quem joga gosta de pensar estratégia para enfrentar o desafio tanto em pista como na vida”. No Brasil desde 2000, o cubano também é árbitro de competições e ressalta as diferenças entre ser técnico e apitar uma partida: “é necessário conhecer a raíz do esporte, ter envolvimento prévio uma vez que a postura é diferente em cada função”.
Arbitragem feminina
Carolina Anzolin, árbitra olímpica e paralímpica, acrescenta que o peso da responsabilidade que envolve o juiz é determinante sobre o jogo. “A possibilidade da arbitragem errada pode prejudicar o esgrimista”, continua Anzolin. Sendo uma das poucas mulheres que apitam combates, ela acrescenta que, na especialidade para cadeirantes, existem apenas quatro pessoas, incluindo Carolina que atua internacionalmente. “No Brasil, existem somente três academias para a prática paralímpica, e podemos encontrar em São Paulo o Centro Paraolímpico, que proporciona a oportunidade para quem quiser aprender”, informa.
A inscrição para competição em cadeira de rodas é a partir dos 14 anos, mas a partir dos seis o pequeno espadachim pode começar a arriscar suas jogadas tanto em nível olímpico ou paralímpico. “Não existe limite de idade para começar no esporte, entretanto vemos crianças já presentes no ranking infantil que já apresentam traços de um físico forte e uma boa autoestima, o que permite ótimas perspectivas para seguir uma carreira como atleta”, diz o proprietário da Life Quality, Ricardo Salles. De acordo com Salles, a formação começa a partir da identificação com o esporte, e desempenhar de forma prazerosa vem antes da cobrança de resultados. “O incentivo, bem como o investimento de tempo, é determinante para um começo sólido”, pondera.
O técnico também comenta que alunos com faixa etária mais avançada são bem-vindos na esgrima. “Embora o envelhecimento seja natural, esgrimir estimula os neurônios e mantém a coordenação”, continua, “inclusive tenho alunos com quase 80 anos que estão em plena forma”.
Para quem busca prevenção da saúde, são vários os benefícios trazidos: aumento da criatividade, reflexos mais rápidos, aumento da força, melhor resistência muscular, bem como aumento da flexibilidade. Com os movimentos do corpo, a aptidão aeróbica aumenta influenciando assim a saúde cardiovascular e a flexibilidade. Nos tempos modernos que vivemos, a redução do estresse e a resistência física são cruciais para encarar as intempéries que possam nos afetar.
Combates na melhor idade
Os esgrimistas seniores encontram uma chance de disputar uma medalha nas provas do Esgrimaster, instituição que abriga desde 2013 praticantes a partir de 30 anos. Movida pelo exemplo de outros países, busca priorizar a participação para quem se afastou da esgrima, iniciou a prática em idade adulta ou para quem já passou da fase da alta performance.
Glauco Zamboni, organizador dos torneios, comenta que a condição física não é impedimento para participar. “Claro que difere de um atleta regular, mas é uma oportunidade para quem não quer parar”, diz, “e quer se divertir ao mesmo tempo.” Zamboni acrescenta que não é necessário ser federado ou filiado a algum clube para jogar nos combates das competições estabelecidas pelo calendário do Esgrimaster.
São cinco as categorias: 0 (zero), entre 30 e 39 anos; 1 (um), entre 40 e 49 anos; 2 (dois), entre 50 e 59 anos; 3 (três), entre 60 e 69 anos e 4 (quatro), para mais de 70 anos. Muitos participantes competem também fora do Brasil, bem como a contrapartida – a presença de jogadores estrangeiros – acontece. “Recebemos pessoas do mundo inteiro, como norte-americanos, italianos, colombianos e panamenhos”, diz Glauco.
Diversidade na prática
Muitas vezes, a esgrima parece ser um esporte para poucos, entretanto não é esta a visão de Diego Dourado, professor da Dourado Esgrima Clube e do Programa Esgrima para Todos, que procura divulgar a modalidade para quem, num primeiro momento, não teria acesso ao esporte. Residente há 10 anos na cidade de Lins, interior do estado de São Paulo, Diego se orgulha dos frutos de sua iniciativa: “depois de uma década, podemos dizer que temos a maior equipe de esgrima com 600 alunos”, informa.
No início, o desafio foi apresentar o esporte numa região que sequer conhecia a prática, para depois oferecê-la aos moradores. Atualmente, a iniciativa alcança dez municípios: Lins, Promissão, Guaiçara, Cafelândia, Getulina, Bauru, Birigui, Araçatuba, São José do Rio Preto e Campinas.
Perspectiva Social
Visando tornar a esgrima acessível, o Projeto Esgrima Para Todos conta com a presença de 450 crianças provenientes de escolas públicas. A parceria com o governo do Estado foi possível por intermédio da Lei de Incentivo ao Esporte de 2018, além do que também procura outras alternativas para o fornecimento de uniformes, equipamentos e transporte, por exemplo.
O técnico ressalta que, além da disciplina infantil, é preciso educar os pais: para ele, existe a cobrança direta e indireta sobre os filhos. “Muitas vezes, a criança comenta que o resultado por parte do pai e da mãe aparenta ser mais importante do que o desempenho em si, por isso a preocupação em conscientizar a família como um todo”, confirma o treinador.
Dourado, inclusive, ressalta que, por outro lado, a mudança que os treinos e as provas proporcionam para vida dos rebentos. “Queremos no futuro utilizar o depoimento dos pais para um estudo científico comprovando os benefícios do esporte”, completa. Lidar com a frustração e a derrota, como também celebrar a vitória, são ações inerentes à vida como um todo, e a esgrima favorece o equilíbrio emocional para encarar os enfrentamentos cotidianos.