O método de esterilização é garantido pela lei brasileira como direito da mulher, mas ainda exige um processo burocrático para ser realizado
Por Regina Fiore Ribeiro- SP
A legislação brasileira atual estabelece algumas regras em relação aos direitos reprodutivos da mulher. A laqueadura tubária, método de esterilização mais popular, é um dos procedimentos que depende não só da vontade da mulher em realizá-lo, mas principalmente da burocracia do Estado para ser realizada pelo Sistema Único de Saúde, onde é feita gratuitamente. Em 2018, foram feitas 68 mil cirurgias de laqueadura, de acordo com os dados do SUS.
 
Também é conhecida como ligação das trompas uterinas, a cirurgia consiste em cortar e amarrar as trompas para impedir a passagem do óvulo e do espermatozoide, evitando a gravidez. O procedimento todo dura, aproximadamente, 40 minutos e pode ser feito por um corte abdominal, para o cirurgião ter acesso às trompas uterinas, ou por laparoscopia (menos invasivo). Pelo SUS, a primeira técnica é a mais utilizada.
 
Importante ressaltar que, mesmo fazendo a ligação de trompas, existe um risco mínimo de gravidez: cinco em cada mil mulheres engravidam após a cirurgia. Ainda assim, para aquelas que não pretendem mais engravidar, é uma opção garantida como direito pela lei brasileira.
 
Para realizar a cirurgia, as mulheres precisam atender alguns requisitos: ter ao menos 25 anos ou 2 filhos vivos e, se casada, obter autorização do marido, reconhecida em cartório (o homem também precisa da autorização da esposa para realizar o procedimento de esterilização masculina, conhecido como vasectomia). Se a mulher for solteira, divorciada ou viúva, basta uma testemunha para que a cirurgia possa ser autorizada.
 
Além disso, atualmente não é possível realizar a laqueadura logo após o parto. É preciso esperar 42 dias, o período de puerpério, já que o Estado considera que esta decisão não pode ser tomada enquanto a mulher está sob a situação de vulnerabilidade do pós-parto.
 
Como a maioria dos partos realizados pelo SUS é parto normal (a cesárea é vista como última opção, como é recomendado pela Organização Mundial de Saúde), a mulher não pode alegar que vai aproveitar a cirurgia da cesárea para realizar a ligação das trompas, a não ser que ela já tenha passado por muitas cesarianas ou que uma próxima gravidez possa colocar a vida dela em risco.
 
Mudanças na lei
 
O projeto de lei 107/2018, que tramita no Senado Federal, propõe a mudança das regras para a realização da laqueadura. As alterações consistem, basicamente, na eliminação da autorização do marido e dos 42 dias de resguardo pós-parto, sendo que a cirurgia poderia ser feita mesmo durante o parto.
 
Algumas pesquisas realizadas pelo SUS mostram que cerca de 10% das mulheres que realizaram a laqueadura apresentam arrependimento. A cirurgia pode ser revertida, mas o procedimento de reversão é bastante delicado e pode não ser bem sucedido.
 
Riscos e benefícios
 
De acordo com a ginecologista e obstetra Maíra de La Rocque, especialista em medicina fetal, os principais benefícios do ligamento de trompas são a segurança, a tranquilidade e o poder de decisão da mulher sobre seu corpo. Os riscos do procedimento são os mesmos de qualquer procedimento cirúrgico, como infecção ou sangramento, assim como o pós-operatório, que envolve dor local e período de cicatrização.
 
“Ao contrário do que afirmam alguns mitos, a laqueadura não causa mudanças no ciclo menstrual feminino, ou seja, não há aumento de fluxo ou de cólicas, e a libido não é afetada, já que as trompas não são responsáveis por nenhum desses fenômenos”, afirma a ginecologista.
 
Maíra de La Rocque conta que, tradicionalmente, a mulher que busca esse procedimento é a mãe com prole constituída, ou seja, que já tem o número de filhos que gostaria. Nos últimos anos, porém, esse perfil tem variado e muitas mulheres que não querem ter filhos e buscam autonomia do próprio corpo se dispõem a passar pela cirurgia.
 
Passo a passo pelo SUS
 
Para realizar a cirurgia gratuitamente, a mulher deve procurar uma unidade de saúde básica (UBS) e dizer que tem o desejo de fazer a ligação das trompas. A partir daí, será encaminhada para algumas reuniões sobre planejamento familiar e métodos contraceptivos. Depois, ainda será ouvida por psicólogos, médicos e assistente social, para que fique claro que o procedimento é praticamente irreversível.
 
Além disso, existe o “tempo de reflexão”, determinado pela lei como os 60 dias antes da cirurgia, no qual a mulher vai assinar toda a papelada necessária para autorização. Nesse período, ela é encaminhada para um hospital de referência, mas pode desistir da cirurgia no momento que quiser.
 
O tempo para todo o procedimento acontecer varia muito, porque depende da disponibilidade dos grupos de planejamento familiar e dos leitos hospitalares, além da agenda dos médicos. Estatísticas mostram que, depois de entrar no tempo de reflexão, as mulheres conseguem realizar a laqueadura após 4 meses da entrada na UBS.
 
É imprescindível que, durante esse período de espera, a mulher esteja usando algum método contraceptivo eficaz, como pílula anticoncepcional ou camisinha, para não correr o risco de estar grávida no dia da cirurgia. Um exame de sangue geralmente é feito um dia antes da internação, para verificar se existe gravidez. Nesse caso, a cirurgia é suspensa e a mulher precisa passar novamente por todo o processo.
 
“O mais importante é que a mulher tenha pleno acesso ao planejamento familiar e a todo tipo de informação sobre os métodos contraceptivos para tomar as decisões sobre seu próprio corpo e escolher com clareza se deseja fazer a laqueadura”, finaliza a obstetra.