É tempo dos brasileiros fazerem as pazes com o Brasil
Por: Marta Dueñas, jornalista
E-mail: marta.duenas@mulheresjornalistas.com
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista
Como pode a bandeira do Brasil ter gerado medo em tantas pessoas nestes últimos anos? A combinação adesivo verde e amarelo, num carro, tocando sertanejo era o aviso: não fale, não olhe, não questione o trajeto. Medo e tensão. As cores do Brasil se tornaram uma sinaleira de perigo para mulheres, negros, índios, crianças, homossexuais, jornalistas e uma lista sem fim de pessoas, da humanidade. É por isso que falamos que venceu a democracia! É por isso que a candidatura de Lula e Alckmin receberam apoio de diversos segmentos políticos e econômicos, incluindo exponentes de partidos liberais. Foi e é pelo país. É tempo de fazermos as pazes com o Brasil e delimitarmos com nome, com explicações, com fatos e dados porque Lula representa não apenas uma alternativa para a base popular mas, também, um freio vital ao avanço da extrema direita fascista brasileira.
Entendo que muitos apoiadores do presidente derrotado não se enxergam assim. Tampouco conseguem descrever o atual governo como um movimento fascista reacionário E é por isso que teremos que falar, ouvir e escrever. A gente só faz pazes com tratados e tratados pedem palavras. Selar a paz, portanto, vai nos exigir a travessia pelo entendimento, mínimo que seja, do que representa a gestão Bolsonaro Mourão nas nossas vidas.
O projeto que perdeu nas urnas não é liberal. Ainda que o nome de Guedes possa ter representado uma suposta grife confundindo o entendimento sobre o manejo da economia nacional. O projeto que vai desocupar a presidência, porém, não o congresso, não defende a família, não tem uma pauta humanitária. A família como arquétipo de sociedade para o atual governo é uma entidade que representa propriedade, posses, domínio e controle. Não tem nada a ver com laços afetivos ou sanguíneos que tenham por base relações de amor ou respeito. O governo Bolsonaro não teve nenhum compromisso com a fé cristã, ainda que isso seja completamente desnecessário já que o Estado deve ser laico. Mas como esta pauta também ganhou o centro das atenções é importante firmar que a pregação da Primeira Dama, de membros dos Ministérios e até mesmo do Presidente é uma vilania. O tema da fé e da religiosidade teve contornos sombrios e foi utilizado como cabresto moral para perseguir e discriminar.
Precisaremos de muitas palavras para apaziguar temas que foram jogados num caldo maniqueísta. Religião, gênero, família, patriotismo, liberdade são alguns destes temas que se tornaram fronteiriços entre o bem e o mal por meio da comunicação feita pelos núcleos extremistas e conservadores.
Nunca vi tantas idiossincrasias reunidas em questões divergentes e até insustentáveis como por exemplo querer armar uma sociedade sob o pretexto do direito a segurança enquanto endeusam forças armadas, policiais, militares e organizações milicianas. Porque eu precisaria de uma arma para me proteger com tantos uniformizados heroicos no estilo “Johny Bravo” no país.
A ideia de estado enxuto, competente e ético, vendida de maneira agressiva nos jargões “acabou a mamata”, “caça a corrupção” também é uma falácia. A máquina pública não está enxuta e segue vigilante pelos temas de interesse do atual governo, das pautas do patriarcado, do clero, do proprietário (posseiro e grileiro, certamente). Esse é o retrato do estado fascista que transfere poder ao privado e diminuto, não reconhece a coletividade e se expressa por meio desse perfil médio do colonizador, digamos assim. A ideia de redução do estado não tem e nunca teve objetivos administrativos. Esse é o esquema do estado autoritário que por meio do enfraquecimento de áreas públicas estratégicas silencia o estado, sufoca a sociedade e empodera uma elite cruel e desordeira que clama por ordem e moral. O estado autoritário fascista é esse que promove o direito à morte. Arma os homens brancos para que defendam honras, terras e ideias que alimentam seus próprios projetos.
Muitos que optaram pelo atual presidente não reconhecem as características que dão nome aos bois. Com olhares torpes não conseguem identificar que Bolsonaro não teve nenhuma habilidade de gestão e tornou o estado ausente, tal qual o Brasil do século XVII em que as regras eram feitas por senhores de engenho, feitores, garimpeiros e claro, a família imperial e a igreja. A saber, um momento dos mais turbulentos do Brasil colônia. Certamente algo de verossímil com a própria história deste homem que foi se apequenando diante dos desafios normais de uma vida pública. Um sujeito que por medo odiava. Um homem cuja agressividade se fazia o dobro do silêncio.
Esse Brasil do futuro que foi jogado no passado não terminou. A virada de governo tampouco será suficiente para que estruturas sejam refeitas, universidades voltem a esteira do crescimento, a cultura ganhe novos fôlegos. O fascismo tem muitos inimigos e maltratou todos eles. Não esqueceremos quem optou pelo fascismo. Mas para fazermos as pazes com o nosso verde e amarelo será preciso compor e aproximar. E para jamais esquecer: traduzir em palavras o período nefasto que alcançamos chegar pelo voto.
Façamos as pazes com nosso país imperfeito, insistente e diverso. Uma nação de bravos homens e mulheres, mas principalmente de mulheres. Façamos as pazes com os conceitos e abracemos o Brasil Tupi Guarani que é vermelho como brasa.