Por Regina Fiori, jornalista
Chefe de reportagem: Juliana Monaco, jornalista
Diretora de jornalismo: Letícia Fagundes, jornalista

O Palmeiras é tricampeão do Campeonato Paulista. Fazia 90 anos que o time da Pompéia não alcançava 3 vitórias seguidas no Paulistão e quebrou o jejum domingo passado, no Allianz Parque – festa no chiqueiro! O Paulistão é o décimo título conquistado pelo Palmeiras desde a contratação de Abel Ferreira, em 2020. A vitória de domingo aconteceu em cima dos Santos, que havia ganhado a primeira partida da final na Vila Belmiro por 1 a 0 e enfrentou o Verdão na casa alviverde, onde os dois gols (feitos por Rafael Veiga e Aníbal Moreno) garantiram a taça para os anfitriões. 

Na semana anterior, quando o jogo foi na casa santista, Neymar Jr. foi convidado para posicionar a taça no campo. O Santos é bem conhecido mundialmente por ter revelado jogadores talentosos: primeiro, Pelé, que faleceu recentemente e ainda é considerado Rei do Futebol. Depois, Neymar Jr., que saiu do Santos direto para os maiores clubes de futebol da Europa, onde jogou com craques como Messi e Mbappe. Robinho também é cria do Santos – também se revelou como um jogador talentoso e também foi contratado pelo time europeu Real Madrid. 

Para o mesmo time, embarca daqui três meses Endrick, jogador do Palmeiras que tem se mostrado um verdadeiro talento técnico e criativo. O menino de 17 anos tem tudo: forte como um touro, obstinado, sabe costurar as jogadas, faz passes fundamentais para as finalizações e participou de quase todos os gols marcados pelo Palmeiras recentemente. Foi também o grande herói da virada de 2023 que garantiu o Campeonato Brasileiro para o Verdão: 4 a 3 em cima do Botafogo, que liderava o campeonato há meses. 

Endrick carrega a história de muitos outros jogadores de futebol brasileiro: é negro, com pais pobres, morava na periferia e o futebol parecia o único caminho disponível para enriquecer e mudar a história de sua família. O pai de Endrick trabalhava como faxineiro do Allianz Parque, enquanto o filho jogava nos times de base do Palmeiras. 

O garoto estreou no time principal com apenas 16 anos e já recebeu uma proposta milionária do Real Madrid, que aumentava de acordo com o número de gols marcados por Endrick no Palmeiras. Em três meses, o jogador embarca para a Espanha, com lugar garantido na Seleção Brasileira, estudo básico de espanhol e Vini Jr., também brasileiro, esperando por ele do outro lado do Atlântico. 

Vamos conectar os pontos: Neymar Jr., Robinho e Endrick. Os três são jogadores de futebol talentosos. Os três ganharam fama mundial e milhões em dinheiro muito jovens. Os três se viram encarregados de sustentar a família e mais um monte de gente que conta com eles para continuarem empregados. Dois deles já passaram do seu auge na carreira. Dois deles são, atualmente, mais conhecidos pelos problemas do que pelo futebol. 

Neymar Jr. esteve, desde o início de sua carreira, envolvido em muitas polêmicas negativas: brigas em campo, brigas com juízes, demissão do técnico do Santos, brigas com os jornalistas, brigas com fãs, traições das namoradas, brigas com torcedores. Conforme sua fama aumentou, os problemas escalaram: dívidas com o Estado da Espanha por sonegação de impostos, julgamentos públicos, críticas vindas de todos os comentadores esportivos, festas fora do controle, livramento de Bruna Marquezine, affair com Anitta. 

Teve até série na Netflix para pintar Neymar Jr. como o “caos perfeito”, uma tentativa de consagrá-lo como “um herói sem nenhum caráter”, como Mário de Andrade fez com Macunaíma – “ai, que preguiça!”. Até que chegou 2024 – o ano em que Daniel Alves, outro jogador brasileiro contratado por times europeus, foi julgado e condenado por um estupro que ocorreu na Espanha. Neymar Jr., por meio do seu pai – Neymar, pagou a fiança de R$ 800 mil para que a defesa de Daniel Alves pudesse antecipar um tipo de indenização pelos danos causados à vítima. 

Daniel foi considerado culpado e, por causa do valor pago, em vez de 9 anos de prisão foi condenado a 4 – a juíza considerou o valor pago por Neymar como atenuante para a pena. O estuprador condenado cumpriu 14 meses de prisão preventiva, pagou 1 milhão de euros pela fiança e está em liberdade provisória, enquanto espera pelo julgamento dos recursos. Não pode deixar a Espanha e precisa se apresentar ao tribunal semanalmente. Seu patrimônio é avaliado em 60 milhões de euros, ou seja, tem aí o crédito de 59 estupros que podem ser atenuados com a fiança (ironia, eu sei que a justiça não funciona assim). 

Robinho mora no Brasil, no litoral de São Paulo. Estava sendo julgado pelo caso de estupro em grupo de uma turista que deu o azar de encontrar o ex-jogador e seus amigos em uma festa. No meio de 2023, em uma investigação impecável do podcast UOL Investiga, conduzida por um jornalista que se formou comigo na faculdade (Bravo, Adriano!), vazaram os áudios do ex-jogador e de seus amigos admitindo a violência sexual – Robinho “não sabia” que colocar o pênis na boca de uma pessoa sem ela desejar é estupro. 

Depois da reportagem, a justiça brasileira avaliou que o cumprimento da pena de Robinho deveria ser feito aqui no Brasil mesmo – e ele está em Tremembé. Condenado pelo estupro que cometeu aos 28 anos, Robinho tinha certeza da impunidade – e deixou isso claro em diversos áudios: “isso não vai dar em nada”, “a menina estava chapada, nem me reconheceu”. Mas e o Endrick? 

Endrick está entrando para o mesmo contexto de Neymar Jr. e Robinho: um garoto muito jovem, com muito dinheiro nas mãos, responsabilidades com a família, pressão para desempenhar bem num clube que é vitrine internacional do futebol. Vai enfrentar torcidas racistas, assim como Vini Jr. tem feito em diversos jogos. Vai ouvir 80 mil pessoas lhe chamando de “macaco”, “criolo”, “preto sujo” e pior. Vai frequentar festas, vai ter acesso ao mundo das celebridades, vai conhecer todos os seus ídolos – e vai ver que o dinheiro e a fama resolvem quase qualquer problema. 

Será que Endrick vai conseguir segurar as pontas e não caminhar direto para o mesmo buraco que Robinho e Neymar Jr.? Muita fama, muita pressão, muito dinheiro e muita oportunidade de fazer o que quiser, certo ou errado, dentro ou fora da lei, pode corromper qualquer garoto de 17 anos que veio da realidade brasileira de pobreza – não é uma desculpa ou uma justificativa, é uma percepção. O que pode diferenciar Endrick de Neymar Jr. e Robinho? 

Primeiro, os exemplos dos próprios do que não fazer com a fama. Mas um episódio de Neymar Jr. resume bem o poder que as estrelas do futebol sentem quando são considerados extraordinários. Antes de o jogador ir para a Europa, Dorival Jr. era técnico do Santos. Num dos jogos, ele quis tirar Neymar Jr. da partida, pediu substituição do jogador e mandou o garoto para o banco. 

Neymar Jr. se recusou a sair e Dorival fez o que qualquer técnico no meio da partida faria: “vai sair sim, quem manda aqui sou eu”. O jogador saiu, contrariado e furioso, foi direto para o vestiário – e Dorival Jr., para o olho da rua, no dia seguinte do jogo. A decisão dos cartolas do Santos confirmou: Neymar Jr. é quem manda no time. Ele se sentiu completamente imparável, imbrochável, incontrolável – e dali foi só ladeira abaixo. 

A esperança em relação ao Endrick é que ele parece ter o pé no chão: conta com o apoio e a educação ensinada pela família, conta com um treinador que insiste em não deixar de lado a formação emocional e intelectual dos jogadores, a responsabilidade do trabalho em equipe, não incentiva o estrelismo e exige concentração máxima para buscar os melhores resultados. Foi assim que Abel Ferreira formou um time que está fazendo história no Palmeiras – bem entrosado, que tem peças-chaves, mas não sofre tanto quando um dos craques se ausenta. 

Foi assim que Abel Ferreira, em 4 anos, conquistou 10 títulos para o Verdão – ensinando no vestiário e nos treinos, reforçando o que ele considera valores essenciais para um bom profissional e defendendo seu time em entrevistas e coletivas de imprensa – Abel, não precisa odiar os jornalistas. Somos amigos, não inimigos – mesmo quando somos cretinos ou críticos. 

Espero que o Endrick pegue tudo isso e transforme em uma carreira de sucesso no esporte, não nas primeiras páginas criminais. E cole no Vini Jr., conhecendo o ditado: “me diga com quem andas…”. S.E. Palmeiras vai sentir falta do talento de Endrick para fazer gols e dar assistências, mas ele tem a chance de mudar um pouco a imagem dos jogadores brasileiros em todo o mundo – que está manchada de verde e amarelo. 

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